quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Ana Cristina César descia aos infernos há 25 aos 31

Há 25 anos, a poeta carioca Ana Cristina César (1952 - 1983) decidia encerrar a própria vida. Com apenas 31 anos de idade e parcos livros publicados, segue na pauta do dia da poesia brasileira. Sentei-me hoje na sala e reli A Teus Pés e os Inéditos e Dispersos. Ainda que meu esôfago discorde um pouco de muitos de seus arpejos, em alguns poucos poemas Ana Cristina César conseguiu realmente atingir textos que permanecem porque permanecem porque permanecem. Passei um tempo pensando naqueles poetas brasileiros que morreram em seus late twenties, early thirties, como Augusto dos Anjos, Pedro Kilkerry, Mário Faustino, Torquato Neto, deixando alguns poucos poemas que valem tanto, tanto. Não escrevi um poema para Ana Cristina César hoje, mas saiu no Diário Catarinense uma matéria sobre os 25 anos de sua morte, com poemas de vários autores brasileiros, todos dedicados a Ana Cristina César. Reproduzo os belos belos poemas de Marília Garcia, Ricardo Aleixo e Laura Erber.

a garota de belfast ordena
a teus pés alfabeticamente


por Marília Garcia


98 voltas pelo parque antes de cair em
círculos, parecia a garota de belfast com
sua memória dobrada como um pára-quedas
dentro do tecido eletrizado e que dizia pode ou não pensar
em algo definitivo
. enquanto falava descia a
escada lateral recortando os ruídos
da orquestra. a roda da bicicleta
girando em loop esfarelando os
reflexos no ar e seis horas parada diante
do ralo, pode ou não pensar, sentada na beira do
quarto. olha de longe quando o carro
passa, descer à noite pelos trilhos
quando tudo é uma vingança, levanta
para ouvir direito e não tem mais o eco
(passagem é a ligação externa
entre os dois prédios).
fala de pontes atravessando os túneis
da cidade e ordena a teus pés
alfabeticamente

A anoitecer sobre a cidade
A câmera em rasante
A correspondência
A curriola consolava
A dor
A espera
A intimidade era teatro

e depois de algumas linhas

A tomar chá, quase na borda
A voz em off nas montanhas

pode ou não pensar que era sua voz em mountain hill
a uma velocidade de 1 km/h ou mil. antes
de voltar para a irlanda começou a perda já. entende
que só depois de o blindex esfarinhado contra a
cabeça, só em poucos segundos até que a cabeça
contra o blindex, pode ou não, mas era apenas parte
do trajeto, não podia calcular as noites ou linhas
em que passaria.

........................como extrair o áudio de uma imagem
congelada
era a etiqueta que colava nas paredes
para tentar descobrir como chegar com precisão
e ao fundo a voz pela fresta
a ordenar este livro:

Agora chega
Agora é a sua vez
Agora estamos em movimento
Agora pouco sentimental
Água
Água na boca
Agulhadas

ou vertigem das alturas. você pode acordar trinta anos
depois com a imagem ainda mais viva
quando o quarto está às cegas

As cartas
As cartas, quando chegavam
As lupas desistem
As mulheres e as crianças são as primeiras
Asas batendo
Atravessa a ponte
Atravessando a grande ponte
Atravessa vários túneis da cidade
Autobiografia. Não, biografia
Aviso que vou virando um avião
Azul deixo as chaves do 1114 soltas no balcão
Azul que não me espanta

§§§

Sampler

por Ricardo Aleixo

Da próxima vez
não tem dúvida:

mesmo que a deusa
não suba

à superfície,
sampleio

seus uivos
e torno

a querer tanto
os seios da sereia.

§§§

movido contraditoriamente por x e y

por Laura Erber

cogumelinhos podres
pot-pourri de sais aromáticos do Mar Morto
sedução do não
teoria de mascar
y outros tesouros confiscados
no rabo da baleia disfarçada de Jonas
(não tem Judas nessa história sem beijo) – desvelos
de fariseu em fuga – reciclar o velho cachimbo 18 x 10
disjuntivo and move on just play it again and
– fácil de limpar cabeça desmontável –
all those pictures na berlinda
saltos de poquita fé
teorias do talvez
e dale mais tradução
promessa de promessas removidas
desgraça contágio capitania
deserdada maltraçadas tordesilhas
cigana maltrapilha de véu
em véu ai que enjôo – risque a palavra
desejo – desatraca um dia – sorriso inteiro –
repare: hoje é fácil dar de ombros dizer
o vulnerável comungar profanações vazar
o bebê ops com a água – ou confissão
das confissões nesta pista de
luz Farnsworth quem poderia
recusar o brilho da moréia
shampoo de queratina
para fios em queda pontas duplas
pistas de pouso incerto
tratamento sedoso
aplicação intensiva – curioso,
ela já não combina com o blues
da década passada: colombina cansada
lânguido ardor depois de tudo te livrando (me pergunto
ainda
sem resposta) me virando oh dia oh
céus oh azar mas quem disse que
o meu embaraço não te ? – é por dentro,
é no cativeiro que te leio

Cadê o voco que estava aqui? O papel papou. Ai, verbo que te pariu!


("America under attack", Christophe Fiat em Barcelona, no Festival Proposta 2002)

No Brasil, segue-se em grande parte praticando a poesia experimental como sinônimo de poesia visual, o papel quase sempre como destino último, nos mesmos parâmetros da década de 50, sem sequer uma abertura para outras perspectivas daquela mesma década, como as dos Lettristes (Isidore Isou, Gil J. Wolman, François Dufrêne, etc) ou poetas como Henri Chopin e Bernard Heidsieck, para ficar apenas entre os franceses.

Mesmo o discurso crítico de alguns poetas experimentais, no Brasil, leva-me a crer que sua maior ambição é fazer a poesia que Noigandres não pôde fazer pelas limitações tecnológicas da década de 50, como se "renovar" se limitasse e pudesse ser compreendido apenas nos termos de "continuar" nas trilhas já abertas. Como se qualquer "passo adiante" tivesse que ser dado em linha reta.

Não há dúvidas que nos interessa muito que a poesia experimental brasileira possa usar as novas tecnologias para levar a cabo certos experimentos "esboçados" pelo grupo Noigandres ou outros. No entanto, nem mesmo Augusto de Campos (um dos mais "jovens" poetas brasileiros contemporâneos) entregou-se a tal empreitada unívoca. Uma renovação do conceito de verbivocovisual, hoje, terá necessariamente que repensar e compensar a gigantesca ausência de um sistemático trabalho sonoro e corporal na poesia dos poetas que retomaram as estratégias de vanguarda no pós-guerra brasileiro.

Uma das exceções é Ricardo Aleixo, que tem se entregado a um trabalho incrivelmente saudável e equilibrado de renovação do verbivocovisual, dando seus "passos adiante", na pesquisa est-É-tica, como quem está a dançar. Este equilíbrio funciona de forma bastante diversa em Arnaldo Antunes, e sua obra pede há tempos uma abordagem crítica mais pluralista, capaz de aterrar certas trincheiras artificiais (artificiais por se mostrarem inconscientes de seus próprios artifícios críticos). Podemos sentir esta inquietação de linguagem visual-sonora-corporal também em poetas mais jovens, como Marcelo Sahea e Henrique Dídimo. Com certeza há outros, alguns mais conhecidos, outros apenas agora começando a usar as vantagens da imprensa digital para mostrarem seus trabalhos, dos quais desesperadamente precisamos por suas importantes implicações est-É-ticas.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

A voz e nada mais, a palavra e tudo mais, a respiração do tudo ou nada

A voz e nada mais, a palavra e tudo mais, a respiração do tudo ou nada. Escrevi em um poema recente: "retorno / à pobreza / do organismo", sonhando com uma poesia povera. A exuberância do que se restringe, como antídoto, equilíbrio para o prato vazio do outro lado da balança, contra o prato da elefantíase semântica de uns e o luxo lacônico de outros.

O corpo do poeta como única fonte imagética, metafórica, sonora. Mas há quem acredite que esta auto-exposição não passe de auto-exposição.

"Now the voice as the object, the paradoxical creature that we are after, is also a break. Of course it has an inherent link to presence, to what there is, to the point of endorsing the very notion of presence, yet at the same time, as we have seen, it presents a break, it is not to be simply counted among existing things, its topology dislocates it in relation to presence. And - most important in this context - it is precisely the voice that holds bodies and languages together."

A Voice and Nothing More, by Mladen Dolar.

Ao ler estas palavras, sobre a união entre língua e corpo através da voz, várias imagens e sons invadiam minha mente. Uma delas é a cena impressionante que abre um dos filmes mais importantes da minha formação: "O Espelho", de Tarkóvski.



Perguntas sobem, descem, respondem-se, atracam-se, pacificam-se. Voz e escrita, respiração e voz. Penso em poetas sonoros como Henri Chopin, que abandonou por completo a palavra, seja escrita ou oralizada, para retornar à corporalidade poética através da respiração.

Lénergie du sommeil - Henri Chopin

Penso nos "talk poems" de David Antin, em Charles Olson defendendo a respiração do poeta como novo metrônomo, ainda que ele jamais tenha abandonado a semântica. Nesta nova excursão pelos meandros da voz, repensar os troubadours e trobairitz, repensar mesmo a ópera?


(Diana Damrau na ópera Die Zauberflöte de Mozart)

Volto-me para a poesia brasileira, penso nas implicações de certas escolhas de Augusto de Campos, na poesia sonora de Ricardo Aleixo e Arnaldo Antunes, em um poema como "Águas de março", de Tom Jobim, na defesa de Chacal de uma "poesia falada", nas diferenças entre esta e os "talk poems" de David Antin, mas com a mente voltada para as implicações est-É-ticas destas práticas, pois a est-É-tica talvez seja a única coisa que ainda podemos realmente debater.

Em voz alta, de preferência.


(Ricardo Aleixo, fragmento da performance intermídia NEM UMA ÚNICA LINHA SÓ MINHA, apresentada no Itaú Cultural, em São Paulo, com as participações do músico Benedikt Wiertz e do bailarino Alexandre Tripiciano.)

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Presente de esloveno para garganta de poeta

Enquanto me recupero de uma infecção na garganta, que me confinou ao retângulo da cama a semana toda, leio o presente do meu amigo esloveno Dražen Dragojević que, ao me encontrar numa ruela berlinense lendo Paul Zumthor, debruçado sobre um café, disse que eu deveria ler seu conterrâneo Mladen Dolar, que escrevera todo um livro sobre a metafísica da voz, a política da voz, a ética da voz, a voz. Duas semanas depois, ele me presenteava com o dito-cujo.

Entre um gole de chá de camomila, uma canção de Cat Power e páginas de A Voice and Nothing More, de Mladen Dolar, assim como de Nowhow On, de Samuel Beckett, a garganta deste poeta vai deixando de comportar-se como se três anzóis a osculassem a cada gole da própria saliva.


terça-feira, 21 de outubro de 2008

Aleixo na Modo / Waldrop na Hilda

Poemas novos nas duas revistas que me fazem feliz como editor:

a) três poemas inéditos de Ricardo Aleixo, com pequeno ensaio deste que vos digita, poemas sonoros e em vídeo, na franquia eletrônica da Modo de Usar & Co., revista que tenho o prazer de editar com Angélica Freitas, Fabiano Calixto e Marília Garcia, parte-cerne do meu mãedeuma.

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b) traduções de Rosmarie Waldrop para os nove poemas iniciais de Ulf Stolterfoht em seu livro fachsprachen I - IX, traduzido na íntegra por Waldrop e publicado como Lingos I - IX pela sua Burning Deck Press. Gentilmente cedidas pela poeta alemã/americana, é uma honra ter Rosmarie Waldrop e Ulf Stolterfoht na minha singela HILDA MAGAZINE.

Divirtam-se.

domingo, 19 de outubro de 2008

Jeff ou Chet?

Jonas Lieder e eu temos uma conversa de boteco recorrente, em torno de alguns nomes e nossos ideais de belezura-perfection. Nossas obsessões-mulherosas coincidem, às vezes. Ambos consideramos a senhora Björk Guðmundsdóttir uma das criaturas mais especiais que já pisaram neste pedaço de coisa que chamamos de planeta. Assistimos os vídeos da criatura cantando coisísticas como "Pagan Poetry" e "Jóga" com awe e ave e arre.

Depois, bifurcamos. Ele segue com sua obsessão por Róisín Murphy, eu com minha obsessão por Chan Marshall. Ele não entende muito bem o que eu vejo e ouço em Kate Bush, mas ambos somos devotos de Janine Rostron (Planningtorock).

Ele diz: "olha o machucado desta criatura (Nina Simone) cantando ´I put a spell on you`!", eu retruco: "olha a sangria desta (Billie Holiday) cantando ´Strange fruit`!".

Quanto aos rapazes, ah! os rapazes, discordamos quase sempre. Os dois lêem Frank O´Hara com sorrisos largos nas caras de cavalo, citando versos de "Having a coke with you" e "Meditations in an emergency" para situações várias, mas bêbados em botecos berlinenses, brigando sobre quem é o homem mais lindo do planeta, ele sempre gritando "Jeff Buckley! Jeff Buckley!", e eu indignado exclamando "Chet Baker! Chet Baker!", enquanto ele pede outra cerveja e eu peço outro copo de vinho tinto, "and the warm weather is holding".










sábado, 18 de outubro de 2008

Segunda visita à livraria pela tarde: Marjorie Perloff

Ao chegar à minha querida caverna, leio a mensagem eletrônica da livraria Dussmann, dizendo que minha encomenda do livro 21st Century Modernism: The "New" Poetics, de Marjorie Perloff, havia chegado. Após ler A Singular Modernity: Essay on the Ontology of the Present, de Fredric Jameson, fiquei com vontade de reler alguns dos ensaios de Perloff sobre os relacionamentos conturbados entre os conceitos de vanguarda, modernismo e pós-modernismo. Os únicos críticos que conseguem me entusiasmar, ensinar e divertir mais que Perloff são Walter Benjamin e Hugh Kenner. Bom, é bem verdade que Ezra Pound me diverte mais que todos eles juntos, mas o humor de Pound em seus ensaios é insuperável.

Já disse que o poeta brasileiro que ainda não começou a ler a tradução de Aurora Bernardini para o Wittgenstein´s Ladder, da Perloff, está perdendo uma delícia de trabalho crítico? Está dito agora.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Visita à livraria pela manhã: Unica Zürn

Passagem de manhã pela livraria Schwarze Risse, uma das minhas favoritas em Berlim, onde se encontra muita coisa rara. A livraria assume uma posição claramente politizada e tenta oferecer a "outra face" da literatura alemã. Na semana passada, eu encomendara o primeiro volume das obras reunidas de Unica Zürn (1916 - 1970), uma maravilhosa poeta e artista visual alemã.



O primeiro volume contém seus anagramas impecáveis, com uma potência imagética que lembra certos poemas torturados de Christine Lavant e Ingeborg Bachmann, mas com uma materialidade lingüística potente, fundamentada em sua escrita anagramática. Há algo desta materialidade também em Guérasim Luca.



Um poema com este "grau" de materialidade impede qualquer noção ingênua de tradução. Outro poeta pode apenas entregar-se à tarefa de "fazer o que ela fez".

Unica Zürn nasceu em Berlim, em 1916. Conheceu o (espetacular) Hans Bellmer em 1953, com quem passaria a viver e colaborar, mudando-se para Paris.



A poeta sofreu por anos com ataques implacáveis de depressão.
Passa a visitar um médico ligado aos surrealistas parisienses, o mesmo que cuidara de Antonin Artaud. A poeta é diagnosticada como "esquizofrênica" e passa a ser hospitalizada com freqüência.


(desenho de Unica Zürn)

Unica Zürn encerrou a própria vida em 1970, pulando da janela do apartamento que dividia com Hans Bellmer em Paris, como Ana Cristina César e Ana Mendieta fariam na década seguinte.


(Unica Zürn 1916 - 1970)

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quinta-feira, 16 de outubro de 2008

4´33" of Eugen´s presence (2006)

Assista em volume alto. Este vídeo pertence à minha série "The Forced Disappearance of Vast Portions of the World through the Selection of Desire"


(Ricardo Domeneck, "4:33 of Eugen´s presence", DV-PAL, 4min 33sec, 2006)

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Das heranças das decepções

Seja para sair pela porta da frente ou receber pelo correio o convite para retirar-me, carrego as próprias pernas com os dentes, cão com o rabo entre as costelas, e faço ligação a cobrar para o serviço de atendimento ao perdedor que derrota o derrocado. Minhas mandíbulas desacostumaram-se das mordidas, culpa dos meses em que ladrei apenas com legendas. Existir foi um interurbano dublado. Meu filho, cessar fogo não é anistia universal. Promessa é dúvida? Exijo metade dos pratos, metade da água e da penicilina, metade da cicatriz e do triz por que não me salvei, metade das canções expulsas da república de plantão: a primeira inundação passou e declarei estado de calamidade pública, no deserto pós-coito da segunda instituí estado de sítio, de agora em diante decreto entre os dentes: Medéia pouca é bobagem. Só quem carregou navalhas entre os dedos dos pés, para pisar leve e não despedaçar o peito de plexiglass alheio sob os cascos, sabe o que é um hipopótamo triste. Na vitrola, a morta cantarola "Meu mundo caiu" e digo com toda a honestidade da queda e do mundo: Tomara que caia, Maysa. Sempre confundi massa e peso, vocês sabiam que sou dessas colheres que só dizem sim. Rotação e translação já me cansaram como desculpas para as elipses dos outros, mas perdôo tudo se for bom o vinho tinto. Do primeiro herdei umas canções dos Cocteau Twins, do segundo nada além da escabiose da insônia e o terceiro está me devendo os olhos hipotecados da cara. Minhas exigências eram simples, bastava aceitar a osmose, as estações. Hibernarei mais uma vez até que vossos miocárdios de plástico se biodegradem e fertilizem o rádio-relógio que me despertará. Retornarei, serei uma Medéia-Maysa de marshmellow gigante, e ghostbuster nenhum há-de salvar-vos, desertores dos meus cafunés em guerrilha.

Hoje em SP

Meu "Pequeno estudo sobre os ciúmes" está circulando hoje pelas ruas de São Paulo, nos ônibus, na linha verde do metrô e, segundo o amigo Marcelo Sahea, também nas livrarias Cultura, Nobel e Siciliano. A curadoria foi de Ricardo Silveira. Abaixo, a programação:

Dia 11/10: Chacal
Dia 12/10: Rodrigo Garcia Lopes
Dia 13/10: Ricardo Domeneck
Dia 14/10: Marcelo Montenegro
Dia 15/10: Ricardo Silveira
Dia 16/10: Angélica Freitas
Dia 17/10: Bruna Beber
Dia 18/10: Marcelo Sahea
Dia 19/10: Ana Rüsche
Dia 20/10: Leo Gonçalves

sábado, 11 de outubro de 2008

Alemanha no outono

Acordar cedo, sábado de manhã, enquanto o moço ainda dorme, sentar na sala com uma xícara de café, pensar em poéticas, em políticas, na figura de Ulrike Meinhof, no silêncio ativista de George Oppen. Pensar nos alemães que não aceitaram o naufrágio das utopias como desculpa para estéticas-cosméticas de neo-neo, mantendo-se como alarmes da distopia. Pensar em Joseph Beuys, em Rainer Werner Fassbinder, em Alexander Kluge. Fazer outro café, ver o filme coletivo Deutschland im Herbst (1978), com os diretores Fassbinder, Kluge, Volker Schlöndorff, o poeta-trovador Wolf Biermann, entre outros, tratando do chamado "Outono alemão" de 1977, quando a violência entre o grupo de guerrilha urbana da Facção do Exército Vermelho e o governo alemão chega a seu ápice, o seqüestro do avião da Lufthansa, o misterioso suicídio dos líderes da Facção na prisão.

À noite, no cinema, o último filme dos irmãos Jean-Pierre & Luc Dardenne, Le Silence de Lorna. Bolsas em colapso. Qual palavra, qual ação, George Oppen? Ceder ao discurso pós-utópico e fazer bibelôs poéticos? Produzir "belezuras" para a elite? Ou seguir com o trabalho de resistência à distopia, a outra face da vanguarda?

Querido áporo, contemplamos os insetos enquanto a década instaura-se como reino da aporia. Tristeza do discurso que segue a lógica-em-vácuo da crença de que a ineficácia das soluções até agora apresentadas constitui em si a solução final do problema, ou o carimba como inexistente.

A única resposta aos que abusam das falhas do passado para nublarem com cosmética a est-É-tica é seguir repetindo o nome das vozes dissonantes, a vanguarda como resistência à distopia: Vladimir Maiakóvski, Tristan Tzara, Kurt Schwitters, Lygia Clark, John Cage, Susan Howe, Oswald de Andrade, Joseph Beuys, Paulo Leminski, Louise Bourgeois, Glauber Rocha, Henri Chopin, Jean-Luc Godard, Jean-Marie Straub, Danielle Huillet, Denise Stoklos, etc, etc, etc, até que o último tombe.

Abaixo, Fassbinder discute arte e política (EST-É-TICA) em relação a outro trabalho seu, o épico Berlin Alexanderplatz.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Pequeno estudo sobre os ciúmes

Este é o meu poema que estará circulando pelas TVs de alguns ônibus em São Paulo, como parte do projeto "Poema Passageiro", com curadoria de Ricardo Silveira, da Mostra SESC de Artes 08.


("Pequeno estudo sobre os ciúmes", Ricardo Domeneck, 2007)

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Mostra SESC de Artes 08

Começa hoje à noite, em São Paulo,
e vai até o dia 18 de outubro
a Mostra SESC de Artes 08, com uma
bela programação voltada para a poesia.

A lista de poetas é invejável, contando
com ótimos autores da poesia contemporânea
brasileira, como Ricardo Aleixo, Arnaldo Antunes,
Angélica Freitas, Chacal, Fabiano Calixto,
Leo Gonçalves, Marcelo Montenegro, Marcelo Sahea,
Fabrício Corsaletti, Verônica Stigger, Ana Rüsche,
entre vários outros.

Participo do projeto "Poema Passageiro", que levará
poemas em vídeo para as TVs dos ônibus da cidade de
São Paulo. Com curadoria do poeta Ricardo Silveira,
que tem um trabalho muito legal na pesquisa de novos
suportes para o trabalho poético, estou em ótima
companhia: além do próprio Ricardo Silveira,
há ainda o excelente poeta Marcelo Sahea, outro
pesquisador incansável para a nova poesia
verbivocovisual contemporânea.

MOSTRA SESC DE ARTES 08
de 08 a 18 de outubro
em várias unidades do SESC
e nos ônibus da Grande SP.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Teu ex-máquina

dom casmurro c´est moi
por tentar diálogo
com o fantasma dos natais
passados
nem "pré" nem "proto"
és o "ismo" no Manifesto
do Allegro Ma Non Troppo
extemporâneo externo
excisão de apêndice
de prefácio em peça
de um ato conheço
a trama
das minhas unhas
que sempre crescem
em direção
à exit do ex oxigênio
exógeno
criatura hábil no ex-
pectorar-me
admiro a graça
elefantíaca
com que ejectas
os obstáculos e
disjecta
membra

sem transplante
volto o rosto
e vejo num instante
não Eurídice
evaporar-se mas Hades
explodir em riso
dont mind
me
eu me
infecciono
à toa e só
hoje
entendo sincronia
histórica: diá-
logo com monólogo
de ex à distância
de telefone quando
qualquer dia
é pós-tudo.


Berlim, 07 de outubro de 2008.

How to eject an ex? Burn Troy or try the Medea method



domingo, 5 de outubro de 2008

Que a língua me acalme ou golfinhos me mordam

Dizem: questão de atitude. Com um jogo de linguagem talvez reposicionar os fatos numa sentença mais generosa com os meus limites. Sussurrar "One art" pelo dia todo e acalmar-me, loteria das perdas, descoberta do usucapião das minhas falhas. Vamos, Cage ensinou: we possess nothing. Cantarola com Nina Simone, vamos, your heart is not in your pocket, há outrens alhures, vá lamber as feridas em outro canto, cachorro, este tapete é meu. Ignore os últimos versos de Stevens para "Sunday morning" e comece do início, Ricardo, onde a dor acaba, com a voz rouca, vamos: "Birds flying high..."

sábado, 4 de outubro de 2008

Delícia de programa, hoje à noite em Berlim:

The Tiger Lillies @ Bar Jeder Vernunft - TONIGHT
excursão com o sol até a velha West-Berlin,
para ver os três londrinos, yes!:

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Deutschland!

Feriado nacional na Alemanha. Dia da reunificação. Vento gelado, de cortar cada um dos pêlos que guarnece a orla das pálpebras. País unido na superfície fria da terra alemã, onde ninguém cava muito fundo por medo daquilo que pode encontrar, e se o faz, o faz com luvas, fobia alemã das mãos sujas. Com o amigo Jonas Lieder, café-da-manhã em nosso boteco berlinense de escolha, na velha Berlim Oriental em que vivemos. Bonde até a Friedrichstrasse, visita ao Berliner Ensemble para ver a programação, passagem melancólica pela estátua de Brecht. Caminhada ao longo do rio Spree até o Parlamento e o Portão de Brandemburgo, onde uma bandinha alemã qualquer canta em inglês, patrocinada pela Coca-Cola.

Os passantes empanturram-se de cerveja e salsichas. Berlim, Berlim, ângulo privilegiado para a contemplação do campo de batalha ideológico contemporâneo, cidade pós-cratera.

Jonas Lieder e eu decidimos então ir ao cinema, para ver o filme de Uli Edel sobre a Facção do Exército Vermelho, baseado no livro de Stefan Aust, sim, em pleno dia da reunificação contemplar imagens da divisão alemã, num filme em que o melhor, provavelmente, é a interpretação brilhante da atriz Martina Gedeck para a personagem da jornalista e escritora Ulrike Meinhof, que em 1970 participa da fundação do grupo de guerrilha urbana.

Hoje, querida Berlim, quero ouvir as vozes alemãs, mas aquelas que Denise Stoklos no contexto brasileiro chamou um dia de vozes dissonantes, em meio à hipocrisia ao sul do Equador, tristeza de São Paulo, tristeza de Berlim, é como um banho frio amar duas cidades tristes.


(Joseph Beuys)


(Heiner Müller)


(Hannah Höch)


(vídeo para a canção "Geld/Money" do grupo Malaria!)


Die Tödliche Doris - Naturkatastrophenballet (1984)


(Atari Teenage Riot)

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Verbivocovisual & Multimedieval: David Bowie


(Performance verbivocovisual de David Bowie para seu poema "Life On Mars?")

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David Bowie nasceu em Brixton/Londres, em 1947, como David Robert Jones. Seu primeiro álbum foi lançado em 1967, mas foi com Space Oddity (1969) que David Bowie chamou a atenção do público e crítica, tornando-se um dos mais inventivos poetas verbivocovisuais ativos na década de 70. Neste mesmo ano, une-se a Mary Finnigan e Christina Ostrom para iniciar sua série de eventos e intervenções semanais em um clube de Londres, que em pouco tempo se tornaria o "Beckenham Arts Lab", fazendo de David Bowie, desde o princípio, herdeiro das estratégias dos poetas-performers ligados ao Cabaret Voltaire e à revista DADA.


(Performance verbivocovisual de David Bowie para seu poema "Space Oddity")

É importante declarar que o uso que faço do conceito de "verbivocovisual" neste contexto é consciente e deliberado. Não como foi teorizado ou praticado por Joyce ou o grupo Noigandres, em que que o "voco" era uma espécie de função dormente à espera de ser ativada pelo leitor, mesmo assim de olhos silenciosos na página; ou o "visual" também como emanação do verbal escrito - aspectos que vejo, de certa forma, todos incluídos no próprio verbo; o uso que faço do conceito de verbivocovisual para alguém como David Bowie implica o verbal como o trabalho com a linguagem, o vocal verdadeiro da garganta humana e o visual como performance e gestual, seja ao vivo ou em vídeo. Trata-se de uma tentativa de repensar este conceito, fora de um contexto estritamente literário. Aos que estiverem interessados nos termos em que este debate tem sido conduzido, seria interessante ler minhas postagens sobre Arnaut Daniel e Björk na franquia eletrônica da Modo de Usat & Co.

Em 1970, lança o segundo álbum, The Man Who Sold The World, seguido de Hunky Dory em 1971, no qual Bowie faz um tributo a algumas de suas influências, como na canção "Queen Bitch", dedicada ao poeta verbivocovisual Lou Reed e à sua banda The Velvet Underground, assim como "A song for Bob Dylan", homenagem direta ao poeta-trovador estadunidense, e ainda a canção "Andy Warhol".

O trabalho poético verbivocovisual de David Bowie atingiria um de seus momentos de maior criatividade, em escrita, música e performance em 1972, com o álbum conceitual The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars. Seu sofisticado trabalho com a linguagem e com a música em performance continuaria no ano seguinte com Aladdin Sane.


(Performance verbivocovisual de David Bowie para seu poema "Ashes to ashes")


Em 1974, David Bowie muda-se para Berlim, lançando nos próximos anos vários importantes álbums de poemas sonoros, como Diamond Dogs (1974), Young Americans (1975), Station to Station (1976) e Low (1977), além de outros nas décadas que se seguiram.

David Bowie é herdeiro da tradição que teve em Arnaut Daniel (1150 - 1210), Bertran de Born (1140 – 1215), Raimbaut d`Aurenga (1147 – 1173) e outros poetas occitanos seu momento de hegemonia e ápice artístico no trabalho do poeta como escritor, vocalizador e performer. Com o naufrágio desta cultura occitana durante a Grande Peste do século XIV e as transformações políticas da Europa, a partir do Renascimento há um gradual deslocamento de atenção e prestígio (ou seja, hegemonia crítica), levando o poeta a privilegiar o trabalho poético como escrita acima de tudo, ainda que a tradição da poesia oral e cantada tenha seguido saudável. O ápice desta hegemonia ocorre em 1897, com o Coup de dés mallarmeano, momento em que claramente o poeta se torna consciente da página como campo de composição poética mais do que mero registro do oral, gerando a tradição a que pertencem poetas visuais, concretos e conceituais do século XX e XXI. No entanto, esta mesma hegemonia receberia seu primeiro golpe mortal pouco menos de 20 anos após a criação de Mallarmé, com os poetas-performers do Cabaret Voltaire, que religam a poesia a sua tradição pluralista medieval. Hoje, convivem a duas tradições de forma criativa, ainda que o diálogo crítico entre elas ainda seja parco, sendo feito em geral pelos próprios praticantes, poetas que buscam unir as duas tradições, como por exemplo John Cage e Jackson Mac Low, levando-nos ao processo em que começa a surgir cada vez mais o novo poeta verbivocovisual, que realmente busca um equilíbrio entre estes três elementos, como o próprio Augusto de Campos pôde fazer a partir da década de 90, ou poetas como o "textualista" Bernard Heidsieck, o poeta-vocalizador Jerome Rothenberg, o poeta corporal Henri Chopin ou o poeta multimedieval David Bowie.



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