segunda-feira, 30 de março de 2009

Se as águas estapeassem Narciso

Não se trata de querer impor a própria visão sobre o mundo, mas da consciência de não poder escapar dela: o mundo pelos próprios olhos.

Lembro-me de ler, aos 20 anos, o livro Do Sentimento Trágico da Vida, de Miguel de Unamuno, que me causava redemoinhos na cachimónia mística, em que ele escreve que não são nossas idéias que nos tornam pessimistas ou otimistas, mas nosso otimismo ou pessimismo vem a definir que idéias teremos ou aceitaremos. Ignorando por ora o dualismo típico dos primeiros modernistas, esta afirmação ficou em algum canto do crânio. Nossa disposição estabelecendo a posição e ângulo de nosso monóculo? Mas Unamuno também escreveu: "Consciência, conscientia, é conhecimento partilhado, é consentimento, e con-sentir é con-padecer."

Como se os milhões de umbigos garantissem a descentralização do universo? Houve um tempo em que acreditava que os heterônimos de Fernando Pessoa eram sua estratégia para um realismo descentralizado. Talvez. É um ângulo, uma perspectiva. No entanto, mesmo o plural Murilo Mendes observou o caos por uma única janela. Proposição de forma convincente, em minha opinião, por Wittgenstein, ao escrever no Tractatus Logico-Philosophicus que “o eu entra na filosofia pela via de que o ‘mundo é meu mundo’.”

Enquanto muitos poetas buscam a tal da objetividade, seus sujeitos lavram atas de possessão do mundo, cartografando o universo por seus monóculos.

"& a cidade não é o
mapa mas o mapa
está correto
pois entre os sujeitos
que o
parto consagra estão
apenas os sujeitos com
corpo"


(a cadela sem Logos, 2007)

O inevitável. O inescapável. Colonialismo perceptivo dos alephianos. Portanto, expor o imposto.

"o mono-
lítico, falo: eu

sujeito a objeções"


(Sons: Arranjo: Garganta, no prelo)

Como um minimalismo que propusesse ao poeta a precariedade da sua visão, a unilateral. Aceitação da pele como parte da equação.

Fácil despencar em solipsismo, sim. Mas é a alegria difícil. “Aquele que conhece todo o resto sem ser ele mesmo conhecido é o sujeito", disse o volitivo Schopenhauer, mas nem mesmo TODO o resto conhece este sujeito limitadíssimo.

Não é narcisismo, pois não se trata de contemplarmos, em apologia, Narciso sobre as águas. Nesta fábula, as águas são a personagem principal. As águas, o limite, “o eu filosófico não é o homem, não é o corpo humano, ou a alma humana, de que trata a psicologia, mas o sujeito metafísico, o limite – não uma parte do mundo.

Mundo como questão de temperamento?

Foi Lyotard que propôs o fim de nossa crença nas grandes narrativas, que unificavam a percepção discursiva de uma época, como característica de nosso tempo. Mas, os mais inteligentes perguntaram, isso não é também uma "grande narrativa"?

A falácia do Zeitgeist. Quando ouço esta palavra, sinto vontade de perguntar: "Sob que jurisdição?"

Mas os saudosos e nostálgicos da época em que a Terra
era o centro do Universo gritam: "relativismo! relativismo!"

Ah, e tudo isso apenas para dizer que a primavera está chegando em Berlim!

O berlimbo invernoso começa a se transformar, depois de 743 dias de neve, gelo e cinzânsias, os cafés põem novamente nas calçadas as mesas, alguns até ousam expor ao mundo o pescoço, a garganta. A ousadia, coragem de expor ao mundo a garganta.

Definição de poesia para os próximos 23 minutos: "Chacoalhar as águas para aborrecer Narciso."

O modernismo, afinal de contas, não passou de um conflito meteorológico.

Que perdas e ganhos pessoais levam T.S. Eliot a escrever The Waste Land no mesmo momento em que William Carlos Williams escrevia Spring and All? Note, note a diferença dos títulos. Eles viviam na mesma modernidade? Zeitgeist?

"APRIL is the cruellest month, breeding
Lilacs out of the dead land, mixing
Memory and desire, stirring
Dull roots with spring rain.
Winter kept us warm, covering
Earth in forgetful snow, feeding
A little life with dried tubers.
Summer surprised us..."


(T.S. Eliot, The Waste Land, 1922)

§

A última réstia de júbilo e primavera em Eliot é uma rima em gerúndios. Eu o perdôo tudo, por causa destes gerúndios,
que mostram que ele ainda respirava o mesmo oxigênio que Stein e Williams. O verão jamais nos poderia surpreender.

§

Lifeless in appearance, sluggish
dazed spring approaches—

They enter the new world naked,
cold, uncertain of all
save that they enter. All about them
the cold, familiar wind—

Now the grass, tomorrow
the stiff curl of wildcarrot leaf

One by one objects are defined—
It quickens: clarity, outline of leaf

But now the stark dignity of
entrance—Still, the profound change
has come upon them: rooted they
grip down and begin to awaken


(William Carlos Williams, Spring and All, 1923)


§

Café nas calçadas. Moços com pescoços. Rapazes com calcanhares.
"Ricardo, o copo está cheio pela metade ou vazio pela metade?"

Cheio. Cheio. Na expectativa do transbordar.
Ainda que pela metade. Água na cintura.
Eu suporto, se vier, uma nova decepção.
Traduzir errado é uma alegria, primavera é um talvez manual.
"Como a água modela o copo."

§

"There is coagulation in cold and there is none in prudence. Something is preserved and the evening is long and the colder spring has sudden shadows in a sun. All the stain is tender and lilacs really lilacs are disturbed. Why is the perfect reestablishment practiced and prized, why is it composed. The result the pure result is juice and size and baking and exhibition and nonchalance and sacrifice and volume and a section in division and the surrounding recognition and horticulture and no murmur. This is a result. There is no superposition and circumstance, there is hardness and a reason and the rest and remainder. There is no delight and no mathematics."

(Gertrude Stein, Tender Buttons, 1914)

§

A terra sobre a qual ajoelha-se Narciso e que este ignora enquanto contempla-se na água.

§

Ah, sim, não se esqueçam que, invariavelmente,

"O céu cai das pombas"

mas podemos, como escreveu Marília Garcia, "ficar no quarto medindo o / nível do mar para descobrir / onde pôr os peixes."

domingo, 29 de março de 2009

"Born in flames" (1983), de Lizzie Borden


Born in flames é um daqueles filmes que nos surpreendem quando imaginamos que saíram dos Estados Unidos. O mais cultuado da diretora Lizzie Borden, o filme se passa em uma América que comemora os 10 anos de uma fictícia revolução socialista, que passa a ser questionada por grupos organizados de mulheres, em especial o Women´s Liberation Army, que inicia uma série de ataques quando uma de suas líderes, Adelaide Norris, é assassinada por agentes do governo e da polícia. É um docudrama dos melhores que já vi, lembrando-me muito do filme Punishment Park, de Peter Watkins. No entanto, enquanto Watkins cria uma América distópica e sob ditadura, Borden imagina a sobrevivência da distopia em meio a um país que acredita ter atingido uma democracia social utópica.

sábado, 28 de março de 2009

Volte sempre, Ms. Dreijer


Não sei bem ao certo se o projeto dos irmãos suecos Karin Dreijer e Olof Dreijer, conhecidos como o duo de electronica The Knife, causou movimento a tantos pés e quadris no Brasil como aqui na Alemanha, com seus vocais distorcidos e sua paixão quase retrô pela música eletrônica da década de 90, mas quando soube que eles haviam deixado de trabalhar juntos e pretendiam seguir aquela tal de carreira solo, fiquei na ponta dos pés em expectativa. Gostava muito dos dois juntos. Olof Dreijer vive em Berlim, aparece na Berlin hilton de vez em quando e é um rapaz muito simpático, além de muito bonito. Ele segue trabalhando em seu primeiro projeto solo, segundo alguns rumores, com Planningtorock e Matt Sims.

Karin Dreijer é o lado mais esquisito e misterioso do duo, nunca saiu da Suécia, vive com a família escondida em uma cidadezinha. De qualquer forma, o projeto solo de Karin Dreijer surgiu primeiro, e aqui está.

A moça agora se apresenta como Fever Ray. Os vocais esquisitos (bem ao meu gosto cocteautwínico & mybloodyvalentinoso) permanecem, as paisagens sonoras também. Os dois primeiros vídeos são muito bons.


KARIN DREIJER aka FEVER RAY



("When I grow up", 2009)

§


("If I had a heart", 2009)

quinta-feira, 26 de março de 2009

Programa da noite com o moço: Soap & Skin


A menina vienense Anja Plaschg, conhecida como Soap & Skin, apresenta-se hoje no Berlimbo. O moço e eu compramos ingressos há semanas. Esta criatura de parcos 18 anos não sai de nossos ouvidos estes dias. Hoje à noite, ela visita também nossos olhos, nossas narinas.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Uli Buder, ou Akia, na Berlin Hilton & Hilda Magazine

Uli Buder, mais conhecido como Akia


Há muitos prazeres envolvidos na organização de um evento semanal como a nossa Berlin Hilton. Seria fácil dizer que o maior deles é a oportunidade de conhecer artistas importantes, a quem admiramos há tempos. Este é realmente um prazer imenso. Quando comecei a discotecar em São Paulo, pelos idos do ano 2000, lembro-me de como gostava de tocar faixas do álbum de estréia do coletivo gender-guerrilheiro Le Tigre. Poder conhecer e hospedar J.D. Samson e Johanna Fateman, anos mais tarde, foi um grande prazer. Poder oferecer nosso palco para alguém como Janine Rostron, a Planningtorock, foi uma das minhas honras como curador/organizador/DJ residente da Berlin Hilton, assim como ter, como convidados, artistas como Kevin Blechdom, Tetine, Mount Sims, Stereo Total, Jackson and his computer band, Apparat, etc, etc.

Mas confesso que às vezes me dá mais prazer poder descobrir e conhecer jovens que estão começando sua produção artística, e ter aquela sensação de estar proporcionando espaço a quem está iniciando um belo trabalho. Foi assim com a belga Barbara Panther, com os islandeses do Hellvar (que mais tarde musicaram um dos meus textos) e é o caso hoje à noite, quando temos como convidado o jovem produtor musical alemão Uli Buder, que se apresenta como Akia.

Ele se apresenta hoje à noite na Berlin Hilton, e duas de suas peças sonoras estão na Hilda Magazine, que edito com o britânico Oliver Roberts.

Você pode visitar a página dedicada a ele na revista Hilda e ouvir mais peças sonoras de Uli Buder, ou Akia, em sua página.




"Funke im Glass"- Akia.

.
.
.

terça-feira, 24 de março de 2009

Dois livros de Laura Erber



Conheci a poeta Laura Erber (Rio de Janeiro, 1979) em Buenos Aires, em 2006, quando lemos no Festival de Poesia Latino-Americana da capital argentina. Os outros brasileiros convidados eram Angélica Freitas e Chacal. O poeta Ademir Assunção, de passagem pela cidade, também leu no festival. Algum tempo depois, o poeta alemão Timo Berger presenteou-me com a edição alemã do livro Os corpos e os dias (Stuttgart: Merz-Solitude, 2006), de Erber, publicado aqui com a tradução de Berger, resultado da passagem da poeta pelo Schloss Solitude, um castelo próximo de Stuttgart que hoje abriga uma fundação de estímulo à produção artística, que acolhe poetas, videastas, pintores, performers, que passam uma temporada no local, produzindo um de seus trabalhos.

Voltei a ter um contato indireto com Erber em 2008, lendo o número 20 da revista Inimigo Rumor, na qual deparei-me com seu ensaio sobre o poeta Ghérasim Luca, sobre o qual a poeta havia criado um trabalho em vídeo e a quem havia traduzido para o português. Tal descoberta de um poeta como Luca exigia gratidão e restabelecemos contato, preparando juntos uma postagem sobre Ghérasim Luca para a franquia eletrônica da Modo de Usar & Co.

No ano passado, foi lançada no Brasil uma edição do volume Os corpos e os dias (São Paulo: Editora de Cultura, 2008), mais uma vez bilíngue, desta vez em tradução para o inglês. O livro trazia imagens do trabalho em vídeo que a poeta produziu para o poema-em-série.

O trabalho de Laura Erber transita entre a poesia escrita e o trabalho visual, especialmente em vídeo. Vista como poeta por uns, como artista visual por outros, aprecio e me identifico com sua busca por uma existência est-É-tica na fronteira entre práticas artísticas muitas vezes vistas como inconciliáveis. Seu trabalho insere-se na tradição lírica do Rio de Janeiro, que tem em Vinícius de Moraes e Cecília Meireles dois de seus representantes modernistas, mas espraia-se por poetas como Ronaldo Brito (o autor do maravilhoso Asmas, de 1982, livro ao qual poderíamos associar este Os corpos e os dias, de Erber), ou, nos últimos anos, poetas como Claudia Roquette-Pinto, Izabela Leal e a carioca por adoção Lu Menezes, assim como a lírica analítica de Marília Garcia e Juliana Krapp.

Os corpos e os dias pode ser lido como um poema longo em um fôlego que se divide em pequenos atos e atas de inalação e exalação. A poesia brasileira dos últimos anos entregou-se com freqüência à produção do mínimo e fragmentário, mas é uma das tarefas poéticas mais difíceis: a de poder atingir o mínimo sem entregar ao leitor o meramente desconjuntado. Ao adotar a estratégia do poema longo que se divide em silêncios, Erber consegue produzir muitos poemas que funcionam em sua existência individual e, ao mesmo tempo, tornam-se partes de um todo, numa poética metonímica, em sua estrutura como em sua linguagem. Dialogando entre si, como queria Jack Spicer para as páginas de um livro de poemas, sentimos completude funcional em uma página quase em branco, carregando apenas os versos: "o princípio de incerteza foi também um dia o / nosso princípio", para unir-se a outros versos e acumular e crescer em sentido (em sentido, ou em uma construção que substitua nossa inerente falta de sentidos?) na página seguinte:


"o que podemos pedir senão mais sede?
e terminar assim devotos mudos abertos"



Trata-se de uma est-É-tica que procura aceitar, sem apenas resignar-se ou lamentar em óbitos alguma "waste land", nosso reino de insuficiências.


"Gulliver gostaria de repouso aqui
atado em brotos de cogumelo
de lado para olhar o fruto aberto

um castelo de cartas também pode
durar no tempo
depois de cair"



É interessante que Laura Erber, sobre seu trabalho em vídeo dedicado a Ghérasim Luca, escreve que sua atenção estava voltada para o "caráter ao mesmo tempo público, paradoxal e teatral do suicídio no Sena", como assinala o poeta cearense Eduardo Jorge em seu ensaio "O eixo e a roda", dedicado a este vídeo de Erber. Eduardo Jorge lê, no ensaio, o próprio trabalho de Luca e de Erber a partir desta dramaticidade do público, paradoxal e teatral. Dos artifícios da boca natural em pleno ato de projetar-se ao exterior, em rajadas minúsculas.

Creio ser importante notar, porém, que esta aceitação do mínimo não me parece comparecer neste livro para satisfazer a já empoeirada ambição poética brasileira pelos parâmetros de qualidade conhecidos como "objetividade", "precisão" ou "concretude", geralmente casados no desejo de concisão. Como na seção do importante livro de Ghérasim Luca, Héros-Limite (1953), Laura Erber entrega-se neste trabalho a "le principe de incertitude". Não se trata de mera retórica crítica. Tal escolha gera implicações específicas na linguagem de Erber. Enquanto outros poetas entregam-se ao trabalho de descrição poética minimalista, na busca de um conciso que é raramente também denso e teso, de paisagens urbanas ou pequenos objetos, criando delicadas iluminuras (no melhor dos casos), mas frequentemente caindo no mero desarticulado e uso ingênuo da linguagem como simples exercício de representação (décadas depois de Wittgenstein e Peirce), em Laura Erber esta indeterminação faz da própria linguagem o campo de dúvidas e incertezas, não apenas do nosso velho "mundo exterior", mas daquilo que une nossos corpos em meio a outros objetos e faz de nosso eu "um limite do mundo": a linguagem. Não há descrições, apenas abordagens parciais, aproximações prováveis.


"o cartaz anunciava um filme de diálogos ágeis
mas falho nas cenas de ação"


O segundo livro de Laura Erber publicado no ano passado foi o (até então inédito) Vazados & Molambos (Florianópolis: Editora da casa, 2008). Nele, a voz de Erber se expande e estende, os poemas individuais seguem dialogando entre si, mas o fazem ainda por pequenas hesitaçoes internas, destinados a crescerem por metástase em uma linguagem na qual sabem não poderem confiar por completo. E, no entanto, nada mais possuem, a não ser esta linguagem compartilhável com o inalcançável outro.

Poema com fundo de Suzuki Harunobu
Laura Erber

quando as ondas brancas ficam mais altas em Tatsutayama
ninguém mais sabe se vai conseguir fazer a travessia de
noite
se o mundo dos prazeres é o mundo das coisas flutuantes
se a gaivota de risco fino terá lugar fora da paisagem
estilizada
ninguém sabe
se os amantes
tramam suicídio em Amijima
ou uma viagem pra Cuba
se quando pronuncio certos nomes
as ondas ficam mais altas
em Tatsutayama
ou aqui


§


(Laura Erber, "O livro das silhuetas", 2004)



Laura Erber nasceu em 1979, no Rio de Janeiro. Sua prática artística vem se caracterizando pelo constante trânsito entre linguagens e pelo modo como articula relações e descontinuidades entre palavra, imagem e corpo. Suas obras foram exibidas em diversos festivais internacionais de cinema e vídeo, além de centros de arte no Brasil e na Europa (Le Plateau, Jeu de Paume, Casa Européia da Fotografia, Museu de Arte Contemporânea de Moscou, Museu de Arte Moderna de Paris, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Oi Futuro, CCBB, IASPIS, Grand Palais). Foi artista residente no Centro de Arte Conteporânea Le Fresnoy (França), Akademie Schloss Solitude (Alemanha), Le Recollets (França), Batiscafo (Cuba). Realizou exposições individuais na Fundação Miró (Barcelona, 2006), no Centro Internacional de Arte da Ilha de Vassivière (França, 2005) e na Galeria Novembro Arte Contemporânea (Rio de Janeiro, 2006 e 2008). Publicou os livros Insones (2002), Os corpos e os dias (2008) e Vazados & Molambos (2008). Com o escritor italiano Federico Nicolao e a artista coreana Koo Jeong-A realizou o livro Celia Misteriosa (Villa Medici e edições Io, 2007); com o artista Laércio Redondo realizou o projeto A casa de vidro (2008). Colabora atualmente com a performer Marcela Levi.

.
.
.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Da beleza assustadora das imagens quase proibidas

Há algumas semanas, escrevi sobre a canção "John Wayne Gacy Jr.", de Sufjan Stevens, e sobre a beleza assustadora de um poema lírico que se arrisca a encarar o horror com olhos abertos, bisbilhotando no miocárdio das trevas.

Alguns nos alertaram sobre os perigos de abrir os olhos na presença do horror. Kurtz de Conrad, Kurtz de Coppola. Uma coisa é, no entanto, buscar o horror no meio da selva escura do Outro; outra coisa é enfrentar o horror no coração daquilo que chamamos de civilização. Como o furor de Clarice Lispector em A Maçã no Escuro (1951) ou A Paixão segundo GH (1964), estes dois livros altamente metafísicos e (lá vem uma de minhas blasfêmias) políticos. Em denúncia da mentira civilizatória, a ela só Machado de Assis se equipara entre escribas brasilianos.

Penso nos poetas que enfrentaram as implicações do horror nazista, como Paul Celan, Edmond Jabès, Nelly Sachs, Raymond Federman, Tadeusz Różewicz. Os romancistas que seguiram expondo a sobrevivência do horror em meio à hipocrisia do pós-guerra, como Thomas Bernhard ou Primo Levi.

Não vou me referir desta vez, porém, a esta lírica poderosa do pós-guerra. Nem é o lugar para retornar à famosa frase de Adorno, a mal-entendida, ainda que queira tratar disso em breve.

Queria falar, na verdade, de um texto que tenho ouvido nas últimas semanas, levando-me a pensar sobre algumas questões poéticas. Trata-se de um poema lírico de Antony Hegarty (o poeta associado ao coletivo Antony and The Johnsons) que me parece assustador ao conseguir usar imagens do horror para criar um texto oral de grande potência.

Quem teria coragem de escrever um poema-canção com este título?:

"Hitler in my heart"

Antony Hegarty vai mais longe: usando uma linguagem que poderíamos filiar aos expressionistas germânicos, emprega algumas imagens muito conhecidas, como as flores que crescem dos cadáveres, expandindo-as em horror para os "maxilares de estupradores", entre os quais o poeta descende em busca de "kindness". Com uma aliteração principal que parte dos vocábulos "jaws" e "Jews", que caem, caem, ele então dá-nos esta imagem poderosa de tradução do Holocausto: "the Well of Blood in Vain": o poço do sangue em vão, questionando o uso do termo sacrificial para o extermínio dos judeus da Europa. Não é à toa que os próprios judeus usam o termo Shoah: catástrofe. Quem caminha pelas ruas alemãs sente a presença desta catástrofe por uma sensação de ausência, pelo vazio que se sente em cada cidade deste país.

Estas parcas imagens, na garganta de um poeta-cantor brilhante como Antony Hegarty, transformam-se numa canção de amor muito bela, mas perturbadora em suas implicações.

Como conciliar o horror... o HORROR... o HOR---ROR e ... a... be... le... za?



Hitler in my heart
Antony Hegarty

As I search for a piece of kindness
And I find Hitler in my heart
And he is whispering
"As sure as love will spring
From the Well of Blood in Vain, oh Jew!
The Well of Blood in Vain!"
La la la la la la

And I fell into a deeper precipice
With mouths of rapists
Jaws dropped down
Jaws dropped

Don't punish me
For wanting your love inside of me

And I find Hitler in my heart
From the corpses flowers grow


§

Reconhecer em nós o horror.

To Hyde the Jekyll na superfície do espelho. Quis dizer, na verdade, to hide the jackal na sombra facial do espelho.

Como Sufjan Stevens escreve na canção "John Wayne Gacy Jr." que "in my best behavior / I am really just like him / Look beneath the floorboards / For the secrets I have hid", o HoRRoR do palhaço assassino a virar a esquina da alma, Antony Hegarty buscando alguma kindness e encontrando, em seu peito, Hitler. Nós, entre os civilizados.

Ouvi dizer que Clarice Lispector dissera a um jovem, certa vez, que ele jamais seria um escritor, porque ele tinha... medo. Só quando passei a ler todo o trabalho de Lispector, como aquela coisa absurda de ambiciosa que é A Maçã no Escuro, é que percebi o que ela queria dizer; assim como o Qadós (1973), de Hilda Hilst; ou The Journal of Albion Moonlight (1941), de Kenneth Patchen; ou Watt (1945/1953) e Molloy (1951), de Samuel Beckett. Poemas como "Janela do caos", de Murilo Mendes; os "Pisan Cantos", de Pound; "Todesfugue" e "Engführung", de Celan. Esta coragem de olhar nos olhos do hoRrOr. Reconhecer-se nele. Mas, querido, segue o aviso: não é trabalho para qualquer segunda-feira. Nem adianta fingir que você voltou de Auschwitz, se voltou de Búzios. Paga-se por esta mirada. São mais de 300 páginas de trevas para poder escrever:

"Porque eu, meu filho, eu só tenho fome. E esse jeito instável de pegar uma maçã no escuro — sem que ela caia."

quinta-feira, 19 de março de 2009

A voz contra a mão e esta contra a voz?

por Ricardo Domeneck

Como combater o hábito ocidental, já tão enraizado, de compartimentar o plural até que este se torne dual, cavar uma trincheira que o divida e erigir o monolito de outra dicotomia? Não quero retornar ao velho debate brasileiro da letra-de-música X poema. Também não compartilho do fervoroso ativismo anti-literário de Zumthor, por exemplo. Nem pretendo fazer uma defesa da oralidade contra a escrita, tentando instituir a naturalidade de uma sobre a artificialidade da outra. Ora, natureza é discurso e artifício. Linguagem. Produtor de texto: poeta. Cristalizado em escrita, fluindo em oxigênio e gás carbônico, suor da mão, gotículas de saliva.



VERSUS





§

É claro que, muitas vezes, não se percebe que o trabalho com a oralidade requer o mesmo rigor e estudo que o trabalho com a escrita exige. Os poetas literários não têm, em geral, preparo vocal para a leitura de seus próprios poemas.

Há o medo da retórica, o medo do discursivo.

Há poetas literários, porém, com leituras excelentes de seus textos, como Giuseppe Ungaretti e Charles Olson. São exemplos de leituras que vivificam o texto.


(Giuseppe Ungaretti lê o poema "Inno alla morte")



(Charles Olson lê "Maximus to Gloucester, Letter 27 [withheld]", 1966)

Percebe-se claramente a filiação bárdica de Olson. Foi o homem, afinal, que defendeu a respiração do poeta como base rítmica para a escrita.

§

É claro que muitas características do poema transformam-se no processo de oralização, assim como certas possibilidades poéticas intrínsecas do trabalho oral se perdem na página. Tomemos um exemplo extremo: um poema de Augusto de Campos:



O vídeo, aqui, oferece um suporte de união para o oral e o escrito.



É interessante notar que Augusto de Campos escreve que tudo está dito e, em seguida, que tudo está visto. Oralizado, o poema se transforma e perde toda a sua carga visual, é verdade. O difícil equilíbrio triplo do verbo, do vocal e do visual?

Já com um poema como "cidade/city/cité", uma vez ouvido, percebemos que sua existência na página é incompleta, trata-se de um texto que exige oralização:


(Augusto de Campos - "cidade/city/cité", texto de 1963, performance de 1985)

§

A voz a doar tantos ápices ao literário.

Como os poemas dos provençais? Ora, seguiremos olvidando
que os grandes textos literários de Arnaut Daniel eram letras-de-música?
Estou a blasfemar ou voltaremos a ouvi-los?


::: Arnaut Daniel :::: performance moderna para o poema "Lo ferm voler qu'el cor m'intra", de Arnaut Daniel, ressuscitado por musicólogos especialistas na poesia-música medieval, aqui guiados pelo grande Thomas Binkley (1932 - 1995):::

Uma das primeiras sextinas.
Alta literatura e letra-de-música.
Poesia oral, poesia escrita.
Parâmetros para uma poesia verdadeiramente verbiVOCOvisual.

§

Dois grandes exemplos modernos de harmonia de composição, reunindo escrita e oralidade: Gertrude Stein e Ghérasim Luca:

Gertrude Stein - "If I told him - a completed portrait of Picasso" from Revista Modo de Usar on Vimeo.


(Gertrude Stein - "If I told him: A completed portrait of Picasso")


(Ghérasim Luca - "Passioneément")

§

Medo do discursivo? Prefiro os que têm coragem de enfrentá-lo.

Uma das características mais interessantes dos poetas em torno da revista L=A=N=G=U=A=G=E é justamente a investigação que fazem sobre o "discurso", dissecando-o e minando-o por dentro: tática de guerrilha.

Discursivo ou anti-discursivo, o poema abaixo?:

Elegy
Lyn Hejinian

I am writing now in preconceptions
Those of sex and ropes
Many frantic cruelties occur to the flesh of the
.......imagination
And the imagination does have flesh to destroy
And the flesh has imagination to sever
The mouth is just a body filled with imagination
Can you imagine its contents
The dripping into a bucket
And its acts
The ellipses and chaining apart
The feather
The observer

The imagination, bare, has nothing to confirm it
There's just the singing of the birds
The sounds of the natural scream
A strange example
The imagination wishes to be embraced by freedom
It is laid bare in order to be desired
But the imagination must keep track of the flesh
.......responding--its increments of awareness--a
.......slow progression
It must be beautiful and it can't be free

§

Elegia

Eu agora escrevo em preconcepções
Aquelas de sexo e cordas
Muitos frêmitos violentos ocorrem à carne da
.......imaginação
E a imaginação tem em verdade carne a destruir
E a carne tem imaginação a lacerar
A boca é apenas um corpo preenchido de imaginação
Você pode imaginar seus conteúdos?
O gotejar a um balde
E seus atos
As elipses e encadeamento à parte
A pluma
O expectador

A imaginação, vazia, nada possui que a confirme
Há apenas o cantar dos pássaros
Os sons do grito original
Estranho exemplo
A imaginação deseja ser abraçada pela liberdade
É esvaziada para poder ser objeto de desejo
Mas a imaginação precisa da observância à carne
.......em resposta – seus incrementos de vigilância – uma
.......progressão vagarosa
Precisa ser bela e não consegue libertar-se

(tradução de Ricardo Domeneck,
publicada no número de estréia da revista
Modo de Usar & Co.)

§

__ Quem é sua cantora favorita?

__ Safo.

§


Mas é um equívoco associar, tão apressadamente, oralidade com discursividade, e esta com frouxidão da escrita. Exemplo drástico para possível ilustração do argumento: o poeta menos retórico que conheço é um poeta sonoro --- o francês Henri Chopin. Ouça o poema "L´énergie du sommeil":



(Henri Chopin, apresentando seu trabalho em Berlim, 2003)

§

Seria possível, no entanto, acusar alguém como Bernard Heidsieck de ser "demasiado discursivo"?


(Bernard Heidsieck, performance em Paris.)

§

Ora, isso acontece quando julgamos a poesia CORPoral sob parâmetros literários.

São trabalhos distintos e ambos são trabalhos poéticos... é o que Paul Zumthor chamava de "hegemonia da escrita" em nossa cultura que faz com que todos os outros trabalhos poéticos recebam rótulos

poesia "sonora"
poesia "em vídeo"
poesia "visual"

enquanto apenas a poesia "escrita" (ou poesia "literária") reserva-se o direito de não usar seu rótulo
e auto-proclamar-se POESIA simplesmente.

É uma questão de ênfase (ou, se quisermos politizar a discussão, de hegemonia).

§

Não há por que criar uma oposição entre trabalhos que investigam diferentes ângulos da poesia.

Veja/ouça bem:

por exemplo, quando se discute no Brasil se letra-de-música é poesia, o que se está perguntando, na verdade, é se um texto composto para a voz pode funcionar como Literatura. A pergunta parece-me simplesmente errada, desde o princípio. Um texto para a voz não tem a menor obrigação de também funcionar como Literatura. Se o faz, ao ser transplantado para a página, torna-se um texto literário e pode ser julgado como tal, mas a atividade me parece muitas vezes pueril.

Não consigo deixar de ter o mesmo respeito por poemas líricos (que nos acostumamos a chamar de cançoes) como os de Beth Gibbons, a poeta associada ao coletivo Portishead, quanto pela pesquisa de Edmond Jabès, a que ele chamava de "busca pela autoridade perdida do Livro".


(Beth Gibbons - "Cowboys", um dos grandes poemas dos anos 90, aqui acompanhada pelo Portishead.
A propósito: a tradição de poetas com acompanhamento musical é algo antiquíssimo.)

Edmond Jabès, em tradução de Caio Meira:

O livro seria, assim, apenas o espaço
circunscrito pela palavra aberta à palavra.
Não somos escritos onde ela se escreve,
mas inscritos onde ela se apaga.
Há uma linguagem própria que a inscrição
tumular nos impõe e nos força ao silêncio.
Pesado silêncio em busca de um signo.
Ah! outro - homem, mundo, Deus - mais nós
mesmos do que poderíamos sê-lo no
segredo de nossas confissões; palavra
de uma palavra à qual não ousamos
ligar nosso nome; pois se somos
tributários dela, ela, contrariamente,
mais nos escapa do que nos pertence.
Brancura, brancura de sangue.
Séculos de orgulho e de derrotas
jazem no vocábulo. Você
os desperta ao revelá-lo.
Um livro se entreabre
quando nos abandonamos.


§

A voz pode muitas coisas que a escrita não pode, e vice-versa.

Há textos que foram criados, pensados para a página, e adquirem ali seu potencial (quase) completo. Já cheguei a chamar o "Coup de dès" de Mallarmé de coroamento da poesia como escrita, poesia literária, talvez um poema para os olhos, mais que para os ouvidos. Daí a fascinação do grupo Noigandres? Há poetas, no entanto, em que a voz parece estar implícita no texto, recuperando os volteios do oral. Algo como os poemas, por exemplo, de Frank O´Hara, ainda que o próprio O´Hara não me pareça um grande leitor de seus próprios poemas:

Having a coke with you
Frank O´Hara

is even more fun than going to San Sebastian, Irún, Hendaye, Biarritz, Bayonne
or being sick to my stomach on the Travesera de Gracia in Barcelona
partly because in your orange shirt you look like a better happier St. Sebastian
partly because of my love for you, partly because of your love for yoghurt
partly because of the fluorescent orange tulips around the birches
partly because of the secrecy our smiles take on before people and statuary
it is hard to believe when I’m with you that there can be anything as still
as solemn as unpleasantly definitive as statuary when right in front of it
in the warm New York 4 o’clock light we are drifting back and forth
between each other like a tree breathing through its spectacles

and the portrait show seems to have no faces in it at all, just paint
you suddenly wonder why in the world anyone ever did them
.................................................................................I look
at you and I would rather look at you than all the portraits in the world
except possibly for the
Polish Rider occasionally and anyway it’s in the Frick
which thank heavens you haven’t gone to yet so we can go together the first time
and the fact that you move so beautifully more or less takes care of Futurism
just as at home I never think of the
Nude Descending a Staircase or
at a rehearsal a single drawing of Leonardo or Michelangelo that used to wow me
and what good does all the research of the Impressionists do them
when they never got the right person to stand near the tree when the sun sank
or for that matter Marino Marini when he didn’t pick the rider as carefully
.................................................................................as the horse
it seems they were all cheated of some marvellous experience
which is not going to go wasted on me which is why I’m telling you about it






Tomar coca-cola com você (transcontextualização de Ricardo Domeneck)

é ainda mais divertido que ir a São Francisco, La Jolla, Tijuana, Tecate, Ensenada
ou ter o estômago revirado de enjôo na Madison Avenue em Nova Iorque
em parte porque nesta camisa laranja você me parece um São Francisco melhor mais feliz
em parte por causa do meu amor por você, em parte por causa do seu amor por vodca
em parte por causa das margaridas laranjas fluorescentes cercando os ipês
em parte por causa do mistério que nossos sorrisos vestem diante de gente e estatuaria
é difícil de acreditar quando estou com você que pode haver algo tão imóvel
tão solene tão desagradavelmente definitivo quanto estatuaria quando bem em frente
no ar quente das quatro da tarde em São Paulo nós vagamos em círculos um entre o outro
sem parar como uma árvore respirando por suas oftálmicas

e a exposição de retratos parece não ter qualquer rosto, só tinta
você de repente pergunta-se por que diabos alguém deu-se ao trabalho de fazê-los
.................................................................................eu olho
você e preferiria olhar você a todos os retratos do planeta com exceção
talvez do
Auto-Retrato com corrente de ouro de vez em quando que está no MASP
a que graças aos céus você ainda não foi então podemos ir juntos pela primeira vez
e o fato de que você se move tão lindo resolve mais ou menos o Futurismo
assim como em casa eu nunca penso no
Nu Descendo uma Escada ou
num ensaio um único desenho de Da Vinci ou Michelangelo que antes me boquiabria
e de que adianta aos Impressionistas toda a sua pesquisa
quando eles nunca conseguiam a pessoa certa para encostar-se à árvore ao pôr-do-sol
ou a propósito Marino Marini se ele não escolheu o cavaleiro com o mesmo cuidado
.................................................................................que o cavalo
é como se eles tivessem sido fraudados em alguma experiência maravilhosa
que eu não pretendo desperdiçar o motivo pelo qual estou aqui falando tudo isso para você


§
§

É legítimo que um poeta decida trabalhar apenas com a escrita,
é legítimo que um poeta decida trabalhar apenas com a oralidade.

Em minha busca pelo borrar de fronteiras e delir de dicotomias, interesso-me pelos que vivem em guerra com a alfândega entre as duas. Há, no Brasil de hoje, bons exemplos destes poetas, como Arnaldo Antunes, Ricardo Aleixo e Marcelo Sahea.


(Arnaldo Antunes - "O mar")

§

Real irreal from ricardo aleixo on Vimeo.


(Ricardo Aleixo - "Real irreal")

§


(Marcelo Sahea - "2415")

§
§

Ao mesmo tempo, fascina-me a pesquisa daqueles poetas que seguem trabalhando com o TEXTUAL sobre a página, investigando as falhas nas malhas do discurso:

Classificação da secura
Marília Garcia

I

agora já é quase amanhã mas queria
dizer apenas que é muito
tarde: acrescentar quatro horas ao relógio
indica que já é depois. lá é sempre
depois. parecia um nome
italiano com aquele som ecoando e a
resposta em outra língua mostrava
a cor das linhas no mapa,“é lilás”, para
não dizer algo preciso
para não terminar: com ela
saio cedo todos os dias. fico de
vez em quando escondido
no porto. tomarei
o transmediterrâneo e comerei
calçots,
.....................................até chegar o instante antes
do instante
, momento em que olha para o relógio
e diz: não. já conhece todos os erros
do sistema e a retina derretendo
sempre que levanta
.....................................para sair dali.
(precisão é o retângulo do degrau
inferior.)

II.

alguém que não consegue se mover
e uma semana de vozes cortadas, deve
se acostumar aos movimentos em câmera
lenta, à descida pela escada em
espiral:
................recorta os sons
de cada quarto e apaga as
perguntas que mais detesta
responder. como aquela noite
no ônibus, ruídos do rádio e
pedaços de frases atiradas,
sempre girando as horas.
........................................ver a paisagem
sem ela e precisar o tamanho da ausência
com poucos dados. sabe que as baleares ficam
do outro lado do mar, e custa muito chegar
anos depois e dizer. ergue os olhos para
fixar o que tem ali e não perder
de vista a secura.

§

E por que impediríamos o estritamente sonoro?


(Philadelpho Menezes - "Poema não música")

O estritamente visual?


(Joan Brossa - "Eclipse")

Os títulos contam?
Existe o estritamente textual? Ou todo texto implica voz e olho?

§


Pluralidade de pesquisa segue sendo o caminho para uma poesia que se orgulha de cada um dos seus cinco sentidos.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Aviso aos navegantes das Ondas Literárias

Ondas Literárias é o nome do programa de rádio criado pela poeta paulista Andréa Catrópa em 2008, sendo reapresentado este ano, em maior escala e alcance, pela Rádio Cultura Brasil, todos os SÁBADOS, às 10h30 (Rádio Cultura Brasil 1200 kHz ).

Catrópa entrevistou e lançou ao ar e semeou aos ares, poetas como Ricardo Aleixo, Carlito Azevedo, Marcos Siscar, Fabiano Calixto, Alice Ruiz, Marcelo Montenegro e outros outros outros.

Neste sábado, dia 21 de março, o entrevistado soy yo que vos digita.

Mais info: no blog das Ondas Literárias ou na página da Rádio Cultura.

Andréa Catrópa descreve o programa deste sábado assim:

Neste programa apresentamos a entrevista que foi gravada pelo poeta Ricardo Domeneck, na Alemanha, respondendo a perguntas que lhe enviamos por e-mail. Ele nasceu na cidade paulista de Bebedouro, em 1977. É autor dos livros Carta aos anfíbios (Editora Bem-Te-Vi, 2005) e a cadela sem Logos (Cosac Naify/7Letras, 2007), e um dos editores da revista Modo de Usar & Co. e da Hilda Magazine, que pode ser acessada em http://hildamagazine.net.

Nas dicas culturais, confira as sugestões do poeta paulista Marcos Siscar.

O sonar traz uma adaptação em áudio de um poema sem-título de Angélica Freitas, com leitura de Carol Martins e trilha de Rafael Agra.

O programa apresenta também trechos de músicas de Cat Power, Portishead e Radiohead.


§

Portanto, se você não vai com minha voz, tem motivos melhores ainda para ouvir o programa: sugestões de Marcos Siscar, a adaptação de um poema de Angélica Freitas e poemas líricos de Cat Power, Portishead e Radiohead.

§

Andréa Catrópa nasceu em 1974, em São Paulo. Publicou, no ano passado, o livro Mergulho às avessas (São Paulo: Lumme Editor, 2008). Já disse aqui, em outra ocasião, que me parece uma das criaturas mais independentes em terras paulistanas, realmente interessada em um debate amplo e verdadeiro. Publicamos dois poemas seus no número impresso de estréia da Modo de Usar & Co.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Pequeno relatório de viagens: Dubai

Dubai foi uma das experiências mais malucas da minha vida. A organização do festival esbanjou dinheiro, mas não exatamente... organização. Fomos muito bem tratados, hospedados em um hotel cinco estrelas, com ótimos restaurantes, mas em todos nós resistia a sensação de que tudo não passava de um evento para a imprensa (a ocidental, obviamente), para mostrar que Dubai "também é cultura", ou algo do gênero. Restou-nos a tentativa de tirar o melhor proveito da situação, encontrando poetas que não conhecíamos ou tendo o prazer de rever poetas com que já havíamos lido em outros festivais.

O mais interessante foi poder passar alguns dias na companhia do grande poeta esloveno Tomaž Šalamun, um dos cavalheiros mais generosos que já conheci no mundo poético europeu. Fazemos aniversário no mesmo dia (4 de julho, assim como meu caro Carlito Azevedo) e nos conhecemos no Festival de Poesia de Berlim, em 2008, um dia antes de nosso aniversário. Mantivemos contato e ele é definitivamente um dos poetas mais interessantes (e famosos) da Europa hoje. Presenteou-me com três de seus livros, em tradução para o inglês: sua bombástica estréia, o livro Poker, de 1966, que causou grande rebuliço na literatura do leste-europeu, na década de 60; um New and Selected Poems; e um de seus últimos títulos traduzidos para o inglês, chamado There´s the hand and there´s the arid chair; tenho o projeto de traduzir alguns de seus poemas do esloveno, com a ajuda de meu amigo Dražen Dragojević, um artista visual esloveno que mora em Berlim. É absurdo que não haja poemas de Tomaž Šalamun (n. 1941) traduzidos no Brasil... tão absurdo, por exemplo, quanto não haver volumes de Paulo Leminski ou Roberto Piva (contemporâneos de Šalamun) acessíveis na Europa. A ignorância mútua será nosso fim.

To a Golem
Tomaž Šalamun

Lost in thought,
you came to watch me.
I’m like an olive branch – your face.
Houses are on fire in the sun.
The bridge is pasted together stone by stone
and the sky keeps gnawing.
The hands are seizing me.
I hear the motioin of soft nibs.
Smoke rises out of me.
I evaporate into you, tasting your
fruit, passerby.
The sheep scratches herself on the rock,
the windows are wiped in a dream.
Sweet rehearsing pours over me.
I’m folding your door latches.
I shuck the black, silky
festive hall of your warm breath,
the impermanence of your life.

(translated by Charles Simic)

§

Com Wole Soyinka, o prêmio Nobel nigeriano, troquei algumas palavras antes de lermos na mesma noite (sorte minha, pois me garantiu o público que veio ouvir uma das estrelas do festival). Outro cavalheiro. Não conheço bem sua poesia, mas sua presença impoe respeito, com um trabalho que me pareceu bastante potente, ainda que distante daquilo com que nos acostumamos a prezar nos últimos anos no Brasil. Wole Soyinka nasceu em 1934.

Season
Wole Soyinka

Rust is ripeness, rust.
And the wilted corn-plume.
Pollen is mating-time when swallows
weave a dance.
Of feathered arrows
Thread corn-stalks in winged
Streaks of light. And we loved to hear
Spliced phrases of the wind, to hear
Rasps in the field, where corn-leaves
pierce like bamboo slivers.
Now, garnerers we,
Awaiting rust on tassels, draw
Long shadows from the dusk, wreathe
The thatch in wood-smoke. Laden stalks
Ride the germ's decay-we await
The promise of the rust.

§

Outro poeta que tive o prazer de conhecer em Dubai foi o chinês Yang Lian, um dos fundadores da revista Jintian (Hoje, em português), que causou tantas mudanças poéticas na China, reunindo, além de Yang Lian, poetas como Bei Dao, Mang Ke, Duo Duo e Jiang He. Alguns deles, como Bei Dao, foram publicados no volume de poesia chinesa contemporânea recentemente editado no Brasil. Yang Lian nasceu em 1955 e vive hoje em exílio em Londres. Outro cavalheiro generoso.

Ten years
Yang Lian

Time passes like a fish swimming towards its own flavour
Cliff not under your feet.......Years
Emptier than a word.......Sea wall
Sharp nipples suckling the storm
Rocks are not there.......You are turned like a brass screw and rust
In the armpits of sparkling waves.......Epitaph of a sunken ship
A name swathed in fish scales
Sloughs off fleshy curves.......Art of cloistering jellyfish

This blank expanse called water.......Turns sweet
Is called old.......Sunlight with the pull of a magnet
Ten summers in your lungs
Trims back.......The black water level in a haemorrhaging garden
Reflections in the harbour dance upside down
Trying to remember.......A nature like yours someone had left behind
Gulping down a glass of sour self-brewed beer in the kitchen
Like pouring it into the sink.......The graduate skeleton spits out
another zero

(translated by Mabel Lee)

§

Eu já conhecia o nome do poeta irlandês Matthew Sweeney, sua fama, algo de sua poesia. Ele mostrou-se muito mais agradável que sua reputação. Sua leitura causou certa celeuma, com poemas tocando na questão palestina. Belo companheiro para a mesa do restaurante e o copo de vinho. Matthew Sweeney nasceu na pequena cidade irlandesa de Donegal, em 1952.



Sanctuary
Matthew Sweeney

Stay awhile. Don't go just yet.
The sirens are roaming the streets,
the stabbing youths are out in packs,
there's mayhem in the tealeaves.
You're much better off staying here.
I have a Bordeaux you'll like,
let's open it. (I've a second bottle, too.)
And a goat's cheese to fast for,
and a blue from the Vale of Cashel —
and the source of the bread stays secret.
Was I expecting you to stay?
No, I always eat like this.
Hear that — wasn't it a gunshot?
Come closer, turn the music up.
Maybe we should dim the lights.
Let's clink our glasses to each other
if no better toast comes to mind.
I told you you'd ooh! at the cheese —
here, have some more. A top up?
You're the kind of girl I like.
Listen, that was definitely a bomb.
Maybe the civil war has started,
the one they've all been promising.
Well, there's nowhere to go now,
so let's kill the lights and retire.

§

Seria impossível escrever sobre todos os poetas aqui, de uma só vez. Tentarei, nas próximas semanas, traduzir alguns deles para o português, encontrar mais informação sobre outros, como a grande dama do festival, a suíça Ilma Rakusa, ou os jovens Aleš Šteger (Eslovênia), Elisa Biagini (Itália), Raphael Urweider (Suíça), Elena Fanailova (Rússia).

Gostaria de poder dizer algo sobre os poetas árabes presentes, mas a tradução para o inglês de seus poemas não me pareceu confiável. Quero, porém, seguir o trabalho do poeta Saad Alush, nascido em 1979 no Kuwait.

Pequeno relatório de viagens: Bruxelas

Após a maratona da semana passada, forcei-me a ter um fim-de-semana tranquilo, com alguns filmes que há tempos queria ver, cama e o moço. Agora, com um café amargo ao lado, escrevo umas parcas linhas sobre os trajetos.

Bruxelas teve seu charme especial por ter permitido que passasse uma manhã e princípio de tarde caminhando pela capital belga com Eduard Escoffet, o poeta catalão com quem aprendi tanto sobre a história da poesia sonora. Lemos na mesma noite das Soirées Babel, no Festival OFF, evento paralelo à Feira do Livro, e foi um prazer dividir o mesmo espaço com a criatura. Tenho alguns bons amigos na cidade, como o jovem ator Jey Crisfar (o "Otto" do último filme de Bruce LaBruce) e o jovem poeta Damien Spleeters, de quem já falei aqui, mas confesso que Bruxelas não é bem meu lugar favorito. Tive, no entanto, outro exemplo da hospitalidade e abertura da Alemanha contemporânea para estrangeiros, pois tive minha viagem paga pelo Instituto Goethe e fiquei hospedado na casa de hóspedes do Instituto em Bruxelas, como poeta alemão, por viver na Alemanha há anos, ainda que não escreva na língua do senhor Goethe.

EDUARD ESCOFFET:



mtp 1

a)

"um escritor é aquele que impõe silêncio à palavra" – Maurice Blanchot


b)

quase às vezes / quase quase sempre
quase às vezes / quase quase sempre
o texto que digitas:
cada letra escrita tem o traço
de um corpo: os cabelos e a pele vão tomando forma:
a letra. e um nome que é desintegrado.
quase às vezes / quase quase sempre.

c)

nada há a dizer e contudo necessitamos escrever.
as palavras sulcam a necessidade e contudo as reiventamos como calafetadores:
a madeira, a madeira que já não é madeira:
madeira no crânio, madeira no tórax, madeira nas entranhas.

hoje qualquer corpo / ele é a madeira
(a de um outro escrito)

d) agora agito as mãos e se move um pouco o ar.


(tradução de Ricardo Domeneck)



mtp1

a)

"un escriptor és aquell que imposa silenci a la paraula" maurice blanchot


b)

quasi de vegades / quasi quasi sempre
quasi de vegades / quasi quasi sempre
el text que estàs picant:
cada lletra escrita té la traca
d´un cos: els cabells i la pell van prenent forma:
la lletra. i un nom que es desdibuixa.
quasi de vegades / quasi quasi sempre

c)

no hi ha res a dir, i tanmateix necessitem escriure.
les paraules solquen la necessitat, i tanmateix les reinventem talment calafatadors:
la fusta, la fusta que ja no és fusta:
fusta al cervell, fusta al cor, fusta a les entranyes.

avui qualsevol cos / ell és la fusta
(la d´un altre escrit)


d)

ara bellugo les mans e es mou un poc l´aire.

mtp, 1-viii-02



nadala tsingtao - Eduard Escoffet
(Eduard Escoffet, poema sonoro: Nadala Tsingtao, 2006)

Pequeno relatório de viagens: Leipzig

A viagem a Leipzig foi uma das mais difíceis, na manhã seguinte ao aniversário de 4 anos da Berlin Hilton, em que cometi meus excessos usuais. De qualquer forma, sobrevivi às duas leituras, e está apresentada na Alemanha a antologia/catálogo da oficina de tradução entre poetas de língua alemã e portuguesa. O volume será lançado em Portugal em maio, e no Brasil em setembro (pela Editora 34). O livro traz textos dos seguintes pares de poetas, que traduziram uns aos outros:

Ana Luísa Amaral (Portugal) e Monika Rinck (Alemanha)

Pedro Sena-Lino (Portugal) e Daniel Falb (Alemanha)

Luís Carlos Patraquim (Mocambique) e Richard Pietraß (Alemanha)

Ricardo Domeneck (Brasil) e Sabine Scho (Alemanha)

Paulo Henriques Britto (Brasil) e Hans Raimund (Áustria)

Paulo Teixeira (Portugal) e Norbert Hummelt (Alemanha)

Angélica Freitas (Brasil) e Arne Rautenberg (Alemanha)

Tony Tcheka (Guiné Bissau) e Ulrike Draesner (Alemanha)

Ana Paula Tavares (Angola) e Barbara Köhler (Alemanha)

Marco Lucchesi (Brasil) e Nicolai Kobus (Alemanha)

§


(Leio meus dois poemas em português e Sabine Scho os textos traduzidos em alemão)

§


(Sabine Scho lê seus textos em alemão e eu os textos traduzidos para o português)

sábado, 14 de março de 2009

Bendita sois vós entre as

Em Dubai, conversando com a poeta suíça Ilma Rakusa, ela me pergunta se eu tinha alguma notícia mais detalhada sobre o estupro da menina brasileira de 9 anos por seu padastro, sua gravidez de gêmeos, o aborto, a excomunhão do médico e da mãe da menina, a revolta contra a igreja católica. Era a primeira vez que ouvia a história, enredado como estava nas duas últimas semanas em viagens.

De volta ao Berlimbo, leio, entre outras coisas, as postagens recentes da poeta Angélica Freitas em seu blog, penso em como nos iludimos quando pensamos que o horror muda com o tempo, que a ignorância de instituições se ilumina com a experiência.

Leio e releio, também de Angélica Freitas, o poema "um útero é do tamanho de um punho", penso na revolta possível, até quando, e como?

Macho-alfa, você se esquece que "Women and elephants never forget", como escreveu Dorothy Parker em seu poema "Ballade of unfortunate mammals", mulheres entregues ao labor de bojo, vasilhame, cuia?

Vi este mês dois filmes que mostram como segue morrendo pelo útero a mulher.

O primeiro chama-se Izgnanie (The Banishment), baseado em um texto de William Saroyan, do jovem cineasta russo Andrei Zvyagintsev, nascido em 1964, um dos melhores filmes que vi nos últimos anos:



O segundo é o filme Kadosh (1999), de Amos Gitai, mostrando o destino das mulheres em comunidades judaicas ortodoxas:



§

É claro que em Who´s
Afraid of Virginia Woolf?
Richard Burton, não,
George, recorre ao
útero vazio
de Elizabeth Taylor,
não,
Martha, para a
ofensa última.


§

sexta-feira, 13 de março de 2009

Dirceu Villa & Soror Maria do Céu

Há duas semanas, em correspondência com o poeta paulistano Dirceu Villa e discutindo artigos recentes sobre o cânone, assim como nossas próprias postagens a respeito, Villa mencionou uma antologia de poesia do século XVII, em que encontrara o trabalho poético de autores esquecidos, mas interessantíssimos. Ele mencionou, em especial, a celestial senhora Soror Maria do Céu (1658 - 1753), e me enviou este poema:

É ciúmes a Cidra,
E indo a dizer ciúmes disse Hidra,
Que o ciúme é serpente,
Que espedaça a seu louco padecente,
Dá-lhe um cento de amor o apelido,
Que o ciúme é amor, mas mal sofrido,
Vê-se cheia de espinhos e amarela,
Que piques e desvelos vão por ela,
Já do forno no lume,
Cidra que foi zelo, se não foi ciúme,
Troquem, pois, os amantes e haja poucos,
Pelo zelo de Deus, ciúmes loucos.


.
.
.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Maratona chega ao fim

Uma da matina, acabo de chegar de Leipzig, onde Sabine Scho, Daniel Falb, Pedro Sena-Lino e eu fizemos leituras para apresentar a antologia de poesia em língua alemã e portuguesa. Foram muito boas as leituras, mas eu estava um caco por causa do aniversário da Berlin Hilton na noite anterior, que foi, diga-se de passagem, excelente. Posto vídeos e fotos e relatórios em breve, mas agora eu quero cama.

Vou dormir ao som de Soap & Skin:

quarta-feira, 11 de março de 2009

Hoje à noite: parte 1


Às 19:00, na Livraria Francesa de Berlim - ZADIG - participo do evento Printemps des Poètes, com uma leitura de poemas ao lado dos autores Odile Kennel (Alemanha), Sandra Santana (Espanha) e Damien Spleeters (Bélgica).

Printemps des Poètes
4 poetas, 5 línguas:

Ricardo Domeneck (Brasil)
Odile Kennel (Alemanha)
Sandra Santana (Espanha)
Damien Spleeters (Bélgica)

Zadig
Linienstrasse 141
Berlin
19:00

Hoje à noite: parte 2


Hoje à noite comemoramos o quarto ano de existência do nosso evento semanal BERLIN HILTON, que iniciou suas atividades em fevereiro de 2005. Foram quatro anos em que tivemos a honra e o prazer de apresentar performances ou DJ sets de alguns de nossos heróis pessoais, como Planningtorock, Le Tigre, Tetine, Apparat, T.Raumschmiere, Kevin Blechdom, Stereo Total, Angie Reed, Mount Sims, CocoRosie, Cantankerous ou Hellvar, entre outros,

assim como mostrar o trabalho de novos artistas, como Barbara Panther, ou novos projetos de pessoas como Florian Puehs, hoje vocalista da banda Herpes.

Quatro anos do coletivo que surgiu em torno desta intervenção semanal, com meus colegas Viktor Neumann e Oliver Krueger aka OL!, além de todos os que colaboram conosco, como Niklas Goldbach, Philipp Sapp aka K.Jell, André Scheffler aka DJ Andre Lange, Jonas Lieder aka Shrivel, Daniel Reuter, Stefan Davids aka Alpha-Nerd, entre outros.

Para a festança de hoje, convidamos os meninos do Lo-Fi-Fnk, de Estocolmo, uma escolha perfeita para uma festa de aniversário, ora.



terça-feira, 10 de março de 2009

De volta à ex-cratera conhecida como Alemanha e ao Berlimbo

Assim que as coisas se acalmarem, faço um relatório das viagens, mas agora segue a maratona em terras alemãs.

Cheguei de Dubai há poucas horas e, hoje à noite, participo do lançamento da antologia de poesia germânica e lusófona, na qual tenho poemas incluídos, assim como os brasileiros Angélica Freitas e Paulo Henriques Britto, portugueses como Pedro Sena Lino e Ana Luísa Amaral e alemães como Monika Rinck, Sabine Scho e Daniel Falb.

A antologia é fruto do Festival de Poesia de Berlim, que em 2008 dedicou-se à poesia em língua lusa; a leitura será no Literaturwerkstatt - mais info AAQQUUII -, e leio com os alemães Sabine Scho e Daniel Falb.

A antologia será lançada no Brasil pela Editora 34 e em Portugal pela Editora Sextante.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Em Dubai

Há rumores de que a cidade toda pode descolar-se da Terra e ser catapultada para o espaço no caso de um asteróide em nosso caminho.

Hoje, às 18:00 - hora local - leio meus poemas nesta que me parece uma colônia humana pós-apocalíptica na Lua ou em Marte.

Escrevo mais sobre esta experiência surreal quando voltar ao Berlimbo e terminar a maratona.

Por enquanto, na companhia interessantíssima de Tomaž Šalamun (Eslovênia), Matthew Sweeney (Irlanda), Rebecca Horn (Alemanha), Ilma Rakusa (Suíça), Breyten Breytenbach (África do Sul) e Wole Soyinka (Nigéria), alem de jovens como o esloveno Ales Šteger e a italiana Elisa Biagini.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Dando largada à maratona

Às vezes são semanas sem um convite para ler meus poemas ou apresentar-me como DJ, e então, de repente, um zilhão de eventos ao mesmo tempo. Começa hoje minha maratona como poeta e DJ:

4 de março, hoje à noite, quarta-feira, como toda quarta-feira, apresento-me como DJ Kate Boss na Berlin Hilton; corro para casa, durmo algumas horas e tomo um vôo para Bruxelas, onde amanhã à noite,

5 de março, leio meus poemas nas Soirées Babel - mais info AAQQUUII -, parte do Festival OFF, evento paralelo à Feira do Livro da capital belga; feliz por ler na mesma noite que o meu querido Eduard Escoffet; passo a noite por lá e no dia seguinte, pela tarde,

6 de março, retorno a Berlim, onde me apresento à noite mais uma vez como DJ Kate Boss no clube Schwuz, até as 5 ou 6 da matina; corro para casa, durmo algumas horas, chispo para o aeroporto mais uma vez e tomo um vôo, com escala em Frankfurt, a

7 de março, para Dubai, nos Emirados Árabes, onde passo três dias e leio meus poemas na noite de 9 de março no primeiro Festival Internacional de Poesia de Dubai - mais info AAQQUUII



onde também lêem o nobel Wole Soyinka, meu querido Tomaž Šalamun e a maravilhosa Rebecca Horn --- creio que sou o mais jovem entre os "ocidentais"; então, na manhã do dia

10 de março, parto de Dubai de volta a Berlim, onde à noite participo do lançamento da antologia de poesia germânica e lusófona, na qual tenho poemas incluídos, assim como Angélica Freitas e Paulo Henriques Britto, parte do Festival de Poesia de Berlim; a leitura será no Literaturwerkstatt - mais info AAQQUUII -, e leio com os alemães Sabine Scho e Daniel Falb; no dia seguinte,

11 de março, dois eventos, um como poeta e outro como DJ: às 20 horas, uma leitura de meus poemas na livraria francesa de Berlim - Zadiq - com a alemã Odile Kennel, a espanhola Sandra Santana e o belga Damien Spleeters; às 23:00, celebramos na Berlin Hilton nosso quarto aniversário, com uma performance festiva e aniversárica do duo sueco Lo-Fi-Fnk; corro para casa, durmo algumas horas, e então no dia

12 de março, pego um ônibus e viajo para Leipzig, onde leio poemas na Leipziger Buchmesse (Feira do Livro de Leipzig), voltando para Berlim no mesmo dia, se houver sobrevivido a todas as leituras, todas as festas, todos os vôos e todos os copos de vinho.

Se sumir por uns dias, já sabem.

Patchen, ainda.


Encontrei ontem na biblioteca aqui no Berlimbo (a mesma em que os anjos de Wim Wenders ainda caminham, na minha imaginação) um volume interessante de Kenneth Patchen, intitulado We Meet (2008), também publicado pela New Directions (a lendária editora de James Laughlin, que manteve tantos modernistas americanos in print, quando isto ainda exigia coragem).

O volume reúne os livros Because It Is, A Letter to God, Poemscapes, Hurrah for Anything (este título precioso) e ainda A Flame and Afun of Walking Faces. São poemas, em sua maioria, da década de 50 e 60, após Patchen atingir sua madurez que, em minha opinião, viera nos volumes da década de 40, como The Teeth Of The Lion (1942) e ---um dos meus favoritos--- Cloth of the Tempest (1943), quando Patchen abandona o lirismo (às vezes um pouco aguado) dos primeiros poemas, escritos na década de 30 ( sua estréia em livro ocorre em 1936, com Before the Brave, o que o faz um contemporâneo de Vinícius de Moraes e Manoel de Barros, por exemplo).

O que me chamou a atenção neste volume foi o nome de quem assina o prefácio: o poeta-músico Devendra Banhart, o que não é surpresa, já que Patchen parece ser um poeta para músicos, mais que um poeta para poetas. Parece-me um destino muito mais satisfatório. Nas palavras de Charles Mingus: "Patchen´s a real artist, you´d dig him.", ou na descrição de Allen Ginsberg para Patchen: "A senior survivor of the poetry spiritual wars."

Henry Miller (um dos heróis de minha adolescência) inicia assim seu ensaio sobre Kenneth Patchen, intitulado "A Man of Anger and Light":

THE first thing one would remark on meeting Kenneth Patchen is that he is the living symbol of protest. I remember distinctly my first impression of him when we met in New York: it was that of a powerful, sensitive being who moved on velvet pads. A sort of sincere assassin, I thought to myself, as we shook hands. This impression has never left me. True or not, I feel that it would give him supreme joy to destroy with his own hands all the tyrants and sadists of this earth together with the art, the institutions and all the machinery of every day life which sustain and glorify them. He is a fizzing human bomb ever threatening to explode in our midst. Tender and ruthless at the same time, he has the faculty of estranging the very ones who wish to help him. He is inexorable: he has no manners, no tact, no grace. He gives no quarter. Like the gangster, he follows a code of his own. He gives you the chance to put up your hands before shooting you down. Most people however, are too terrified to throw up their hands. They get mowed down.

Arquivo do blog