sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Nestes tempos tão difíceis, eu confesso tão-somente ter mais perguntas a oferecer.

Faz dias que venho tentando terminar um artigo que deveria se chamar "Para que poetas em tempos de eleição?", no qual queria expor e compartilhar com vocês alguns dilemas pessoais, e minhas meditações muito individuais sobre o papel do poeta em um momento tão conturbado como este. Apesar de viver há tantos anos na Alemanha, muito longe, tenho acompanhado as campanhas presidenciais e me perturbado muito com os discursos em andamento hoje no Brasil. Ao mesmo tempo, parece-me um momento histórico incrivelmente interessante, que dá sinais de ver ressurgirem trincheiras ideológicas que há muito acreditavam-se mortas.

Não pude terminar o artigo, por um motivo muito simples: não consegui chegar a uma conclusão satisfatoriamente responsável para reabrir este debate sobre o papel do poeta em sua comunidade, sem acabar meramente repetindo-me. Não se trata, vejam bem, de tomar partido, e não estou me referindo a apoiar publicamente um ou outro candidato. Há uma diferença gigantesca entre tomar partido e tomar posição. Estas eleições me lançaram em uma meditação que me ocupou muito nas últimas semanas, sobre as possibilidades de agir de maneira prática em um momento histórico que testemunha a linguagem, em sua manifestação física como Língua Portuguesa, sendo continuamente dobrada, distorcida, borrada e abusada para enganar, mentir e ludibriar, com o que vou ousar chamar de "crimes de linguagem" dos dois lados do debate, tanto pelos membros do Partido da Social Democracia Brasileira, como pelos membros do Partido dos Trabalhadores. Além deles, as imposturas pouco éticas da imprensa, também dos dois lados do espectro ideológico. Em meio a isso tudo, refletindo-o e piorando-o, as manifestações assustadoras de machismo, racismo e homofobia de vários setores da sociedade brasileira nos últimos meses, sua regressão política, e a tentativa deselegante de usar um debate ético e religioso tão sério como o da legalidade do aborto para ganhar votos. Aconteça o que acontecer neste domingo, se um dos candidatos for eleito através desta estratégia político-ideológica, isso significará uma vitória do obscurantismo sobre a democracia brasileira.

Mallarmé escreveu que o poeta é aquele que mantém puras as palavras da tribo. Pound, por sua vez, falou sobre "the tale of the Tribe", o que lança ainda mais importância sobre a historicidade da poesia como narrativa de sua comunidade. Contrapondo-se a eles, penso em uma mulher tão importante como Clarice Lispector, que, em sua famosa entrevista à TV em 1977, respondeu que o papel do escritor brasileiro naquele momento era "falar o menos possível". Vale lembrar que a entrevista, de uma lucidez incrível, ocorre em plena ditadura, naquele momento com Ernesto Geisel no Palácio do Planalto.

Se o poeta é o artista que usa a linguagem como matéria de composição primordial, linguagem e língua que compartilha com sua comunidade, como reagir aos abusos de linguagem espalhados pela imprensa, pela oposição ao governo e pelo próprio Governo? Como poeta, como reagir aos abusos de linguagem do presidente da República e também dos de seus opositores?

Minha única certeza, uma certeza pessoal, individual, particular, que não pretendo estender a nenhum outro poeta, é que, seja Dilma Rousseff ou José Serra o novo presidente da República, pretendo ser oposição a ele ou ela em todo e qualquer momento em que, seja ou não a autoridade máxima do país, incorra neste abuso imperdoável da linguagem para distorcer e aproveitar-se, como temos assistido nos últimos meses.

Além dessa certeza, tenho apenas perguntas, meus caros.

Estas perguntas formaram no ano passado, quando comemorou-se aqui em Berlim o vigésimo aniversário da queda do Muro, um texto que intitulei "A educação dos cívicos sentidos" (2009), que usa este jogo de homofonia com o título do livro de Haroldo de Campos, A educação dos cinco sentidos (1985), para a partir disso entregar-se a algumas perguntas e polemizar mais uma vez com o poeta paulistano e sua posição est-É-tica da década de 80, o autor, que respeito muitíssimo, que viria a embasar ideologicamente, com seus conceitos questionáveis (tão equivocados a meu ver) de "trans-historicidade" e "pós-utópico", as certezas ao mesmo tempo arrogantes e preguiçosas do absenteísmo público de tantos poetas brasileiros dos últimos 25 anos.

É com estas perguntas que encerro esta postagem, junto de um "vídeo" improvisado para poder participar com minha intervenção à distância de uma mesa de debates na Casa das Rosas, em 2009.

Volto apenas na semana que vem, quando já teremos um novo ou nova presidente. Se os discursos apocalípticos de ambos os lados estiverem certos, um erro na urnas poderá nos levar a uma catástrofe. Gostaria de ter mais certeza sobre o que se pode esperar de um poeta em meio a uma catástrofe social e política nos dias de hoje. Mas para isso preciso seguir meditando, até quem sabe poder terminar o artigo que gostaria de ter publicado aqui e não pude.

Destarte, eis as inúmeras perguntas da minha own private educação dos cívicos sentidos:





A educação dos cívicos sentidos (texto em vídeo)
Ricardo Domeneck



Aos vinte anos da queda do muro, a oportunidade de meditar sobre dualismos que ainda imperam? Num momento que se gaba de suas multiplicidades? Essa queda marca a ascensão do Império sob o qual nos movimentamos hoje? Opera esse Império através da língua do poema de Yeats? "On being asked for a war poem"? O poeta que escreveu "I think it better that in times like these / A poet keep his mouth shut" é o mesmo que escreveu "Easter, 1916"? Ou este poeta acreditava que a política pertence aos políticos, não aos poetas, e por isso se fez senador? O papel do poeta seria mesmo o de emocionar moçoilas e consolar velhinhos? O silêncio proposto por Yeats é o mesmo de Clarice Lispector que, em lhe sendo pedido o papel do escritor brasileiro, respondeu: "falar o menos possível"? O silêncio dos dois equipara-se ao de George Oppen? Aquele que parecia também crer que poesia e política são incompatíveis? É isso o que dizia a personagem de Glauber Rocha em Terra em Transe? A poesia e a política são demais para um único ser humano? É por isso que Oppen abandona a poesia por vinte anos para dedicar-se ao ativismo político? Ninguém aqui, além de nós, as galinhas? O poeta está ofendido? O poeta é inofensivo? Você teria coragem de dizer isso a Ossip Mandelshtam, que morreu na Sibéria por causa de um poema? Você é pós-utópico? Se o é, você é também trans-histórico? Que dia é hoje no seu poema? Você também acredita que a vanguarda foi apenas um afrodisíaco para a tradição? Escrever sonetos ou concretos tem implicações políticas? Política é conteúdo ou política é forma? Essa pergunta é a mesma se mudarmos o substantivo "política" pelo substantivo "poética"? Talvez a ética da escrita configure-se nesta resposta? Mais radical o silêncio ativista de George Oppen ou o ativismo em voz alta de Ulrike Meinhof? Também te perturba imaginar esta escritora pacifista tornando-se uma das líderes da Facção do Exército Vermelho? O que leva um poeta a decidir que palavras não bastam? O que leva uns a recorrerem a poemas (como Murilo Mendes), uns ao Senado (como W.B. Yeats), outros à organização de greves (como George Oppen) e outros ainda à luta armada (como Ulrike Meinhof)? A poesia silencia diante do mundo dos eventos? Poesia pura é ativismo e resistência? O que diabos queria dizer Adorno com a impossibilidade de escrever poesia após Auschwitz? Você esteve em Búzios hoje? Você já saqueou Celan esta semana? Insistir na inutilidade da poesia como única forma de resistência? Poesia resistência? A negação do caos presente pela nostalgia da Idade de Ouro de um passado mitificado? Ou a negação do caos presente pela invocação da parúsia, da revolução? Resistência pela negação e não-participação, como queria Theodor Adorno no ensaio “Lírica e sociedade”? Lorca foi mesmo assassinado como poeta lírico, ou foi o dramaturgo dissidente e inimigo dos valores de direita que os fascistas precisaram silenciar? Há diferença entre o Lorca do Romanceiro Gitano e o Lorca de A Casa de Bernarda Alba? Você simpatiza com a revolução? Você está sendo filmado? Você já confundiu o espaço público com seu espaço privado hoje? Vladimir Maiakóvski encontra Ezra Pound contra a usura? Oh 1930s, with Usura hath no man a house of good stone? Oh 1960s, with Capitalism hath no man a house? Oh 2000s, with Globalization hath no man a no? O que Ludwig Wittgenstein queria realmente dizer ao afirmar que ética e estética são uma só? Quando um poeta levanta-se da cama pela manhã, ele reencena diariamente o “salto participante” proposto por Décio Pignatari? À direita ou à esquerda, de que lado está o poeta, e isto define se é político ou não? Estava sendo político o cavalier Richard Lovelace ao escrever o poema lírico “To Althea, from Prison”? Como Tomás Antônio Gonzaga escrevendo a segunda parte de “Marília de Dirceu” na prisão? Ou são mais políticas as Cartas Chilenas? Oh Shelley, ninguém quer reconhecer tua legislação mundial? Quem inaugurou o poeta-Cassandra? “L`Albatros” himself, Baudelaire? Rimbaud, o desajustado? O adolescente loiro? O amante de Verlaine? O contrabandista de armas na África? É mais político oralizar estas perguntas ou publicá-las em escrita? Em que momento o poeta exila-se ou é expulso da República? Em que momento o poeta épico deixa de fundar a nação para fundi-la e findá-la? O planalto central do Brasil desce em escarpas abruptas? Você gostaria de ser o Maudsley dos nossos crimes nacionais? Te aborrece tudo quanto seja público? Você estampa teu miocárdio privado em cada muro público? Gregório de Matos entoando “Triste Bahia! Ó quão dessemelhante / Estás e estou do nosso antigo estado!”? Ou seu racismo na estrofe seguinte anula o ato? Tristan Tzara, Hans Arp e Hugo Ball entoando DADA em atas estavam uivando pela utopia ou destoando da distopia? A política do poeta está no questionamento formal? Ou seria melhor discutir os suportes para a poesia, como métodos de publicação e distribuição e financiamento? Tudo isso tem implicações, como querem os poetas da revista L=A=N=G=U=A=G=E? Onde te ocultas, precária síntese, penhor do meu sono, luz dormindo acesa na varanda? Poeta bom é poeta morto? Poeta bom é poeta universal? Ou mulher escreve como mulher, viado como viado, negro como negro, macho como macho? Você é um poeta aristocrático? Que ação nos é possível? Mas, ora, escrever poesia já não é ativismo e resistência? The poet cannot set a statesman right mas pode dificultar-lhe os abusos? Você já leu os jornais hoje? Você traduz "news that stays news" por "novidade que permanece novidade" ou "notícia que permanece notícia"? O caminho da sátira é o único para uma poesia abertamente política? Será tudo culpa do nosso vocabulário ou será tudo culpa de Kate Moss? Podemos aprender com a sutileza política de Machado de Assis e Clarice Lispector? Podemos parafrasear Lispector e dizer: eis que o poeta está feliz, pois finalmente desiludiu-se? Se vivemos um momento pós-utópico, tanto melhor? Vamos começar a escrever uma poesia pré-distópica?



Ricardo Domeneck, Berlim, 2009, vigésimo aniversário da Queda do Muro.


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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Texto gentil de Sylvia Beirute, e pequena seleção de poemas meus em seu espaço

A poeta portuguesa Sylvia Beirute, que escreve e divulga poesia na página Uma Casa em Beirute, publicou na semana passada uma seleção de poemas meus, com o vídeo-retrato "Eugen" e uma pequena introdução, muito gentil e generosa. Abrindo com dois fragmentos do livro a cadela sem Logos (SP: Cosac Naify, 2007), ela então transcreve vários textos do meu primeiro livro, Carta aos anfíbios (RJ: Bem-Te-Vi, 2005), que circulou pouco, publicado por uma pequena editora. Convido-os a visitarem a página, se não pelos meus poemas, então pelos de vários bons poetas divulgados ali, assim como pelos poemas da própria Sylvia Beirute. Encerro a postagem com um texto da portuguesa.


Idioma
Sylvia Beirute

pedem-me que desperdice, que deixe estar,
que me desnomeie com um defeito do sono,
e que desse início desafie uma erudição
com um incêndio no idioma de dentro.
depois oferecem-me uma porta, uma porta
que quando bate sobrepõe
um silêncio de limão sobre a coxa, que
hetero-consome e auto-escurece. dizem-me:
desperdiça, sylvia, deixa {r}estar, põe
cada pé em cada prato da balança do
inacontecido saudável, prediletiza a partir
desse ponto até à humidez do teu ego de exposição.
por fim, deixam-me uma janela que ensina
o modo como os sujeitos procuram os predicados
que inutilizam, e
mostra explicando
a independência da incompletude
daqueles que crescem como flores.


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terça-feira, 26 de outubro de 2010

Privados de Wilde, providos de Fry

Queridos, vós que lamentais não terdes jamais a delícia preciosa de novas publicações de alguém como Oscar Wilde, já que o garboso mestre dos chistes já é pó do pó, e lamentais vosso nascimento em século tão bárbaro e grotesco, julgando-nos todos miseráveis das musas e atrasados no cronômetro da elegância, eu concordaria em parte, dizendo ai de nós rainhas e plebéias com o mesmo destino, entre putrescina e cadaverina condenados a desocupar espaço no bioma não tão espaçoso, mas não nos julgo tão exageradamente pobres, e certamente não iniciei esta postagem para tornar-vos adeptos da tafonomia, nem para entreter-vos ou distrair-vos de vosso banquete entre pallor mortis e livor mortis se sois convictos praticantes da necrofilia literária ou artística, e sim para celebrar que, privados de Wilde, seguimos providos de Fry e outros, e se vós considerais tal fato uma prova cabal de nossa decadência humorística e humorosa, ora, imagino que não lestes o recentemente recuperado Livro das Sete Sábias Antigas, psicografado por ninguém menos que a drag queen e médium Rocirda Demencock, em que, à página 77 do papiro fragmentário (a conexão estava péssima entre os dois mundéus), lê-se a máxima epigramática:

"Regozija-te por aqueles com quem compartilhas o oxigênio de teu século,
homem nenhum encontrou verdadeira amizade entre mortos e seus ossos."


(Livro das Sete Sábias Antigas, psicografado pela drag queen e médium Rocirda Demencock).


Destarte:

Stephen Fry Kinetic Typography - Language from Matthew Rogers on Vimeo.


Monólogo de Stephen Fry, intitulado "Language", em animação gráfica do australiano Matthew Rogers.

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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Amigos fotógrafos e suas publicações recentes: Terceira postagem: a série "Fashion victim", de Adelaide Ivánova.

Conheci Adelaide Ivánova em 2003. O ano é meio lendário para os dois: Ivánova chegava a São Paulo, eu vivia meu ano de interstício estressante entre São Paulo e Berlim por problemas de visto. Dividimos teto n`O Sobrado, a casa na Vila Madalena que "mitologizamos", onde nos primeiros anos desta década que ora se encerra refugiaram-se, em pindaíba financeira e amorosa, em rodízio de divisão dos 4 quartos, jovens poetas, atores, cineastas, antropólogos em meio a teses de doutorado, e outras criaturas estranhíssimas. Fui um dos membros fundadores, morando ali por 8 meses em 2001, e depois por mais 10 meses em 2003. Ali escrevi muitos poemas do meu primeiro livro, Carta aos anfíbios (2005), quase todos os da segunda parte, por exemplo. Nessa segunda passagem, a sra. Adelaide Ivánova chegou de Recife e também se instalou n`O Sobrado. Ali organizei sua primeira exposição de fotos. Ela tinha 20 anos, eu tinha 25. Ali jorrava uma fonte de secreções corporais, álcool e outras invitations to Mr. Hyde, como gosto de dizer. Ali tivemos brigas, que podiam tanto girar em torno de pratos sujos como gritos de "desliga essa merda de som, não aguento mais ouvir Los Hermanos!". Deixo com vocês adivinhar quem gritava para quem esta última.

Esse ano, Ivánova veio à Alemanha e viveu alguns meses em Berlim, onde reatamos nossa amizade. Bebemos, suamos ao sol, dançamos até cair, e colaboramos em uma peça, sua instalação "100 Men", projeção sobre lençol que ela apresentou no evento que coorganizo às quartas-feiras, e para a qual preparei uma peça sonora cafona, irritante e divertidíssima. Juntos, almodovaricamos muito em Berlim.

Adelaide Ivánova postou na semana passada um novo slideshow com sua série "Fashion Victim" (2005 - 2008). Mostro-a a vocês aqui. Se Adelaide estivesse aqui, eu diria a ela "Ô mulher, ficou muito legal o slideshow, você sabe como gosto desta ironia que se emaranha entre a invectiva e a self-deprecation, de quem anda na corda bamba, sem saber onde termina a resistência e onde começa o colaboracionismo, aturando aqueles chatos que se julgam muito puros e fora do sistema e não sabem o risco que nós corremos como agentes duplos." É o que eu diria a Adelaide Ivánova se ela estivesse aqui, sobre seu sarcasmo com as It Girls, só por tantas delas serem tão descerebradas.

"Fashion Victim", a série. Adelaide Ivánova "veste" e "usa" Prada, Louis Vuitton, Lenny, Neon, Daslu e, em suas próprias palavras, "todas as vacas desocupadas que costumava fotografar."


adelaide ivánova's_the fashion victim series from adelaide ivánova on Vimeo.




Tenho alguns originais dela na minha minúscula coleção, e ela, obviamente, também figura na Hilda Magazine.

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domingo, 24 de outubro de 2010

Amigos fotógrafos e suas publicações recentes: Segunda postagem: "Die Schwulennummer: Das Plakat", de Heinz Peter Knes.

Conheci Heinz Peter em 2004, no lendário clube Black Girls Coalition, que infelizmente já não mais existe, ficando apenas na memória de uma Berlim caótica, criativa e livre no período pós-Muro imediato, que aos poucos vai também deixando de existir para se transformar cada vez mais na capital da Alemanha. Somos hoje muito amigos e discutimos muito sobre o nosso trabalho, confio demais em sua sabedoria. Já colaboramos de várias maneiras, mas as mais notáveis foram seu pequeno livro Corps (2009), publicado na França como separata da revista Double, para o qual escrevi um dos meus poemas favoritos, em inglês e português, o texto "Corpo". Discuti esse trabalho e o texto em um artigo do ano passado.

Nossa mais recente colaboração ::::: um díptico fotográfico seu que retrata o túmulo do cineasta Friedrich Wilhelm Murnau (1888 - 1931), com poema meu em inglês ::::::: será publicada no mês que vem pelo projeto eletrônico This Long Century.

Informações práticas: Heinz Peter Knes nasceu em 1969, em Gemünden am Main, sul da Alemanha. Após uma passagem por Colônia, o fotógrafo vive desde o início da década em Berlim, de onde já fotografou para revistas como Purple, Butt, i-D, Nylon, 032c, Dutch, Doingbird, e Camera Austria, entre outras. Heinz Peter já me retratou em vários momentos, e uma foto minha acaba aparecendo em sua mais recente publicação: a edição limitada de 1000 exemplares de um cartaz gigante :::: (140 x 200cm) :::: com sua série "Die Schwulennummer", algo como "O Número Viado". Aqui, na ironia típica de Heinz Peter, "número" é usado tanto no sentido matemático, também de "edição", e sub-repticiamente como em "cada uma das partes executadas (de dança, música, etc.) de um espetáculo de variedades", algo circense, aludindo a certa teatralidade que ele critica na cena homossexual. Em sua página pessoal, há um diálogo entre mim e Heinz Peter sobre a noção de gênero, identidade, queerness, e outros gudes, mas apenas em alemão. A série tem 32 fotos.


(Heinz Peter Knes, "Die Schwulennummer")



Apresentei já há dois anos alguns trabalhos de Heinz Peter Knes na Hilda Magazine.

Abaixo, detalhe da apresentação do cartaz no lançamento que organizei para meu querido Heinz Peter Knes em nosso evento semanal às quartas-feiras. Já tenho o meu exemplar, que também guardei com as outras originais assinadas deste que é meu grande amigo e um dos melhores fotógrafos alemães em atividade.




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sábado, 23 de outubro de 2010

Amigos fotógrafos e suas publicações recentes: Primeira postagem: "The Quieter Poster Boys", de Brett Lloyd.

Conheci Brett em 2006, em Londres, quando visitei a cidade pela primeira vez, a convite do artista/curador mexicano Pablo León de la Barra, para apresentar-me como DJ no lançamento de sua revista Pablo Internacional Magazine. Foi nessa ocasião e a convite de Pablo que preparei a publicação de uma plaquete dos meus poemas em inglês, chamada When they spoke I / confused cortex / for context (2006), que lançamos junto com a revista dele em uma mini-edição numerada e assinada. A plaquete trazia já o texto das "Six songs of causality", e outros poemas que decidi não publicar no meu último livro a sair no Brasil, Sons: Arranjo: Garganta (SP: Cosac Naify, 2009). Já havia trocado mensagens com Brett e acabei hospedado na casa dele. Outros detalhes ficam para a biografia não-autorizada, dele ou minha (linha escrita com sorriso maroto nos lábios).

O que importa aqui é esta história: Brett Lloyd é um fotógrafo britânico, nascido em 1984 no norte da Inglaterra. Ser um nortista, naquele país, traz suas desvantagens, e sempre que converso com Brett a respeito me vem à mente a canção de Morrissey em que este canta: "We hate it when our friends become successful / And if they are Northern that makes it even worse", mas Brett é uma das carreiras mais ágeis da fotografia de moda europeia nesta década e eu estou muito feliz por isso. Na verdade, eu diria que a mais meteórica, e digo sem arrogância que previ tudo isso e o disse a ele assim que ele começou a me mostrar suas primeiras fotos. Passando a fotografar de forma assídua e ambiciosa apenas em 2007, e divulgando suas fotos primeiramente na internet, hoje, apenas três anos depois, Brett fotografa editoriais para revistas como Dazed and Confused, Vogue Hommes Japan, Candy, V Magazine, AnOtherMan, British GQ Style, e já colaborou com nomes incontornáveis do jornalismo de moda europeu, como Kim Jones, Nichola Formichetti, Alister Mackie, Shun Watanabe, Jonathan Saunders, entre outros. Antes disso tudo, eu já havia confiado em seu talento e publicado sua série "Peter Panning" com exclusividade na Hilda Magazine.

Há um mês, Brett lançou em Londres seu primeiro livro, uma coleção de 15 cartazes com fotos de moços que ele conheceu e fotografou em duas viagens mochiladas pela Europa. Um deles é meu amigo Jonas Lieder; outro, o (hoje requisitadíssimo) modelo alemão Jakob Wiechmann, foi fotografado na minha cama e na minha cozinha; o também alemão Tim Neugebauer já discotecou em minha festa às quartas-feiras. O livro traz ainda textos de Dean Mayo Davies e projeto gráfico de Edward Quarmby. Trata-se de uma edição limitada de 500 exemplares. Eu já tenho o meu, com sua dedicatória fofa, que vem unir-se a algumas fotografias originais assinadas por Brett, que guardo com cuidado na minha minúscula coleção de arte doada pelos amigos.



Self-published by emerging British photographer Brett Lloyd, "The Quieter Poster Boys" is a collection of 15 flat posters designed to go on bedroom walls. These are documents of the boys Lloyd met while couch-surfing across Europe in the summer of 2009, depicted as angelic youth emblematic of their generation. Most often shot in color topless in their apartment bedrooms or on couches. Complete with pamphlet containing an introductory text and anecdotes of the trip, the collection is sealed in plastic with a simple card stiffener. Lloyd is just 25 but after moving from Hull in Yorkshire to London only a year ago is fast becoming a significant voice in British fashion photography.

published by the artist
500 numbered copies
15 loose leafed posters
18.5 x 13.25 inches


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quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Seguindo com a última postagem, retorno à série DAS MINHAS CANÇÕES FAVORITAS: "It´s a wonderful life", de Mark Linkous (Sparklehorse)

Na postagem anterior, com poemas para O Moço, dediquei a ele em seu aniversário uma de minhas canções favoritas, chamada "It´s a wonderful life", do álbum de mesmo nome da banda americana Sparklehorse, liderada pelo poeta cantor Mark Linkous, que se suicidou este ano, em março. Uma grande perda, que dá à canção uma carga emocional ainda mais forte quando acompanhamos sua voz delicadíssima, com aquele texto tão bonito e conciso. Certamente tem a ver com o fato de ser poeta, mas a maioria de minhas canções favoritas apresenta sempre textos que poderiam se sustentar sozinhos, mas que obviamente se tornam poesia na voz do poeta cantor. Poesia mesmo, em sua conjunção entre texto, voz, música, performance. Calma: não vou voltar à minha ladainha sobre as diferenças entre poesia e literatura. Quero apenas lembrar mais uma vez que minha reivindicação de que a literatura é um dos ramos da poesia (não o contrário) não é mero capricho ou debate sobre a primazia do ovo ou da galinha. Para alguns, isso talvez seja como o famoso dizer daquele biscoito que não sabemos se "vende mais porque é fresquinho, ou é fresquinho porque vende mais". Talvez. Insisto nisso porque acredito que essas perspectivas trazem consequências muito distintas para a nossa crítica e também para a nossa poesia. É completamente legítimo estudar a poesia apenas em sua manifestação literária, como fazemos até mesmo com aqueles poetas que não pensavam em sua poesia apenas em termos literários, como Arnaut Daniel, Bertran de Born e todos os outros trovadores provençais. Mas a hierarquia que hoje seguimos me parece pouquíssimo saudável. De qualquer forma, vamos à canção, que vale mais.

Como já mostrei a canção, com aquele vídeo que me corta o coração, começo agora pelo seu texto, que me parece tão tão tão bonito:


It´s a wonderful life
Mark Linkous, com a banda Sparklehorse

I am the only one
Can ride that horse
Th'yonder

I´m full of bees
Who died at sea

It's a wonderful life

I wore
A rooster's blood
When it flew like doves

I'm a bog
Of poisoned frogs

It's a wonderful life

I'm the dog that ate
Your birthday cake

It's a wonderful life



Não é qualquer um que atinge tamanha intensidade com tão pouco. É poesia lírica no sentido mais completo do termo, indo de sua definição técnica, digamos, de poesia musicada, até outras mais recentes entre os românticos. A preponderância da assonância na vogal O, unida à voz delicadíssima de Linkous, dá à canção, seu texto e música, uma espécie de abertura diáfana e etérea, de quem parece querer evaporar na presença do ser amado, muito delicada, até mesmo com certa exasperação, aquela de quem está se entregando. O jogo entre consoantes fricativas e oclusivas cria um jogo interessante entre a voz e a expiração do poeta em performance, criando uma atmosfera de certo cansaço e ao mesmo tempo alívio, como o que eu ousaria chamar de uma resignação feliz. O amor talvez deva sempre pronunciar-se por modos de articulação obstruinte?

Os dísticos são particularmente bonitos: como resistir a um poeta que se define como "a bog / of poisoned frogs", ou "the dog that ate / your birthday cake"? Sem mencionar a metáfora algo aterrorizante e forte de "I am full of bees / Who died at sea".

Momento de ouvir novamente a canção, desta vez com outro vídeo:


(It´s a wonderful life", de Mark Linkous. Vídeo de Guy Maddin.)

Fiz um pequeno exercício de tradução, tentando reconstruir o texto, salvando ao menos suas rimas, mesmo que não tenha conseguido manter todos os jogos sonoros. É uma tradução completamente livre, tenham paciência comigo. Vamos chamar de paráfrase. É, talvez seja um bom título até: "Paráfrase para uma vida maravilhosa segundo Mark Linkous". Mudei também certa diagramação e métrica, e dísticos foram quebrados, formando tercetos e quartetos arrebentados, capengas como qualquer apaixonado.


Paráfrase para uma vida maravilhosa segundo Mark Linkous
Ricardo Domeneck

Eu sou o único domado
Para montar este cavalo
Do outro lado

Estou cheio de abelhas
Mortas sobre as telhas

Que maravilha
De vida

A minha indumentária
É o sangue de galinhas
Quando voam como águias

Eu sou um charco
De sapos
Envenenados

Que maravilha
De vida

Sou o cachorro
Que devoraria
O teu bolo
De aniversário

Que maravilha
De vida



Infelizmente, não tenho a elegância lacônica de Mark Linkous. Várias letras do americano demonstram seu conhecimento poético. Trata-se ainda de um homem respeitadíssimo, que colaborou com criaturas como Tom Waits, David Lynch e Daniel Johnston, para citar três heróis meus. Trabalhou também com o Radiohead, com o poeta cantor Vic Chesnutt (que também se mataria, em 2009) e com P.J. Harvey. Com sua banda Sparklehorse, lançou discos com os títulos tão bonitos de Vivadixiesubmarinetransmissionplot (1995), Good Morning Spider (1998), It's a Wonderful Life (2001), e Dreamt for Light Years in the Belly of a Mountain (2006).

O último projeto de Mark Linkous, antes do seu tristíssimo suicídio em março deste ano (há algo em pessoas que decidem se matar na rua, em público, que realmente me atinge em cheio e me assombra) foi uma colaboração com o produtor musical Danger Mouse e o diretor David Lynch, além de outros dez vocalistas, para criar o álbum projetual Dark Night of the Soul (2009), creio que uma referência clara ao poema místico de San Juan de la Cruz (1542 – 1591), o essencial "Noche oscura del alma".

O projeto foi conduzido por Linkous, Lynch e Burton, mas com a colaboração, em cada faixa, de seus cantores: James Mercer (The Shins), Wayne Coyne (The Flaming Lips), Gruff Rhys (Super Furry Animals), Jason Lytle (Grandaddy), Julian Casablancas (The Strokes), Frank Black (Pixies), Iggy Pop, Nina Persson (The Cardigans), Suzanne Vega, Vic Chesnutt e Scott Spillane (Neutral Milk Hotel). O álbum trazia um livro com 100 páginas da fotografia de David Lynch, em uma edição limitada, de 5000 exemplares.

Mostro aqui uma das canções do álbum, justamente aquela que se chama "Dark night of the soul", com ninguém menos que David Lynch nos vocais.


(David Lynch, na canção "Dark night of the soul", do álbum de mesmo nome que ele produziu com Mark Linkous e Brian Burton a.k.a. Danger Mouse, para o qual publicou ainda um livro com 100 páginas de fotografia.)

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domingo, 17 de outubro de 2010

Aniversário do Moço e Milésimo Centésimo Quadragésimo Terceiro Dia de Minha Alegria, Com Poemas e Declarações Embriagadas, Ridículo e Amoroso



Hoje é aniversário d´O Moço. Ele completa hoje seus 26 anos de existência desarmada sobre a terra, três dos quais (ou exatos 1143 generosos dias) ele vem decidindo continuamente compartilhar comigo, eu, felizardíssimo após três décadas de espera e catástrofes, en l'an de mon trentiesme aage descobri aquele que aceitaria encolherar-se em concha comigo todas as noites, tornando meu aquecimento a carvão em plenos invernos belimbosos coisa supérflua. Hoje é aniversário d´O Moço. No ano passado, quando ele completou um quarto de século, escrevi para ele o poema "Texto em que o poeta celebra o amante de vinte e cinco anos", que reproduzirei mais uma vez ao fim desta postagem. Antes, posto aqui, logo abaixo, um poemícula que escrevi hoje, pensando n`O Moço, assim como a tradução do mais simples e popular poema de amor na Lírica Amorosa Alemã do pós-guerra, poema chamado "Was es ist", do austríaco Erich Fried, terminando com a música "It´s a wonderful life", do finado poeta-cantor americano Mark Linkous (1962 - 2010), uma das canções mais lindas da década, deste líder da banda Sparklehorse e trovador suicida neste ano de tantas mortes, canção no entanto linda e que dedico hoje ao Moço, com um vídeo de cortar o coração, feito por um estranho (com quem adoraria tomar um café) que usou imagens de três dos meus filmes favoritos, e enfim encerrando esta celebração-postagem com outros poemas escritos para O Moço, neste 17 de outubro, aniversário dele e Dia Internacional da Felicidade de Ricardo Domeneck.


O que o poeta deseja ao namorado no dia de seu aniversário

....................................a Jannis Birsner

Quisera eu que você fosse grande e gordo
como uma baleia, ou melhor, um cachalote
(o que evitaria que eu tivesse
que abster-me dos seus dentes),
cujo coração é do tamanho de um Fusca,
assim quem sabe eu arriscasse viagens,
não com você ou a seu lado, o que faz
sempre com que a visão de sua crista
ilíaca e nuca
desvie, redirija ou distraia a atenção
que eu deveria dedicar à arquitetura
e à paisagem,
mas pudesse, como um Jonas felizardo
e voluntarioso, viajar em você, alojado,
confortável em seu miocárdio,
massageado pelo inflar metódico
dos seus pulmões,
entrincheirado (feito um presidiário
que imaginasse o exterior como estado
de calamidade e sítio) entre as grades
simétricas de sua caixa torácica,
e desta forma inaugurasse
nossa colaboração, simbiose compulsante
e vitalícia,
nunca mais comensal de farelos e migalhas
de machos-alfa ou
godfathers,
e doravante
não mais sofresse a dependência
dos movimentos voluntários
alheios
para exercitar no amante meus cinco sentidos,
ou acabar, como sempre dantes, forçado,
com minha própria mão febril
sobre minha própria testa,
a constatar e provar a mim mesmo
a minha febre,
pois relegaria a você, moço,
a regulação e constância da nossa temperatura,
mesmo que hoje me contente, corregente e duplo,
com esta pressão arterial e taquicardia
de beija-flor, cuitelo,
com meus cerca de 1,260
batimentos cardíacos por minuto
quando sobrevoo seu rosto,
como se este fosse a cara amarelada
de uma angiosperma polpuda e melosa,
pois eu também, moço,
tal qual esta espécie
de pássaros rapidíssimos
e glutões, estou sempre a meras horas
de distância da amorosa inanição.



Ricardo Domeneck. Berlim, 17 de outubro de 2010.

§

Canção de Mark Linkous (1962 - 2010) e de sua banda Sparklehorse, que eu hoje dedico ao Moço como se a houvesse escrito, em que a letra a certa altura diz "I am the dog that ate / your birthday cake", canção com um vídeo feito por um estranho, usuário chamado no Youtube de "balladof", com cenas de três de meus filmes favoritos, Grey Gardens (Albert & David Maysles, 1975), Badlands (Terrence Malick, 1973) e Who's Afraid Of Virginia Wolf (Mike Nichols,1966):

"It´s a wonderful life", da banda Sparklehorse, canção do poeta-cantor Mark Linkous (1962 - 2010)



Tradução para o mais simples e popular poema de amor da língua alemã no pós-guerra, "Was es ist", de Erich Fried, tomando minhas usuais liberdades tradutórias para fazer com que o poema funcione em português brasileiro e sirva para alguma coisa além de encher revistas de literatice:

O que é

É louco
diz a razão
É o que é
diz o amor

É desastroso
diz o cálculo
É só dor
diz o medo
É desesperado
diz a inteligência
É o que é
diz o amor

É ridículo
diz o orgulho
É inconsequente
diz o cuidado
É impossível
diz a experiência
É o que é
diz o amor

(tradução de Ricardo Domeneck)

:

Was es ist
Erich Fried

Es ist Unsinn
sagt die Vernunft
Es ist was es ist
sagt die Liebe

Es ist Unglück
sagt die Berechnung
Es ist nichts als Schmerz
sagt die Angst
Es ist aussichtslos
sagt die Einsicht
Es ist was es ist
sagt die Liebe

Es ist lächerlich
sagt der Stolz
Es ist leichtsinnig
sagt die Vorsicht
Es ist unmöglich
sagt die Erfahrung
Es ist was es ist
sagt die Liebe



§

Texto em que o poeta celebra
o amante de vinte e cinco anos


.........................a Jannis Birsner

Houve
guerras mais duradouras
que você.
Parabenizo-o pelo sucesso
hoje
de sobreviver a expectativa
de vida
de uma girafa ou morcego,
vaca
velha ou jiboia-constritora,
coruja.
Penguins, ao redor do mundo,
e porcos,
com você concebidos, morrem.
Saturno,
desde que se fechou seu óvulo,
não
circundou o Sol uma vez única.
Stalker
que me guia pelas mil veredas
à Zona,
engatinha ainda outro inverno,
escondo
minha cara no seu peito glabro.
Fosse
possível, assinaria um contrato
com Lem
ou com os irmãos Strugatsky,
roteiristas
de nossos dias, noites futuras;
por trilha
sonora, Diamanda Galás muge
e bale,
crocita e ronrona, forniquemos.
Celebro
a mente sob os seus cabelos,
ereto,
anexado ao seu corpo, o pênis.
Algures,
um porco, seu contemporâneo,
chega
ao cimo de seu existir rotundo,
pergunto,
exausto em suor, se amantes,
de cílios
afinal unidos, contam ovelhas
antes
do sono, eufóricas e prenhas.



Ricardo Domeneck. Modo de Usar & Co., número 2, 2009.


§


Texto em que o poeta sente-se impelido a dizer a Jannis Birsner em Zurique o que Frank O´Hara quis dizer a Vincent Warren em Nova Iorque

.............. "which is not going to go wasted on me which is why I’m telling you about it"
........................................................... Frank O´Hara, Having a coke with you


Caminhar com você por Zurique
num domingo de chuva e com fome
é tão melhor que um dia qualquer
de sol algures, com outros
ou hipernutrido,
talvez porque você pareça
insistir neste aspecto empírico
de quem está a aquecer o planeta,
derretendo inconsequente
todas as calotas polares
como se fosse o pulôver
de mil avós
ou apenas porventura o plural
do substantivo “sol”,

talvez ainda porque ali andemos
até ao acaso dar de cara e ancas
com a estátua de Marino Marini
mencionada no poema de O´Hara,
ou, esquecendo por completo DADA
por estar mais atento à sua bunda,
surpreender-me como se fora 1916
ao adentrar a Spiegelgasse
e passar todo casual e causal
pelo prédio que abrigou o Cabaret Voltaire,
o que então visitamos espantadíssimos
para descobri-lo mera loja de souvenirs,
e nem o “Karawane” de Hugo Ball
ou a caravana de axilas dos turistas ao redor

me distraem do seu nariz e nuca,
pois é tão Júpiter você, moço,
enquanto eu mero me regalo
e contento em órbita irregular
como uma sua lua, Temisto
ou certa Carpo,
e visito seu rosto
com o zelo e o temor
de carteiros obrigados
a seguirem suas rondas
de entrega das cartas mesmo
após uma noite de bombardeios
para talvez encontrarem não
endereços, mas escombros,

e eu penso tudo
isso mas nada
digo pois você detesta
declarações públicas,
destarte escrevo este texto
na língua de que nem sílaba
você domina,
esta língua
que é meu sistema de signos
e também com o que o lambo,
língua em que “vontade”
é-me ao mesmo tempo
aquilo que impera
e aquilo que implora.






(Poema iniciado na cabeça em Zurique,
terminado no papel em Berlim, agosto de 2010)


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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Poeminha recentíssimo, bem cheio de adjetivos, mas porque foram necessários, queridos, sem querer irritar os concisos com siso

O acordeonista da Catedral de Bruxelas

De Bruxelas eu
esperava tudo, talvez
a reprise
do que ali já vivera,
uma noite ao lado
de Jey Crisfar,
chuva e cansaço,
conversas com taxistas
e árabes, mas não
este acordeonista
loiro de 20 anos
diante da Catedral,
sim, a de Bruxelas,
acordeonista loiro e imberbe,
alto e imundo,
a quem doei 2 euros
num excitativo segundo de tacto
entre sua mão e meus dedos fechados
abrindo-se em bojo sobre sua palma,
após fazer com a visão
o rodízio contemplativo e luxurioso,
alternando o foco dos olhos
entre a catedral imberbe e loira
e o acordeonista alto e imundo,
a quem ensaiei, por 20 minutos
que mais pareceram seus 20 anos,
perguntar seu nome, quiçá filmá-lo
com a câmera que deixara
no Berlimbo,
ou imaginá-lo fotografado em série
por Adelaide Ivánova,
Heinz Peter Knes
ou qualquer fotógrafo
íntimo que me cedesse
os direitos autorais
desta imagem loira,
imunda,
para que eu de alguma forma
possuísse
este acordeonista imberbe e alto
em seus 20 anos,
a quem então batizo
em minhas glândulas
e passarei a chamar de Loïc
ou quem sabe Guillaume
pelo resto dos meus dias
após falhar em criar os colhões
de pedir seu nome,
e é assim, sr. Loïc ou Guillaume
aos 20 anos imundo e acordeonista,
que a você eu dedico
diante da alta e imberbe
Catedral de Bruxelas,
estes 2 euros
e uma ereção.



Ricardo Domeneck. Bruxelas, 8 de outubro de 2010.

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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Um filme sobre a escrita e sobre o silêncio de Friederike Mayröcker



Fui ontem ao cinema com minha querida Odile Kennel, para a pré-estreia do filme Das Schreiben und das Schweigen (A escrita e o silêncio), de Carmen Tartarotti, feito ao longo de dois anos de entrevistas e filmagens com a poeta austríaca Friederike Mayröcker, nascida em Viena em 1924. Mayröcker é frequentemente descrita como a Grande Dama da Poesia Germânica Contemporânea, e é um dos meus poetas favoritos ainda vivos neste espaço linguístico.

O filme é bastante delicado ao adentrar a casa e a intimidade da poeta octogenária, e trata-a com grande respeito, sem tentar exotizá-la ou exagerar as idiossincrasias que ela inegavelmente tem. Vivendo em um velho apartamento vienense, reclamando do exagero de sol em Viena (!!!), é engraçado observar o caos de papéis por todos os lados.



Trailer (bastante minimalista) do filme Das Schreiben und das Schweigen, sobre Friederike Mayröcker.


O filme é também muito terno ao tratar de sua relação com o poeta Ernst Jandl (1925 - 2000), seu finado marido. Jandl e Mayröcker formaram um dos mais famosos casais de poetas dos países germânicos, mas sem as tragédias, por exemplo, de um casal como Ted Hughes e Sylvia Plath. Na verdade, Ernst Jandl e Friederike Mayröcker foram abençoados com aquele mistério cósmico do amor correspondido, e foram poetas que viveram felizes, mesmo que não para sempre, já que Jandl infelizmente faleceu já há uma década. O único sofrimento que ela descreve no filme foi o do ostracismo que eles sofreram como poetas no início de suas carreiras. Isso, no entanto, é realmente passado. Os dois são hoje nomes importantíssimos e reconhecidos. Ainda que Friederike Mayröcker ainda seja considerada por muitos uma poeta hermética e difícil, Ernst Jandl tornou-se, ao lado de Erich Fried, um dos poetas mais populares da língua, especialmente por sua pesquisa no campo da poesia sonora.


Vídeo em que Ernst Jandl vocaliza seu famoso poema sonoro "schtzngrmm".


Abaixo, deixo vocês com a postagem sobre Friederike Mayröcker que preparei para a Modo de Usar & Co.. É hora do Brasil também descobrir esta Grande Dama da Poesia Contemporânea, germânica e mundial.


Friederike Mayröcker nasceu em Viena, Áustria em 1924. Seus primeiros textos publicados surgiram na revista Plan, a partir de 1946. Manteve um diálogo com os poetas do Grupo de Viena mas não se filiou ao grupo. Conhece em 1954 o poeta Ernst Jandl, com quem viveria até a morte deste no ano 2000. Seu trabalho afasta-se muitas vezes da sintaxe normativa. Alguns de seus livros de poemas mais importantes são Tod durch Musen (1966) e Winterglück (1985). Está entre os poetas vivos mais respeitados da língua, e recebeu o prestigioso prêmio Georg Büchner em 1991. A editora Suhrkamp publicou seus Poemas Reunidos (Gesammelte Gedichte) em 2004. Friederike Mayröcker vive em Viena.




Às vezes por quaisquer movimentos
acidentais
roça minha mão sua mão o dorso de sua mão
ou meu corpo enfiado em roupas encosta-se quase sem saber
um piscar-de-olhos em seu corpo de roupa
estes minúsculos movimentos quase vegetais
seu olhar de ângulos e suas pupilas de propósito
vagam no vazio
sua pergunta logo de início interrompida aonde você
viaja no ver
ão
o que você está lendo
atravessam-me o peito em cheio
e através da garganta como uma doce faca
e eu resseco por completo como um po
ço num verão escaldante


Manchmal bei irgendwelchen zufälligen
bewegungen

streift meine Hand deine Hand deinen
Handrücken
oder mein Körper der in Kleidern steckt lehnt fast ohne es zu wissen
einen Augenblick gegen deinen Körper in Kleidern
diese kleinsten beinahe pflanzlichen Bewegungen
dein abgewinkelter Blick und dein Auge absichtlich ins Leere
wandernd
deine im Ansatz noch unterbrochene Frage wohin fährst du im Sommer
was liest du gerade
gehen mir mitten durchs Herz
und durch die Kehle hindurch wie ein süszes Messer

und ich trockne aus wie ein Brunnen in einem heiszen Sommer


§§§


a uma papoula em meio à urbe

de meus crânios brota
a pirotecnia das lágrimas, o
lilás enferruja-se, o ligustro
sopra, a camuflagem do verão sugere temporais -
coroa-de-espinhos fecunda o campo, os
estorninhos caem, mosquitos
zunem em meio às sar
ç
as, a
florada murcha duma
nuvem coroada de cerejas
esverdilhas -
incluindo heráldicas águias-bicéfalas
em relevo - retratos em cerâmica rubra - esfarela-se
o muro do cemitério
apoiado apenas na sempre-viva
hera -
ao vento vertical quilhágil
páira
meu peito falconiforme a pupilar presas

an eine Mohnblume mitten in der Stadt

aus meinen Köpfen sprieszt
das Feuerwerk der Tränen, der
Flieder rostet, der Liguster
weht, die Camouflage des
Sommers läszt Gewitter ahnen -
Wolfsmilch besamt die Flur, die
Stare fallen, Mücken
flirren im Dorngebüsch, das
abgewelkte Blühen einer
Wolke von erbsengrüner Kirschenfrucht
gekrönt -
samt aufgeprägten kaiserlichen
Doppeladlern - Portraits auf roten Ziegeln - bröckelt
die Friedhofsmauer ab
gestützt nur noch von immergrünen
Efeuranken -
im Aufwind flügelschlagend
steht
raubvögelgleich mein Herz nach Beute äugend


§§§


Preferível viajar no pensamento, Hokusai
às costas, ou sob a lâmpada,
caminhar ao pé do Fuji e lançar o olhar
sobre o pico nevado, as sete-léguas
molhadas, geladas, a gola enrugada.
Como, eu pergunto, exploração duma distância
com os próprios pés, como, eu pergunto, experiência duma distância
com os próprios olhos. Como conciliar sede da distância
com sedentariedade. Como, pés e olhos,
tristeza e vontade.


Lieber in Gedanken reisen, Hokusai
auf dem Rücken, oder unter der Lampe,
laufen zu Füszen des Fuji und blicken hinauf
zu verschneiter Spitze, die Schnürstiefel
feucht und kalt, die Halskrause welk.
Wie, frage ich, Erkundungen einer Ferne
mit den eigenen Füszen, wie, frage ich, Erfahrungen einer Ferne
mit den eigenen Augen. Wie Sehnsucht nach Ferne
mit Seszhaftigkeit vereinen. Wie, Fusz und Auge,
Träne und Lust.

§§§


Lobo / como um lobo / ele diz


lobo como um lobo você
ficou cara e focinho de lobo pen-
sativo e inclinada a cabeça, cabeça
da matilha
, a imagem gerou sua
metamorfose em lobo também dissolvido, não
tanto loba, lobo! também irmão irmão qual lobo,
lebréu, sentado com a cabeça inclinada
sobre o peito, um lobo não sei
pareado com corpulência
felpuda-pensativa (longânima?) cabeça: peso
peludo suspenso, lupina-
mente você olha você senta-se um tanto
corcunda lupina a nitidez!, e
impiedoso a tremer ossos enlutado
de sulcos, isto fez de mim também todo
extinto
,


Wolf / wie ein Wolf / sagt er

Wolf wie ein Wolf du siehst
darauf aus wie ein Wolf nach-
denklich mit gesenktem Kopf, Kopf-
tier, das Bild hat dich in einen
Wolf verwandelt auch aufgelöst, nicht
so sehr Wölfin, Wolf! auch Bruder Bruder Wolfs-
hund, mit dem Kopf auf die Brust
gesenkt sitzend, ein Wolf ich weisz
nicht gepaart mit struppig-nachdenklicher
Korpulenz (nachsichtig?) Kopf : behaartes
Gewicht nach unten, wolfs-
mäszig du siehst du sitzt ein wenig
zusammengesunken wölfisch die Schärfe!, und
gnadenlos knochenschüttelnd von Gullies
umflort, das hat mich auch ganz
verstorben,


Poemas de Friederike Mayröcker, traduções de Ricardo Domeneck.

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terça-feira, 12 de outubro de 2010

Uma performer islandesa na SHADE inc: Berglind Ágústsdóttir

Berglind Ágústsdóttir

A convidada especial desta quarta-feira na SHADE inc, para aquilo que chamamos de midnight session (que é a parte mais Cabaret Voltaire do nosso evento, evento que logo descamba para uma festa bêbada), é a performer/cantora islandesa Berglind Ágústsdóttir.



("husid a antmannstignum", da islandesa Berglind Ágústsdóttir)


Tenho mantido contacto à distância com ela há alguns meses, e há tempos queríamos fazer algo juntos. Ela já colaborou com bons amigos meus na Islândia, o duo Hellvar (a cantora Heida Eiríksdóttir e o músico Elvar Saevarsson), que já musicou e vocalizou um texto meu.



(Berglind Ágústsdóttir em colaboração com o duo Hellvar, ao vivo em Berlim)


Bom, vou fazer o quê? Eu tenho uma queda por islandeses...

Completando a noite, DJ sets do italiano Massimiliano Pagliara, do canadense Dickey Doo e dos meninos berlinenses do A-Team (Jacob Bauernfeind e Carl Luis Lange).



("poppvisur", da Berglind Ágústsdóttir)

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domingo, 10 de outubro de 2010

Um brasileiro em uma bienal internacional de poesia

Estive na semana passada em Liège (parece que em português a cidade se chama Lieja), na Bélgica, entre os dias 7 e 9 de outubro, participando da XXVI Biennale Internationale de Poèsie, sediada pela Université de Liège, na região conhecida como Valônia. Foi um daqueles convites que me surpreendem de quando em quando, especialmente vindo de um evento tão oficial. De qualquer forma, o adjetivo "internacional" mereceria uma qualificação: tratava-se de um encontro, digamos, internacionalmente francófono. Havia poetas de várias partes do mundo, mas pelo que notei, com a exceção de uma inglesa, uma japonesa e um iraquiano, em sua maioria eram poetas que escreviam em francês, vindo da França, Bélgica, Haiti, Argélia, Marrocos, ou mesmo de países como o Líbano e a Romênia. Senti-me um tanto isolado com meu português/inglês/alemão. Além disso, a idade média dos poetas convidados parecia beirar os... 60 anos, com as exceções da franco-romena Linda Maria Baros, nascida em 1981 (às vezes eu me pergunto qual a porcentagem de romenos que realmente escrevem em romeno); meu querido Antoine Wauters, poeta belga que pude conhecer pessoalmente após uma longa correspondência, também nascido em 1981; e Samira Negrouche, poeta franco-argelina nascida em 1980 e que eu já havia conhecido no Festival de Medana, na Eslovênia, em 2008. Foi, de qualquer forma, uma experiência muito legal. Confesso não ser um visitante tão assíduo da poesia em língua francesa, não da maneira como habito as poesias em língua portuguesa, inglesa e alemã, e foi também interessante conviver com alguns poetas mais velhos, pertencendo a tradições por vezes distantes. Havia certamente uma porcentagem de "poetas institucionais", aqueles velhos acadêmicos que vivem de academia em academia, mas havia também vários poetas muito interessantes, que foi um prazer descobrir.

O grão-senhor do evento parecia ser o libanês Salah Stétié. Nascido em Beirute em 1929, durante o mandato francês do país, ele é, segundo minha querida Samira Negrouche, um dos mais importantes poetas árabes contemporâneos. Stétié escreve, porém, em francês, não em árabe, como foi também o caso, por exemplo, do grande poeta argelino Mohammed Dib ‎(1920–2003). Foi interessante observar a reverência com que ele foi tratado durante o evento. Um cavalheiro, pude conversar um pouco com ele (fomos apresentados por Samira), e dividir uma mesa de debates na sexta-feira pela manhã.


Apresentando minha intervenção ao debate "O poeta é/e sua língua", com Salah Stétié à mesa, ao fundo da foto.


Reproduzo abaixo um pequeno poema lírico do libanês:

Les Conversants
Salah Stétié

Nous avons donc parlé sous la tonnelle
De la diversité concertante des anges
Des fourmis affairées dans le jardin
Où l’eau brillait parmi ses catégories
Jusqu’au lointain des cruches

La poésie dormait dans ses racines d’arbre
Depuis l’antiquité comme une jeune fille
Agrippée au désastre de la parole
Pour ce naufrage où la terre est consolatrice

La terre était l’enfant de nos viscères
Où déjà des fleurs de formaient préparant
Notre silence vide le plus intime
Sous le ciel dur invisiblement défait
Par la mêlée des grues et des nuages



Outros dois encontros que renderam conversas muito enriquecedoras, e que me deixaram feliz:

§ - com o poeta iraquiano Salah Niazi (n. 1935), o tradutor para o árabe de trabalhos como Macbeth e Hamlet, além do Ulysses (1922), de James Joyce, num volume publicado em Damasco, na Síria, há dois anos. Conversamos longamente sobre traduzir Joyce para o árabe, sobre democracia no Iraque, sobre poesia brasileira.

§ - e com o "trovère valão", como ele foi apresentado pelo diretor do festival: o poeta belga Julos Beaucarne (n. 1936). Um de seus assuntos mais queridos parece ser seu amor pela língua valona, ou o valão.




Após a conversa e debate de que participei, uma senhora veio conversar comigo, dizendo que era teatróloga, que havia gostado de minhas intervenções, e que algumas das coisas que eu disse, ilustradas por meu jogo de palavras com o vocábulo francês langue e o vocábulo inglês lung, a tinham feito pensar em Valère Novarina (n. 1947), o que tomei como grande elogio. A quem interessar, reproduzo abaixo minha consideração inicial no debate:

The poet is/and his language
Ricardo Domeneck


What most calls my attention in the proposed title of this roundtable is not so much its nouns, the poet or the language, but that possessive pronoun linking them, its concepts of possession and belonging.

The idea of possessing a language tantalized the Brazilian intellectuals and writers since our first Romantic poets in the XIX century, and creating a Brazilian poetic language was one of the most obsessive objectives of the Brazilian modernists in the 1920s. Linguistic nationalism among Romantic or Modernist poets is of course not a Brazilian privilege or disease, depending on the perspective. North American poets like Walt Whitman and William Carlos Williams were also greatly preoccupied with the creation of an American prosody for their poetic language. Other pairs in the Romantic & Modernist movements could be found in other countries, Pushkin and some of the Russian futurists, or among German poets of the Sturm und Drang and Expressionism. The Portuguese modernist poet Fernando Pessoa once wrote that the Portuguese language was his nation. I find it compelling that he did not write that “the poetic language” was his nation, but chose to inhabit a collective language, one officially spoken throughout his country. The idea of a national language doesn´t interest me, but the implications of his statement, which could also then be read as a refusal to make a clear difference between the poet´s language and that of his readers.

I would like to address these two possible readings of our title today, “the poet is / and his language”:

§ - the idea of a national language to which a poet would belong;

§- and a poetic language, inherently different from the common language, a language that the poet alone would therefore possess.

Rosmarie Waldrop, a poet who emigrated from Germany to the United States when she was 20 years old, and started writing in American English in the 1970s, once stated that she spoke both German and English with a “foreigner´s accent”, and that this fact liberated her from the illusion of ever being a “master of one language”. As a Brazilian poet living in Germany, writing in the language of my mother, which we could call Brazilian Portuguese, but also writing in what I call “the language of the Empire”, American English, this statement has always touched me in its frankness and humility, the desire not to “master a language”, not to possess, but maybe simply to belong to it. Later, reading Wittgenstein, who would become central in my language thinking, I was thrilled to discover his notion of “language games”, with the possible implications of no separation or essential difference between the language of the poem and the language I am using right now to exchange thoughts with you. What we would have is then the different games and uses for this organism or system of tools that we call "language". The verb “to use” is very important to this notion. In Brazil, I edit a magazine with three other poets, Angélica Freitas, Fabiano Calixto and Marília Garcia, a magazine we call
Modo de Usar & Co., something like “How To Use & Co.”, trying to investigate the poetic language through the idea of textuality, a text conscious of its artifices, thinking of the poet´s language as a site of intervention, the place where public and private meet, where he or she tries to achieve an ethical relationship between the individual and the collective, between own and other. The poetic language as a bridge between dualities and extremes, remembering how often these dualities have caused wars and massacres, especially when it deals with ideas and (mainly) ideals of national/local and alien/foreign. In this realm, the only thing the poet possesses is not a langue or language, but his lungs, inhaling and exhaling air for the production of concrete sounds (and its signs and letters) with the mission of uniting, not dividing. The language uses / with her poets.


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terça-feira, 5 de outubro de 2010

Poema inédito em livro, com título longuíssimo e todas as minhas obsessões recorrentes, que talvez irrite, mas só quem já estava irritado

Em 2008, quando a língua portuguesa foi o foco do Festival de Poesia de Berlim, com poetas do Brasil, Portugal e países lusófonos da África, alguns de nós fomos convidados a gravar poemas para o portal Lyrikline, que se dedica a registrar leituras de poemas nas próprias vozes de seus autores, armazenando ainda traduções para os textos em várias línguas. Pediram que selecionássemos poemas que tinham pelo menos tradução para o alemão, por isso concentrei-me em poemas do livro Carta aos anfíbios (2005) e do livro a cadela sem Logos (2007), mas incluí alguns inéditos que tinham sido traduzidos especialmente para o festival. Entre eles, havia dois poemas que naquela época eram importantes para mim, pois eu sentia neles uma espécie de momento de transição no meu trabalho. As obsessões estavam todas ali, mas surgindo de outra forma. Um deles alguns de vocês talvez conheçam, chama-se "Mula", foi publicado no primeiro número impresso da Modo de Usar & Co., e já foi também lindamente musicado/vocalizado pelo duo Tetine:


"Mula" (2007)
Texto de Ricardo Domeneck.
Voz e composição do Tetine.
Vídeo de Eugen Braeunig.

O outro poema chama-se "Texto em que o poeta medita sobre a fuga inexequível da História como turista em Budapeste, Hungria", e é quase exagerado na forma como tentei concentrar nele toda a minha obsessão com a historicidade poética. Iniciei-o mesmo em Budapeste, quando lá estive em 2007, apresentando-me como DJ. Fiquei alguns dias na cidade, lendo seus poetas (como Miklos Radnóti), perambulando, escrevendo. Tem muitas das características dos poemas do livro Sons: Arranjo: Garganta (2009), a composição e encadeamento altamente paratáticos, o sequestro de elementos da tal de Cultura, seja pop ou não, mas da mesma maneira que um poeta romântico do século XIX teria usado a tal de Natureza. Não é apenas um poema sobre a historicidade poética. É um poema à historicidade poética, ante a historicidade, até a historicidade, após a historicidade, com a historicidade, mesmo contra a historicidade, mas também da historicidade, desde a historicidade, na historicidade, entre a historicidade poética e algo outro, para a historicidade, perante a historicidade, pela historicidade, sob a historicidade, sobre a historicidade, atrás/de trás/por trás da historicidade poética. Só uma preposição fica de fora: sem. É tudo que depende da historicidade (saravá Walter Benjamin!), mas nunca sem ela. Não é composto por metáforas... é composto por figuras, na minha leitura pessoal do conceito da teologia cristã. Como já tentei elaborar em vários artigos e aqui o repito: conceito de figura, em minha pesquisa por uma poesia que se faz consciente de sua historicidade, FIGURA, não metáfora, talvez funcionando como metonímia, sinédoque talvez?, FIGURA, em que um acontecimento histórico liga-se a outro acontecimento histórico, prefigurando-o, dois fatos distintos e temporalmente segregados prevendo um último acontecimento que revelaria seus significados. Dito tudo isso, abaixo você tem meu poema irritante para os que já estavam irritados; porque talvez não entendam ou reconheçam minhas figuras; talvez porque acham que estou apenas name dropping para ser pop. Sei que é irritante para qualquer leitor ter que ficar googlando nomes ou fatos para "entender" algo. Compreendo, aceito. Evito quanto posso. Mas não há certas coisas que a poesia nos ajuda a descobrir? Nos ajuda a passar a saber? Este poema, por exemplo, utiliza uma figura bastante específica ao final: a da morte do poeta húngaro Miklos Radnóti. Utiliza vários elementos biográficos e poéticos, por exemplo com o fim (a morte) de Radnóti, que foi fuzilado por nazistas em 1944, mais tarde reconhecido, ao ser exumado, por encontrarem no bolso de sua camisa seus últimos poemas, ligando-o figurativamente ao fim do poema "A step away from them", de Frank O´Hara; conectando, em arco histórico, Joaquim de Sousândrade e Federico García Lorca como poetas nova-iorquinos; não são metáforas, são figuras. Ao mesmo tempo, questiono nossa composição narrativa para a História, ao unir o Twin Peaks (1990), de David Lynch, ao imperador Xerxes I da Pérsia, Heródoto e as graphic novels. O poema talvez seja difícil, chato, peço perdão por isso, mas não peço desculpas. Beijo em vossas almas por vossa paciência com minhas ladainhas. Eis o poema:


Texto em que o poeta medita sobre a fuga inexequível da História como turista em Budapeste, Hungria

Oblivion não
me assusta,
Claudette Colbert.
Evito praticar o
nado-sincronizado
no formol das evidências
fotográficas de
moi-même & myself.
Se possuísse na geografia
residência fixa em Twin Peaks,
sei que talvez os tupiniquins
elegessem os tons e timbres
de minha sinfonia de ossículos
para martelo, bigorna e estribo:
echolalaica
do silenciável
se a alfândega
rege as adegas
da anomalia.
Meus autobiógrafos
impossibilitados de
narrar meu martírio
em Montmartre,
como não houve
sobreviventes
com meu nome
em Guernica
ou Treblinka.
Em meio à hipoteca
dos meus despejos
não invoco
Hiroshima mon glamour.
Escuta aqui, Titanic:
tão Aristóteles quanto
Heródoto ou aritmético
o erótico,
todo mundo
sabe que o manual
de dança
conspira pelo decreto
dos pés
como obsoletos.
Não venha
mimetizar-me o miasma.
Qualquer Xerxes
a chicotear o mar
sabe que o olvido de Myrna Loy
não é o ouvido de Mina Loy
e Góngora não serve gôndolas
a canais de televisão, jornais
vespertinos em dia
crônico do hodierno
se é
hipótese a manhã.
Tal qual
este planeta
que aceita satélites
ou ser terceiro
em relação
a um sol
localizável mesmo
em seu espiralar
de eixo,
que não
pausa a cada
0:00
ou advoga o
stand by
do meu sono.
Buda não
é Manhattan,
feito aquele Guesa
em vertigem no Stock
Market
ou Lorca
histérico no Harlem.
Narrar o passado
é tal ginástica odisséica,
& ! que ginga, que físico
deste acrobata do empírico.
Eu aceito, sim, da totalidade
o resquício, poderia escrever
sobre Nova Iorque,
Manaus ou Poughkeepsie
mas nunca o pús nos pés
lá, isto aqui é Budapeste,
não as Ilhas Mauritius.
Hoje, ou em 1956, jamais
corresponder-se-ia
como os Poems
by Pierre Reverdy

no bolso de O´Hara,
então aceito a ladainha
da lingueta sem chave
à resistência da História
e a cartografia
inelegível, o mundo.
Sim, Budapest não é New York
& meu miocárdio está no bolso:
pocket book de Miklos Radnóti.

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sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Apropriação e paródia: postagem ilustrativa

Convites e cartazes mensais de nosso evento às quartas-feiras, SHADE inc, iniciado em abril de 2010, para substituir a antiga Berlin Hilton. O conceito para os cartazes e convites segue a apropriação, reencenação e paródia de imagens fotográficas conhecidas do século passado, da arte ou do fotojornalismo. Concebidos e produzidos pelo coletivo SHADE (em ordem alfabética: Daniel Reuter, Niklas Goldbach, Oliver A. Krüger, Ricardo Domeneck e Viktor Neumann), e então fotografados em geral por N. Goldbach ou D. Reuter, com a exceção da foto de outubro, feita por André Simonow a partir de nosso conceito. Não escapará, mesmo aos olhos menos sagazes, certa política queer à maneira como algumas das fotos foram reencenadas e parodiadas. Mas elas não têm discursos prontos esgueirando-se por trás delas... são, no fim, um sorriso cúmplice com algumas pessoas, as que têm senso de humor.

Clique nas imagens para aumentá-las.


Outubro de 2010. Concebido pelo coletivo SHADE, fotografado por André Simonow.



Para quem não reconhece a foto, veja a original, sobre a performance-protesto conhecida como "Bed-In", de Lennon e Ono, aqui. Na foto: Lukas Juretko e Akim.

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Setembro de 2010. Concebido pelo coletivo SHADE, fotografado por Niklas Goldbach.



Para quem não reconhece a foto, veja a original, autorretrato de Herbert Bayer quando ainda estudante da Bauhaus em 1932, aqui. Na foto: Jannis Birsner.


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Agosto de 2010. Concebido pelo coletivo SHADE, fotografado por Daniel Reuter.




Para quem não reconhece a foto, veja a original de Francesco Scavullo, retratando o ícone warholiano Joe Dallesandro, aqui. Na foto: André Scheffler a.k.a. Andre Lange.

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Julho de 2010. Concebido pelo coletivo SHADE, fotografado por Daniel Reuter.




Para quem não reconhece a foto, veja a original de Alfred Eisenstaedt aqui. Na foto: Niklas Goldbach e Viktor Neumann.


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Junho de 2010. Concebido pelo coletivo SHADE, fotografado por Niklas Goldbach.





Para quem não reconhece a foto, veja a original de Diane Arbus aqui. Na foto: Ricardo Domeneck.

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Maio de 2010. Concebido pelo coletivo SHADE, fotografado por Niklas Goldbach.




Para quem não reconhece a foto, veja a original de Man Ray aqui. Na foto: Lorcan Leather-barrow.


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Abril de 2010. Concebido pelo coletivo SHADE, fotografado por Niklas Goldbach.





Para quem não reconhece a foto, veja a original, imagem famosa da vitória americana em Iwo Jima feita por Joe Rosenthal, aqui. Na foto: Philipp Sapp, Ricardo Domeneck, Viktor Neumann e Oliver A. Krüger.

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