terça-feira, 31 de julho de 2012

Heinrich Heine aporta na língua portuguesa



O artigo abaixo é uma versão expandida do que publicara na Modo de Usar & Co., preparado no ano passado para a Deutsche Welle, mas infelizmente aos editores o texto pareceu especializado demais para a publicação. Entre tentativas de reescrever o texto sem bater a cabeça no teto, o gancho do lançamento passou e o texto acabou aprisionado em meu disco rígido. Publico-o agora aqui porque, ao lado da tradução integral de Dirceu Villa para o Lustra (1916), de Ezra Pound, o lançamento destas traduções inteligentíssimas de André Vallias para poemas do alemão me pareceu um dos grandes acontecimentos literários do ano passado. Estaria, certamente, também em minha lista de acontecimentos mais que felizes desde o início do século.

Heinrich Heine aporta na língua portuguesa



Para o debate literário no Brasil, o país que o crítico de arte Mario Pedrosa teria declarado estar “condenado à modernidade”, a publicação desta que é a maior antologia já dedicada ao trabalho de Heinrich Heine (1797 – 1856) em língua portuguesa traz alguns elementos mais que frutíferos. Talvez o mais interessante seja a discussão sobre o papel de Heine na fundação do que chamamos de nossa modernidade, aquela que já foi declarada morta, por uns, e ainda reinante por outros, especialmente a partir da contribuição de teóricos como Haroldo de Campos para a discussão sobre o conceito de pós-modernidade a partir de sua elaboração do que chamou de “poema pós-utópico”. É natural, para um país até pouco tempo tão francófilo quanto o Brasil, que a discussão sobre a nossa modernidade poética tenha seguido a teoria da paternidade concedida a poetas franceses, sejam eles Charles Baudelaire, Arthur Rimbaud ou Stéphane Mallarmé. A guinada anglófila que o país tem experimentado nas últimas décadas trouxe autores como Walt Whitman, Emily Dickinson e Edgar Allan Poe para o panteão, mas a presença da literatura germânica no Brasil permaneceu ilhada, de certa forma, ainda que Heine tenha sido traduzido por autores do calibre de Machado de Assis e Manuel Bandeira, ou a relação de Mário de Andrade com a língua e cultura alemãs, que emerge no romance Amar, Verbo Intransitivo (1927), em artigos como “Teutos mas músicos”, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 1939, ou mesmo no título de um de seus mais conhecidos livros de poemas, Losango Cáqui, ou, Afetos militares de mistura com os porquês de eu saber alemão (1926).

Para uma discussão que gira tão fortemente em torno da modernidade como ruptura, mesmo com a intervenção de Octavio Paz no texto “Tradição da ruptura”, a conexão de Heinrich Heine à tradição medieval de autores como Walther von der Vogelweide, seu embasamento poético na tradição oral alemã, que ecoaria no século XX em autores como Brecht e Artmann, pode levar nosso debate a uma apreciação do que a modernidade tem de continuidade e religação a tradições desprestigiadas do passado. Neste aspecto, as excelentes traduções de André Vallias para este volume, HEINE, HEIN? – Poeta dos contrários (São Paulo: Perspectiva, 2011), estabelecem também na poética moderna brasileira sua ligação com a tradição medieval dos trovadores e com a cultura oral da poesia brasileira. 

Pois Vallias mostra-nos Heine, cantor popular, pelas lentes da própria cultura poético-musical brasileira, fazendo por vezes que textos do autor alemão ecoem em nossa memória afetiva de brasileiros, tão marcada por textos de autores como Noel Rosa e Lupicínio Rodrigues. Este Heinrich Heine, tanto como um dos pais desta nossa última modernidade, quanto como poeta dos mais populares na Alemanha desde a publicação de seu Buch der Lieder, se nos afigura extremamente contemporâneo em sua quebra da dualidade entre cultura erudita e popular. Parece-me um dos feitos implícitos mais entusiasmantes desta empreitada do poeta e tradutor paulistano, que tem mantido na poesia contemporânea brasileira uma ponte desimpedida com a poesia alemã através de traduções também de um poeta como o austríaco Georg Trakl.

Heinrich Heine nasceu em Düsseldorf, Alemanha, em 1797, e morreu em Paris em 1856. Chamado ao mesmo tempo de "último Romântico alemão" e de superador e transformador do Movimento, a obra de Heinrich Heine mostra-se como exemplo perfeito do que Ezra Pound diria sobre a poesia de qualidade: pode ser ignorada e desprezada por décadas ou séculos, mas cedo ou tarde um leitor, sem ter que ser subornado, a encontrará em uma estante e a colocará novamente em circulação. Como o próprio tradutor escreveu: 

“HEINE – poeta, escritor, jornalista e pensador (nascido Harry, em 1797; batizado Heinrich, em 1825; falecido Henri, em 1856) – foi uma das personalidades mais fascinantes e contraditórias do século XIX. Aluno do crítico, tradutor e teórico da literatura August von Schlegel, do linguista e sanscritólogo Franz Bopp e do filósofo Georg Hegel, ascendeu dos salões literários de Berlim à efervescente metrópole parisiense – onde conviveu com Balzac, Alexandre Dumas, Chopin, George Sand, Berlioz, barão de Rothschild, Théophile Gautier, Franz Liszt, Gérard de Nerval, entre outros – para se tornar o primeiro artista e intelectual judeu-alemão de ampla repercussão internacional. Influenciou tanto Karl Marx, de quem foi grande amigo, quanto Friedrich Nietzsche e Sigmund Freud, para ficarmos apenas entre os baluartes da Modernidade, palavra que, por sinal, ele próprio introduziu no vocabulário, num de seus caleidoscópicos Quadros de viagem que lhe catapultaram para a fama em meados da década de 1820. Em 1827, publicou uma das mais bem-sucedidas coletâneas de poesia do Ocidente, o Livro das canções.”

Com 544 páginas, HEINE, HEIN? – Poeta dos contrários traz uma boa introdução de André Vallias sobre o tempo e trabalho do poeta judeu alemão, 120 poemas em edição bilíngue, dois longos excertos do livro Ludwig Börne – Um memorial e cerca de 50 fragmentos extraídos de outras obras em prosa e de sua correspondência. A imprensa brasileira, num momento raro de aparente vigília, tem chamado a atenção para a importância desta publicação no País.

No Brasil, algo que refletiu a tendência de muitos outros países, sempre se deu mais atenção crítica ao que eu chamaria de ala órfica da tradição poética germânica, com poetas como Hölderlin e Novalis, ou, no século XX, a de Rilke e Trakl (esta, distinta da maior parte da poesia expressionista), assim como a de Paul Celan e Ingeborg Bachmann no pós-guerra. Isto talvez explique um pouco o fato de que só agora, em 2011, a obra de Heine receba uma antologia tão abrangente em língua portuguesa, pois Heine é um dos grandes representantes do que poderíamos chamar de ala telúrica da poesia germânica, da qual foi certamente uma espécie de mestre central, mantendo-a viva e equilibrando-se entre a obra dos minnesänger (a versão germânica do trovador medieval), como o já mencionado Walther von der Vogelweide (1170 – 1230), a poesia satírica composta em latim e coligida na antologia Carmina Burana, por volta de 1230, e ainda a obra modernista de poetas como Christian Morgenstern (1871 - 1914) e Bertolt Brecht (1898 - 1956), que certamente aprendeu com as Lieder de Heine para seu trabalho dramatúrgico e de composição com Kurt Weill (1990 - 1950).

São, na verdade, fascinantes alguns dos paralelos entre Heinrich Heine e Bertolt Brecht, simbolizados de certa maneira já pelos seus anos de nascimento e morte: Heine nasce em 1797, Brecht em 1898 - um século separando-os; Heine morre em 1856, Brecht em 1956 - outro século. Entre estes dois mestres alemães e seus séculos, as obras poéticas marcadas pela tradição germânica da poesia oral e cantada, o ativismo político, a paixão pelas Revoluções de seu tempo (a Francesa para Heine, a Russa para Brecht), a resistência a nacionalismos, alguns momentos quase proféticos em suas obras antes das catástrofes, seus exílios forçados.

A influência da poesia de Heine pode ainda ser sentida com força no trabalho de autores do pós-guerra, como o austríaco H.C. Artmann e os alemães Helmut Heissenbüttel, Heiner Müller e Thomas Brasch, por exemplo. A poesia deste alemão judeu, tão consciente da historicidade de seu trabalho com a linguagem, está completamente marcada por seu tempo e contexto histórico, mas é, ao mesmo tempo, uma das obras poéticas mais atuais da língua alemã. Esta antologia é motivo de celebração.


--- Ricardo Domeneck

§

POEMAS DE HEINRICH HEINE
em tradução de André Vallias


Legado

A minha vida chega ao fim,
Escrevo pois meu testamento;
Cristão, eu lego aos inimigos
Dádivas de agradecimento.

Aos meus fiéis opositores
Eu deixo as pragas e doenças,
A minha coleção de dores,
Moléstias e deficiências.

Recebam ainda aquela cólica,
Mordendo feito uma torquês,
Pedras no rim e as hemorroidas,
Que inflamam no final do mês.

As minhas cãimbras e gastrite,
Hérnias de disco e convulsões –
Darei de herança tudo aquilo
Que usufruí em diversões.

Adendo à última vontade:
Que Deus caído em esquecimento
Lembre de vós e vos apague
Toda a memória e sentimento.


:


Vermächtniß


Nun mein Leben geht zu End’,
Mach’ ich auch mein Testament;
Christlich will ich drin bedenken
Meine Feinde mit Geschenken.

Diese würd’gen, tugendfesten
Widersacher sollen erben
All mein Siechthum und Verderben,
Meine sämmtlichen Gebresten.

Ich vermach’ Euch die Coliken,
Die den Bauch wie Zangen zwicken,
Harnbeschwerden, die perfiden
Preußischen Hämorrhoiden.

Meine Krämpfe sollt Ihr haben,
Speichelfluß und Gliederzucken,
Knochendarre in dem Rucken,
Lauter schöne Gottesgaben.

Codizill zu dem Vermächtniß:
In Vergessenheit versenken
Soll der Herr Eu’r Angedenken,
Er vertilge Eu’r Gedächtniß.

[1851]



§



Os anjos

Eu, incrédulo Tomé,
Já não creio na doutrina
Que o rabi e o padre ensinam:
Nesse “céu” não levo fé!

Mas nos anjos acredito,
Dou aqui meu testemunho:
Perambulam pelo mundo,
Impolutos e bonitos.

Só refuto essa bobagem
De anjo aparecer de asinha;
Sei de muitos, Senhorinha,
Desprovidos de penagem.

Com carinho e claridade,
De olho atento nos humanos,
Nos protegem, afastando
O infortúnio e a tempestade.

Amizade tão discreta
Reconforta toda gente,
Tanto mais o duplamente
Judiado, que é o poeta.


§


Die Engel

Freylich ein ungläub’ger Thomas
Glaub’ ich an den Himmel nicht,
Den die Kirchenlehre Romas
Und Jerusalems verspricht.

Doch die Existenz der Engel,
Die bezweifelte ich nie;
Lichtgeschöpfe sonder Mängel,
Hier auf Erden wandeln sie.

Nur, genäd’ge Frau, die Flügel
Sprech’ ich jenen Wesen ab;
Engel giebt es ohne Flügel,
Wie ich selbst gesehen hab’.

Lieblich mit den weißen Händen,
Lieblich mit dem schönen Blick
Schützen sie den Menschen, wenden
Von ihm ab das Mißgeschick.

Ihre Huld und ihre Gnaden
Trösten jeden, doch zumeist
Ihn, der doppelt qualbeladen,
Ihn, den man den Dichter heißt.

[1847]


§


Como rasteja devagar
O tempo, caracol horrendo!
E eu, sem poder mover os membros,
Não saio mais deste lugar.

Na minha cela sempre escura
Não entra sol nem a esperança;
Daqui, em derradeira instância,
Só me liberta a sepultura.

Quem sabe já virei defunto
E esses semblantes em cortejo,
Que à noite desfilando eu vejo,
Não são visitas do outro mundo.

Fantasmas a vagar sem corpo
Ou deuses do templo pagão,
Que adoram fazer confusão
No crânio de um poeta morto. –

A doce festa dos espíritos,
Orgia saturnal e tétrica,
Busca a mão óssea do poeta
Deitar às vezes por escrito.


:


Wie langsam kriechet sie dahin,
Die Zeit, die schauderhafte Schnecke!
Ich aber, ganz bewegungslos
Blieb ich hier auf demselben Flecke.

In meine dunkle Zelle dringt
Kein Sonnenstral, kein Hoffnungsschimmer;
Ich weiß, nur mit der Kirchhofsgruft
Vertausch ich dies fatale Zimmer.

Vielleicht bin ich gestorben längst;
Es sind vielleicht nur Spukgestalten
Die Phantasieen, die des Nachts
Im Hirn den bunten Umzug halten.

Es mögen wohl Gespenster seyn,
Altheidnisch göttlichen Gelichters;
Sie wählen gern zum Tummelplatz
Den Schädel eines todten Dichters. –

Die schaurig süssen Orgia,
Das nächtlich tolle Geistertreiben,
Sucht des Poeten Leichenhand
Manchmal am Morgen aufzuschreiben.

[1853-1854]


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SOBRE A ANTOLOGIA:

Augusto de Campos: "A obra de Heine – em particular a poética – é escassamente conhecida e difundida entre nós. Das traduções modernas de sua poesia só é possível destacar, em termos de qualidade estética – as que constam da antologia de poemas traduzidos por Décio Pignatari, 31 Poetas 214 poemas: do Rigveda a Apollinaire (Editora da Unicamp) – apenas dez textos breves. “Byroniano, Heine teria superado Byron pela finura e precisão de sua arte poética.”, é a opinião de Pignatari. Assim, HEINE, HEIN? – cujo título é uma saborosa trouvaille a enfatizar a sensação de novidade que nos traz o livro – ganha dimensões incomuns. Não só pela quantidade do material textual que o tradutor nos oferece – ao todo, 120 poemas de todas as fases de Heine – como ainda pela instigante collage de sua epistolografia e de outros textos seus, que estabelecem um contraponto informativo com a antologia poética proposta. As traduções de André Vallias têm, além disso, alta qualidade estética. Situam-se no âmbito da difícil arte da tradução poética ou da “transcriação” – expressão cunhada por Haroldo de Campos –, cujo objetivo é constituir, na língua de chegada, poemas que reproduzam o impacto e a criatividade originais. Tal empreitada, além do conhecimento das duas línguas, requer muita expertise na elaboração poética, que – dadas as características do original – tem de lidar com requintados módulos métricos e rímicos, sem perder a espontaneidade da linguagem de Heine, onde se mesclam o sermo nobilis e o coloquial-irônico. O tradutor (...) sai-se, a meu ver, com muito brilho dessa aventura literária.


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Depoimento de André Vallias

"Quando iniciei o trabalho de tradução dos poemas de Heine, há exatos três anos, conhecia muito pouco sobre o poeta e sua produção intelectual, mas sabia do grande apreço que Décio Pignatari tinha por sua obra. Esta a razão, aliada à minha admiração pelo irrequieto integrante dos “tri-gênios concretistas”, de ter dedicado a ele HEINE, HEIN?– Poeta dos contrários.

Fui traduzindo aos poucos, sem qualquer pretensão de realizar uma antologia de fôlego; no máximo algo em torno do que já havia feito com a poesia de Hölderlin e Trakl – cerca de 20 poemas, intercalados com cartas –, que publiquei em versões reduzidas na revista literária Cacto. Foi, aliás, uma dessas pequenas coletâneas – a de Georg Trakl – que levou Augusto de Campos a me propor publicação na prestigiosa coleção Signos da editora Perspectiva, por ele dirigida.

Quando me dei conta, porém, do enorme déficit de traduções para o português da poesia de Heine, e do desconhecimento geral de sua obra no Brasil, resolvi deixar o poeta austríaco esperando. Augusto acolheu a mudança com muita simpatia, lembrando-se da alta estima que Pound e Pignatari tinham pelo poeta judeu-alemão. O editor Jacó Guinsburg – que, por sinal, traduziu a novela O Rabi de Bacherach de Heine nos anos de 1950, depois incluída na antologia de contos e novelas de autores judeus Entre Dois Mundos (Perspectiva, 1967) – e sua companheira Gita Guinsburg não foram menos receptivos.

Mas o embrião deste livro, por incrível que pareça, foi um disco imaginário que intitulei Caderno dos Sambas, numa referência ao best-seller de Heine, o Livro das Canções. Explico-me: os primeiros poemas que verti para o português, da safra mais coloquial-irônica do poeta, me soaram tão parecidos com as letras do nosso cancioneiro popular – especialmente daqueles sambas das décadas de 1930 e 1940 –, que não pude resistir à tentação de imaginá-los com a melodia de nossos maiores compositores, na voz de nossos grandes intérpretes. Assim, “O mundo é tolo, o mundo é cego...” virou o samba “Disparate”, de Geraldo Pereira e Wilson Batista, na interpretação do próprio Geraldo; “Os teus beijinhos foram tantos...”, virou “Enfermaria” de Noel Rosa, cantado por Mário Reis; “As garrafas pelo chão...”, um samba de breque de Moreira da Silva; “Celimena” – testemunho do tempestuoso casamento do poeta – não pude confiar a ninguém menos que Lupicínio Rodrigues; e por aí fui, até completar 12 fonogramas fictícios. Depois, animado com a desenvoltura que havia adquirido na tradução dos versos de Heine e, ainda mais, com a repercussão entusiasmada dos primeiros e ilustres leitores dessa empreitada – os poetas Augusto de Campos e Age de Carvalho – resolvi encarar o desafio de proporcionar uma grande amostragem de sua obra tão original. Confesso, todavia, que não desisti ainda da ideia de ouvir o poeta de Düsseldorf na cadência do samba..."

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André Vallias nasceu em 1963, é poeta, designer gráfico e produtor de mídia interativa. De 1987 a 1994 viveu na Alemanha, onde foi co-curador de importantes exposições de poesia experimental, entre as quais Transfutur – poesia visual da União Soviética, Brasil e países de língua alemã (1990) e p0es1e – digitale dichtkunst (1992), primeira mostra internacional de poesia feita em computador. De volta ao Brasil, tornou-se um dos mais destacados designers da web brasileira, notabilizando-se pela criação dos sites de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Adriana Calcanhotto, Edgar Morin, entre outros. Em 2003, foi agraciado com o Prêmio Sergio Motta de Arte e Tecnologia pelo poema interativo ORATORIO. Vem publicando regularmente poemas e traduções em diversas revistas brasileiras e internacionais, como Piauí, S/N, Artéria, Et Cetera, Cacto, Roda, Cortex, Alire, Visible Language, High Quality. Contribuiu nos livros: Media Poetry: an International Anthology – Eduardo Kac (org.), Céu Acima: Para um tombeau de Haroldo de Campos – Leda Tenório da Motta (org.), Cultura Digital.Br – Rodrigo Savazoni e Sergio Cohn (org.), entre outros. Em 2007, foi co-curador da exposição POIESIS – poema entre pixel e programa (Oi Futuro, RJ) e realizou apresentações multimídia de seus poemas e traduções nos eventos Errática – Poema ao vivo (CCBB, RJ) e Poema Falado (Itáu Cultural, SP). Em 2010, apresentou-se ao lado da multi-instrumentista e performer Lica Cecato, no espetáculo Sybabelia (Oi Futuro, RJ / SESC – Pompeia, SP). É editor da revista online Errática: www.erratica.com.br


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segunda-feira, 30 de julho de 2012

Morreu o cineasta e poeta francês Chris Marker. Assista aqui a três de seus filmes.

Ontem à noite, sem saber que era o aniversário do cineasta, estava eu no aniversário de um amigo,  o DJ alemão Andre Lange, onde comecei uma conversa com outro amigo, o videoartista alemão Niklas Goldbach, sobre um conto que estou escrevendo, provisoriamente intitulado "Indiferença da pedra se obelisco ou lápide". Nossa conversa nos levou por alguns meandros e veredas, quando mencionei o filme Les Statues meurent aussi, mas não conseguia me lembrar de quem o havia feito. Quão triste foi minha surpresa quando hoje, buscando na Rede, relembrei-me que se tratava de um filme de Chris Marker em colaboração com Alain Resnais e que... o cineasta havia acabado de ter sua morte anunciada. Preparei a postagem abaixo para a Modo de Usar & Co. e a reproduzo aqui, para quem não conheça o trabalho do francês ou queira rever algum de seus filmes.




Morreu hoje o cineasta, poeta e escritor francês Chris Marker. Nascido Christian François Bouche-Villeneuve a 29 de julho de 1921, começou sua carreira na década de 40, publicando artigos e poemas na imprensa francesa. No final da década, seu único romance é lançado, Le Cœur Net (Paris: Editions du Seuil, 1949). Seu primeiro filme viria em 1952, intitulado Olympia 52, filmado nos Jogos de Inverno daquele ano em HelsinkiTornou-se mundialmente conhecido em 1962, com o filme La Jetée, que por sua vez inspiraria Terry Gilliam em seu 12 Monkeys (1995). Assim como Arthur Lipsett, já discutido aqui, o trabalho de Chris Marker é de grande interesse para o debate poético, não apenas por seus métodos compositivos no campo visual, como por sua requintada arte textual. Mostramos abaixo três importantes filmes de Chris Marker: Les Statues meurent aussi (com Alain Resnais, de 1953), em seu original francês com legendas em português; La Jetée (1962), com legendas em inglês; e o belo Sans Soleil, de 1983. Todos na íntegra.


TRABALHOS DE CHRIS MARKER


 
Chris Marker e Alain Resnais, Les Statues meurent aussi (30 minutos, 1953).

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Chris Marker, La Jetée (28 minutos, 1962).

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Chris Marker, Sans soleil (104 minutos, 1983).

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quinta-feira, 26 de julho de 2012

Outras vozes que nos faltam mas ainda nos acusam: Glauber Rocha





Tento imaginar em vertigem o que Glauber Rocha poderia estar fazendo hoje por nós se não houvesse sido desintegrado ("I saw the best minds of my generation destroyed by madness starving hysterical naked" ad infinitum) pelo infante mutante a grunhir e babar ácido-Alien pela boca e feridas entre as grades do Berço Esplêndido, suas mãozinhas já tão rechonchudas por sua gulodice canibal,  a República Punitiva do Brasil não espera que lhe abram alas. O facão sempre esteve em sua mão. Glauber Rocha nasceu em 1939 e poderia estar agora mesmo produzindo em algébrico auge aos 73 anos de idade. Se Jakobson percebeu que sua geração jamais seria perdoada pelo massacre iniciado com a morte absurda de Blok e coroando-se em sarças com a de Maiakóvski – a morte que ele especificamente vociferou como acusação naquele brilhante documento contra a destruição das melhores mentes de uma folha de calendário, seu A Geração que Desperdiçou seus Poetas, – a morte de Glauber Rocha certamente pesa em pêndulo feito foice sobre a cabeça da geração que nos legou a Trans(ai)ção Democrática. Que José Sarney ainda consuma parte do nosso oxigênio e tenha Fundação em seu nome paga com dinheiro público, enquanto o Glauber Rocha de Maranhão 66 já não seja mais sequer por desventura ossos, é apenas uma figura (como na teologia cristã) para o descalabro de nossa miséria. Não é irônico, como alguns diriam exultando-se no hackneyed-clichê, é demasiado literal. Brasileiros rebolam e sambam sobre sua própria carniça para espantar as moscas. Ouvir a frase-de-efeito ::: Desenvolvimento Sustentável ::: quando tal desenvolvimento em sua base não permite o Sustento a todos e ainda destrói o sustento dos que o têm, mostra-nos não como perdemos o bonde da História, mas como parecemos conduzí-lo. Se Josué de Castro escreveu que o mundo divide-se entre os que não comem e os que não dormem, com medo da revolta dos que não comem, a democracia contemporânea já garantiu o sonífero para todos. Quem dorme não tem fome. Quem não tem pão, que cace seu ansiolítico. Nós, poetas, já estamos dormindo.




 

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De um artigo de Noam Chomsky


Magna Carta (1215)


"With the commons no longer protected for co-operative nurturing and use, the rights of the common people were restricted to what could not be privatised, a category that continues to shrink to virtual invisibility. In Bolivia, the attempt to privatise water was, in the end, beaten back by an uprising that brought the indigenous majority to power for the first time in history. The World Bank has just ruled that the mining multinational Pacific Rim can proceed with a case against El Salvador for trying to preserve lands and communities from highly destructive gold mining. Environmental constraints threaten to deprive the company of future profits, a crime that can be punished under the rules of the investor-rights regime mislabeled as "free trade". And this is only a tiny sample of struggles underway over much of the world, some involving extreme violence, as in the Eastern Congo, where millions have been killed in recent years to ensure an ample supply of minerals for mobile phones and other uses, and of course, for ample profits." ---- do artigo abaixo, publicado hoje no Al Jazeera


 "Destroying the commons", by Noam Chomsky, on Al Jazeera 




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quarta-feira, 25 de julho de 2012

A falta que faz uma voz: dentro de um quadro pintado por Anonymous Porsche. Dedicado a Milton Santos



O Brasil, copiando sempre bem o Mundo, parece invariavelmente caminhar à beira do abismo. Pelo menos, certamente desde a Invasão Portuguesa e o genocídio que desencadeou, permitindo-nos falar agora deste conjunto de crimes com nome luzidio. À beira do abismo? Para muitos dos povos que viviam neste território, que hoje chamamos com pompa de República Federativa do Brasil, o fim do mundo já ocorreu há séculos. Um apocalipse de matança, doença (nossos pais inventaram a Guerra Biológica), tortura e escravidão que faria inveja a Hieronymus Bosch, este que tampouco vislumbrou nosso próprio Inferno hodierno, que melhor seria pintado por um possível Anonymous Porsche. A cada época, o seu terror. A nossa parece carregar o tom cínico que a pinta como puro progresso e desenvolvimento. Mas às custas de quem? De quantos? Será possível que certos canastrões do Futurismo eram mais que falsos profetas? Neste momento que parece crucial para a possível (des)instituição de uma verdadeira democracia no país; com os atos de um Governo Federal cego à destruição que está disposto a fazer sobrecair sobre povos que sobreviveram aos sucessivos apocalipses impingidos desde Lisboa, o Rio de Janeiro e agora Brasília; em atas e atos que deveriam ser inexprimíveis em seu horror e ainda assim encontram aconchego na mais burocrática e falsamente jurídica das linguagens a sair da pena dos detentores do poder judicial, legislativo, executivo e midiático nesta nossa República pós-imperial de aberrações; neste momento, nesta noite, sem saber sequer entoar um canto de guerra numa língua resistente, eu-preso a línguas colonialistas que foram usadas para tanto horror neste território ao qual ora me dirijo; eu-preso volto-me à falta que certas mulheres e homens nos fazem, mortos; insistindo porém que não se trata de glorificação do passado, pois bem sei que ainda há mulheres e homens pensando e agindo no País, e sabendo que o discurso crítico corrente, de que os grandes já estão mortos, não passa de estratégia para silenciar o pensamento dos vivos; mas hoje, com um desespero legítimo ao ler e reler textos sobre esta coisa a que foi dado o nome de Belo Monte e no qual reconheço veramente apenas o pico do iceberg ou quiçá sintoma avançado de uma distopia infernal; aqui, agora, eu peço licença aos leitores deste espaço para dedicar esta página e este momento à voz de um homem que nos deixou, e peço que façam esta dádiva a suas próprias mentes, dando um pouco do seu tempo esta noite à voz que carrega seu pensamento, o de Milton Santos, em um dos vídeos abaixo.



"Globalização: O Mundo Visto do Lado de Cá", de Silvio Tendler, com Milton Santos. 

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terça-feira, 24 de julho de 2012

"As alegrias transeuntes", poema em andamento como tudo em nossa vida nada definitiva

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"Michael com poeta ao fundo", fotografia de Adelaide Ivánova, julho de 2012.


Há cerca de duas semanas, encontrei um amigo na rua e ele perguntou como eu estava. Eu respondi que estava feliz. Ele, sabendo exatamente o porquê, retrucou: "e esta felicidade dura até quando?", ao que eu disse: "Até o dia 24 de julho".

E foi assim que hoje às 12:25, esta felicidade tão particular em sua carnadura e contexto acabou. Logo após o meio-dia – quando o sol chegara a seu cimo e começara sua descida, eu abracei talvez pela última vez (é tudo tão incerto, dissera Clarice Lispector naquela assustadora entrevista) e me despedi no aeroporto de Berlim de alguém que trouxe muita alegria à minha vida nos últimos meses. Uma dádiva, um presente. Ou, parafraseando aquela canção de Aimee Mann, alguém perfeito para quem andava precisando de um torniquete.

Algumas pessoas são tão generosas. Trazem tanto em suas mãos abertas, crendo-as vazias. É justamente a palma com seus dedos abertos o presente, não qualquer outra coisa que não nascera e crescera ali naquele suposto deserto para um mundo que só confia em mãos cheias e ocupadas. Então, é numa espécie de ação de graças ao meu semelhante que eu posto aqui, no espírito de work in progress tal como tudo em nossa vida, o poema que comecei a escrever hoje ao deixar o aeroporto com o olhos almodovaricados, e também a canção que ele cantarolava quando nos conhecemos, tão apropriada para o que nos sobreveio. Obrigado, Michael, por este compartilhado de esperança na generosidade do futuro.


As alegrias transeuntes

       a Michael Potter

A velocidade
dos fatos foi hoje
tão desnorteante
que também
desoesteou-me
dessuliu-me
desesteou-me
a 52° 31N 13° 24' E
ao carregá-lo
malas vento e cabelos
a  44° 40N63° 36W
mais justo seria
dizer que afinal
norteei-me
que o Ocidente
ora passa a ter nova
capital e estende-se
por portos que eu
até então desconhecera
que minha geografia
mental expandiu-se
como sói ser
imperialista o mapa
dos nossos lucros
e perdas ainda
que todos estes
acenos de mão
em aeroportos
pouco a pouco
venham causar-me
lesão por esforço
repetitivo eu 
me pergunto
qual o diâmetro
que percorre a dor 
que se comparte
você tão jovem
com seus doravantes
e eu já dependente
de leis com efeito
retroativo
mas sua partida
aloja outro nome 
em minha garganta
como se um estreito
repentino abraçasse 
uma península


Ricardo Domeneck, 24 de julho de 2012, a 52° 31N 13° 24' E,  poema que começou a ser escrito como o poema sobre o qual debruça-se também apenas começara a ser escrito quando teve que ser interrompido pelos eventos da vida.

§





Kiss And Say Goodbye
Kate and Anna MacGarrigle


Call me when you're coming to town
Just as soon as your plane puts down
Call me on the telephone
But only if you're travelling alone
Counting down the hours
Through the sunshine and the showers
Today's the day
You're finally going to come my way

Let's make a date to see a movie
Some foreign film from gay Paris
I know you like to think you've got taste
So I'll let you choose the time and place
Have some dinner for two
In some eastside rendezvous
Then we'll walk
Arm in arm around the block and talk

Tonight you're mine
Let's not waste time

I do believe the dice is cast
Let's try and make the night-time last
And I don't know where it's coming from
But I want to kiss you till my mouth get numb
I want to make love to you
Till the day comes breaking through
And when the sun is high in the sky
We'll kiss and say goodbye

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domingo, 22 de julho de 2012

Traduzindo Violeta Parra





Violeta Parra foi uma poeta lírica (no sentido mais completo do termo) e artista visual chilena. Membro importante e decisivo do que ficaria conhecido como La Nueva Canción Chilena, é uma das mais conhecidas e amadas poetas latino-americanas. Nasceu em San Fabián de Alico ou San Carlos a 4 de outubro de 1917 no seio da família Parra, irmã do grande poeta Nicanor Parra, da folclorista e compositora Hilda Parra, do dramaturgo Roberto Parra, e ainda do músico e escritor Lautaro Parra, sem mencionar seus filhos, alguns destes hoje também importantes músicos e compositores do país. Após o fracasso do seu projeto com a comuna de La Reina e o abandono de seu companheiro de longa data Gilbert Favre, Violeta Parra escreveu os poemas-canções do álbum Las últimas composiciones (1966), que inclui poemas líricos dolorosos como "Que he sacado con quererte?".


Deste álbum, traduzi o destruidor e desesperado "Maldigo del alto cielo", um dos mais violentos poemas-canções de abandono e desamor do século XX. Três meses após o lançamento do álbum que inclui a famosa "Gracias a la vida", outro poema-canção violentíssimo em sua ironia, Violeta Parra levou uma arma de fogo à têmpora e puxou o gatilho, em Santiago do Chile, a 5 de fevereiro de 1967, com 49 anos de idade. Abaixo, minha tradução contextualizante do poema, a canção e o original castelhano. Aos desesperados de plantão. Os desesperados e desiludidos do amor sempre fazem plantão.


§

 POEMA DE VIOLETA PARRA

Amaldiçoo no alto céu

Amaldiçoo no alto céu
a estrela e seu fogaréu,
eu amaldiçoo o corcel
e a sua crina no breu,
amaldiçoo no subsolo
a pedra e seu contorno,
amaldiçoo fogo e forno,
pois minh’alma está de luto,
amaldiçoo os estatutos
do tempo e seu modorro,
quanto durará minha dor.

Amaldiçoo Pico da Bandeira
e Mata Atlântica na costa,
amaldiçoo, senhor, a estreita
como a larga faixa de terra,
também a paz e a guerra,
o franco e o caprichoso,
eu amaldiçoo o cheiroso,
pois morreram meus anseios,
amaldiçoo todo o certeiro
e o falso com o duvidoso,
quanto durará minha dor.

Amaldiçoo a primavera
com seus jardins em flor
e do outono a sua cor,
eu o amaldiçoo deveras;
a nuvem passageira,
a amaldiçoo tanto, tanto,
pois me ajuda um quebranto.
Amaldiçoo o inverno inteiro
como o verão embusteiro,
amaldiçoo profano e santo,
quanto durará minha dor.

Amaldiçoo o peito varonil
e o berço esplêndido,
amaldiçoo todo emblema,
o Olimpo e o pau-brasil,
o mico-leão e o azul anil,
o Universo e seus planetas,
a terra e as suas cavernas,
pois me descorçoa uma tristeza,
amaldiçoo mar e correnteza,
seus portos e caravelas,
quanto durará minha dor.

Amaldiçoo lua e paisagem,
as praias e os desertos,
amaldiçoo morto por morto
e os vivos, do rei ao pagem,
a ave com sua plumagem,
os amaldiçoo como artífice,
os professores e pontífices,
pois me flagela uma dor,
amaldiçoo a palavra amor
com toda a sua porquice,
quanto durará minha dor.

Amaldiçoo enfim o branco,
o preto e o amarelo,
os bispos e os ateus,
hospitais e ministérios,
os amaldiçoo chorando;
o livre e o prisioneiro,
ao manso e ao brigão
eu jogo minha maldição,
em grego e em palavrão
por culpa de um traidor,
quanto durará minha dor.

(tradução de Ricardo Domeneck,
publicada originalmente no terceiro número impresso
da Modo de Usar & Co.)


 

§

Maldigo del alto cielo
Violeta Parra


Maldigo del alto cielo
La estrella con su reflejo
Maldigo los azulejos
Destellos del arroyuelo
Maldigo del bajo suelo
La piedra con su contorno
Maldigo el fuego del horno
Porque mi alma está de luto
Maldigo los estatutos
Del tiempo con sus bochornos
Cuánto será mi dolor.


Maldigo la cordillera
De los Andes y de la costa
Maldigo señor la angosta
Y larga faja de tierra
También la paz y la guerra
Lo franco y lo veleidoso
Maldigo lo perfumoso
Porque mi anhelo está muerto
Maldigo todo lo cierto
Y lo falso con lo dudoso
Cuánto será mi dolor.


Maldigo la primavera
Con sus jardines en flor
Y del otoño el color
Yo lo maldigo de veras
A la nube pasajera
La maldigo tanto y tanto
Porque me asiste un quebranto
Maldigo el invierno entero
Con el verano embustero
Maldigo profano y santo
Cuánto será mi dolor.


Maldigo a la solitaria
Figura de la bandera
Maldigo cualquier emblema
La venus y la araucaria
El trino de la canaria
El cosmo y sus planetas
La tierra y todas sus grietas
Porque me aqueja un pesar
Maldigo del ancho mar
Sus puertos y sus caletas
Cuánto será mi dolor.


Maldigo luna y paisaje
Los valles y los desiertos
Maldigo muerto por muerto
Y al vivo de rey a paje
Al ave con su plumaje
Yo la maldigo a porfia
Las aulas , las sacrsitias
Porque me aflije un dolor
Maldigo el vocablo amor
Con toda su porquería
Cuánto será mi dolor.


Maldigo por fin lo blanco
Lo negro con lo amarillo
Obispos y monaguillos
Ministros y predicantes
Yo los maldigo llorando
Lo libre y lo prisionero
Lo dulce y lo pendenciero
Le pongo mi maldición
En griego y español
Por culpa de un traicionero
Cuánto será mi dolor.


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sexta-feira, 20 de julho de 2012

Marius Funk, "Retro rain shower" (2012).



Marius Funk nasceu em 1986, na então Berlim Oriental. É músico, produtor, letrista, apresentador de rádio (BLN.FM) e um dos melhores DJs da cidade. É também um dos meus amigos mais queridos. Foi por dois anos DJ residente de minha festa às quartas-feiras, na qual ele aliás começou a discotecar, quando eu percebi seu incrível conhecimento musical ao encontrá-lo num clube que frequentávamos, o Scala, de Cornelius Opper. Alguns meses após começar a discotecar em minha festa, já estava recebendo convites para tocar em festivais como Melt! e Berlin Festival, assim como para apresentar seu próprio programa na melhor rádio digital da cidade. Está produzindo agora sua própria, que terá estreia em breve. Seu blogue, chamado Song Treat, é uma das melhores fontes de música nova que eu conheço, seguindo seu gosto levemente ditado pelo ambient, é claro. Este é seu mais novo mix. Deixem rolando enquanto seguem existindo ou trabalhando. É coisa pacífica e bela.



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quinta-feira, 19 de julho de 2012

Akia (Uli Buder), "Rounder" (2012)




Uli Buder, melhor conhecido como Akia, é um músico alemão, com quem já colaborei um par de vezes, como na peça "Entrañas de las soledades". Nasceu em Hoyerswerda, então Alemanha Oriental, em 1986. Fiz a foto abaixo em março, numa sessão de fotos com Heinz Peter Knes nas matas de Grünau, quando o artista alemão fotografou Akia para uma revista.



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terça-feira, 17 de julho de 2012

Zeitkunst Festival / John Cage / Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental

Exercitando-me antes dos ensaios para minha performance, 
nos jardins do palacete Gutshaus Landsdorf. 
17 de julho de 2012, foto da poeta israelense Maya Kuperman.

Deixei ontem Berlim ao lado dos poetas Johannes CS Frank (Reino Unido, 1982), Maya Kuperman (Israel, 1982) e Max Czollek (Alemanha, 1987); dos músicos Gustavo Carvalho (Brasil), Caspar Frantz e Julian Arp (Alemanha); da cenógrafa Lilly Jaeckl e do artista visual Dieter Puntigam (Áustria), a caminho da pequena vila de Landsdorf, no estado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental (Mecklenburg-Vorpommern, norte da Alemanha, às margens do Mar Báltico) para a primeira performance do festival Zeitkunst. Fundado em 2009 com a ideia de unir músicos e poetas para colaborações, o festival deste ano é inteiramente dedicado a John Cage no centenário de seu nascimento, marcando a única apresentação de música moderna dentro do tradicional Festspiel Mecklenburg-Vorpommern, dedicado à música erudita - mas em geral já "clássica", em torno de grandes BBB como Beethoven, Bach e Brahms.

O festival ocorrerá ainda em Berlim, Paris, Tel Aviv e também em cidades brasileiras como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba (no Brasil, entre 12 e 20 de novembro).

Cada um dos poetas recebeu uma peça musical de Cage para a qual deveria escrever um texto. As peças são todas dos anos 40 e início dos 50, como "Living Room Music" (1940), "A Room" (peça para piano preparado, 1943), "A valentine out of season" (peça para piano preparado, 1944), "4´33´´" (1947), "Nocturne" (1947) ou "Suite for Toy Piano" (1948).

A peça que me foi confiada era-me até então desconhecida, de sua fase inicial, a linda "In a Landscape" (1948). A peça foi composta quando Cage lecionava na lendária Black Mountain College, no estado americano de North Carolina, por onde passariam poetas como Robert Creeley e Robert Duncan, pensadores como Paul Goodman, e coreógrafos como Merce Cunningham.


In a Landscape


Category:Musical composition
Dated:Black Mountain, North Carolina, August 1948
Instrumentation:Piano or harp solo
Duration:8'
Premiere and performer(s):August 20, 1948 (with the choreography)
Dedicated to:for Louise Lippold
Choreography:Louise Lippold
Published:Edition Peters 6720 © 1960 by Henmar Press. Also published in "John Cage: Pianoworks (1935-1948)", Edition Peters 67830 © 


Nossas instruções, como poetas, eram simples: dizer e fazer o que nos importava dizer e fazer neste momento, e principalmente resistir à tentação de dizer/fazer algo cageano ou cageanamente. Os diretores artísticos do festival disseram: sejam vocês mesmos ao som de Cage. Nada me pareceria mais cageano que isso, esta liberdade.

Como nos últimos tempos minha maior preocupação e obsessão como poeta tem sido a relação humana com a história como narrativa, parti de uma ideia que me voltava sempre, a de "refutar" as últimas linhas do  texto "If I told him: a complete portrait of Picasso", de Gertrude Stein, o qual ela encerra com os versos

Let me recite what History teaches.
History teaches.

Parecia-me também apropriado invocar Gertrude Stein em um texto a ser lido com uma composição de John Cage, estes meus dois mestres queridíssimos. Meu texto, que absolutamente nada tem de steiniano ou cageano, recebe influxo maior, na verdade, de poetas públicos alemães que tenho lido muito nos últimos tempos, como Bertolt Brecht, Heiner Müller, Thomas Brasch e Hans Magnus Enzensberger, do polonês Zbigniew Herbert, a forma como estes retornam à História Clássica para falar de seu presente, e ainda a partir de minha leitura de historiadores. Estou buscando outra dicção no momento e o texto, intitulado "Deixem-me recitar o que a História ensina", segue sendo alterado ininterruptamente. 

A performance é amanhã, às 20:00. A ver o que o acaso cageano me reserva.

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sábado, 14 de julho de 2012

"Marat/Sade" (1967) - Weiss/Mitchell/Brook




Trata-se de um daqueles momentos em que tudo coopera para a criação de uma obra excepcional. O texto brilhante do dramaturgo alemão Peter Weiss (1916 – 1982), conhecida como Marat/Sade (1963), ou, em seu título completo, A Perseguição e Assassinato de Jean-Paul Marat encenado pelos internos do Hospício de Charenton sob direção do Marquês de Sade (em alemão: Die Verfolgung und Ermordung Jean Paul durch die dargestellt Marats Schauspielgruppe des Hospizes zu unter Charenton Anleitung des Herrn de Sade). Ao texto genial, une-se a tradução para o inglês de um poeta tão bom quanto injustamente ignorado, o britânico Adrian Mitchell (1932 – 2008), com sua sensibilidade histórico-política aproximando-o do autor do texto original. Não consigo imaginar poeta britânico melhor preparado para a tarefa. E, last but not least, a encenação e direção do genial Peter Brook (n. 1925), com atores como os brilhantes Patrick Magee, Glenda Jackson, Ian Richardson e Clifford Rose

Assisti ao filme pela primeira vez em 1998, no Cinusp, o pequeno cinema dentro da Universidade de São Paulo. Eu tinha 21 anos e lá estava cursando Filosofia na FFLCH. Foi um verdadeiro furacão político-poético em minha mente e me marcou profundamente. Considero esta noite, em que vi este filme, ainda um dos punti luminosi da minha vida mental (outro, entre alguns poucos, foi a noite em que assisti com minha amiga Lígia Borges à peça Vozes Dissonantes, de Denise Stoklos). Anos mais tarde pude ler o original alemão de Weiss, aumentando ainda mais minha admiração por este texto central da poesia e teatro do século XX. Há pouco, redescobri o filme na íntegra na Rede e o revi, percebendo que não perdeu sua força para minha imaginação. Quis, tive que o compartilhar aqui. Recomendo-o com todas as minhas forças. Parece-me atualíssimo e mui necessário para a poesia/pensamento brasileiro atual.

 

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sexta-feira, 13 de julho de 2012

Dois poemas recentes de Angélica Freitas


mijo
(um poema urgente)


1.

uma mulher não deve mijar
deve fazer xixi

2.

uma mulher faz xixi
não mija
mas em banheiros públicos
a mulher acaba que mija

3.

uma mulher faz xixi
porque é mais sexy
mas quando é incontinente
a questão se torna irrelevante

4.

conheço uma mulher
que mijava
mas dizia por aí
que fazia xixi

5.

mijei no balde
foi libertador
mijei no balde
dentro do elevador
mijei com vontade
sim senhor
hoje
sou outra mulher

6.

xixi, mijo, urina: como queira chamar
se tiver nojo e a água acabar
se quiser viver vai ter que tomar
mijo. se quiser pode dizer
xixi ou guaraná

mas continua sendo mijo

7.

nisso tudo eu pensava
a caminho do banheiro
após ter lido uma frase
do marcelo rubens paiva
será que ele mija, o marcelo?
com certeza deve mijar
mirando as estrelas, será?
fazendo desenhos no ar?

(quem se importa?
eu não me importo)


8.

outra questão a se especular
quando acontece dormindo
é xixi ou mijo?
dependerá do fluxo?
da quantidade?
qual o critério?
outra coisa que direi
como aviso ou comentário:
mija-se desperto ou dormindo
peidar só se pode acordado


março de 2011
provavelmente


§

Micro-ondas

explicar o brasil a um extraterrestre:
tua cara numa bandeira. te saberiam líder
e te dariam cabo: parte suja
da conquista.
mas já foi, de outra maneira: vista aérea
da amazônia, vinte e tantas
hidrelétricas
pros teus ovos fritos no micro-ondas.
e te dariam cabo: parte certa
da conquista.
e se vieram mesmo
pra conhecer as cataratas?
ou pra aprender com a nata
como se faz uma democracia?
as naves tapam o céu completamente.
todos os escritórios
e todas as lojas de comidas rápidas
decretam fim de expediente.
baratas e ratos
fugiram antes.
é natal, carnaval, páscoa
nossa senhora aparecida e juízo final
tudo ao mesmo tempo.
amantes se comem pela última vez.
caixas eletrônicos vomitam a seco.
o supermercado era um cemitério!
os shoppings, os engarrafamentos!
explicar o casamento igualitário
a uma iguana, explicar
alianças políticas a um gato, explicar
mudanças climáticas
a uma tartaruga de aquário.
já está. agora espera.
toma um activia.
mora na filosofia. imagina!
num país tropical. péssimo!
não rio mais. trágico!
piores que gafanhotos
suas maravilhas hidrelétricas serão
vistas, em chamas, de sírius:
“o meu país era uma pamonha
que um alien esfomeado
pôs no micro-ondas.”
queime-se.
é um epitáfio possível.

Angélica Freitas, 2012. Publicado originalmente no blogue da Cosac Naify. A editora paulistana lançará, no segundo semestre, o segundo livro da poeta e coeditora da Modo de Usar & Co., intitulado um útero é do tamanho de um punho.


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