sábado, 28 de setembro de 2013

Jovens poetas europeus: Andriy Lyubka




Andriy Lyubka é um poeta e crítico ucraniano, nascido em 1987. Publicou os livros Oito meses de esquizofrenia (2007), pelo qual recebeu o prêmio destinado em seu país ao melhor livro de estreia do ano, e ainda Terrorismo (2008), a coletânea de contos Killer (2012, já traduzida para o polonês) e sua última coletânea de poemas, 40 Mangos e Uma Gorjeta por Cima (2012). Uma antologia de seus poemas foi traduzida para o alemão e publicada na Áustria, com o título Notaufnahme  (2012).


Seus poemas foram traduzidos para o húngaro, tcheco, polonês, alemão, inglês, russo e português, neste último caso pela renomada poeta ucraniana Vira Vovk, que vive há décadas no Rio de Janeiro, onde vem traduzindo clássicos e contemporâneos da literatura ucraniana, mais recentemente no volume 25 Poetas Ucranianos: Antologia (Rio de Janeiro: Contraste Editora, 2009), do qual foi extraída, com permissão da tradutora e do autor, a tradução abaixo. Andriy Lyubka publicou ainda em revistas como Kiyvska Russ, SHO, Vsesvit e Potyag-76.


 O poeta vive e trabalha em Varsóvia, na Polônia.

--- Ricardo Domeneck

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POEMA DE ANDRIY LYUBKA

união

o que significa a união dos escritores
é sem falta fazer assinatura
do jornal ucrânia literária
lembrar os bons tempos soviéticos
quando havia moradias gratuitas
deixar crescer bigodes cossacos
uma vez por ano escrever um artigo
sobre a degradação espiritual da nação
em cada ocasião citar a si próprio
levar colegas para tomar um gole
enxaguando-o com um suco de tomate para dois
inflamar-se no jubileu seguinte
conseguir comer o último sanduíche
ou então embrulhá-lo no guardanapo
e meu deus em toda a vida
não escrever nada que preste

(tradução de Vira Vovk)

:

спілка

що  таке  спілка  письменників
це  обов`язково  передплатити
газету  літературна  україна
згадати  про  добрі  радянські  часи
про  безплатні  квартири
відпустити  козацькі  вуса
раз  на  рік  писати  статтю
про  духовну  деградацію  нації
при  кожній  нагоді  цитувати  самого  себе
водити  колег  на  п`ятдесят  грам
запивати  одним  томатним  соком  на  двох
побухати  на  черговому  ювілеї
встигнути  з`їсти  останній  бутерброд
а  якщо  ні  то  завернути  в  серветку
і  о  боже  за  ціле  життя
не  написати  нічого  путнього

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Andriy Lyubka em entrevista a programa televisivo ucraniano.

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sexta-feira, 27 de setembro de 2013

"Meu dengo, você não fala a minha língua" - especial para o Suplemento Pernambuco.



Meu dengo, você não fala a minha língua

Eu já me perguntava às vezes, mesmo antes de morar fora do país, como seria não ser brasileiro. Não me refiro a passaportes. O que eu queria dizer era: como e o que seria não falar português? Mais especificamente, o que significa para um ser humano estar apaixonado e não ouvir e cantar uma canção de Chico Buarque de Hollanda? Não ter aprendido com Cartola que “O mundo é um moinho”? Estar quase a se afogar e não poder recorrer ao bote salva-vidas que é “Cais”, de Milton Nascimento? Não ter se educado sobre as devastações e violências e belezas e feridas e bálsamos e cicatrizes nas relações, em poemas de Manuel Bandeira e Murilo Mendes e Carlos Drummond de Andrade? 

Que outras fontes seriam estas, as que usam? O que causa neles, descer seus baldes e beber destes outros poços? Isso faz deles pessoas essencialmente diferentes de nós? Uma pessoa será diferente ou reagirá de outra maneira, por afogar as mágoas de uma separação numa canção de Violeta Parra, ou de Joni Mitchell, ou de Novella Matveyeva, em vez de jogar-se na fossa com Maysa Matarazzo e Dolores Duran? O quanto somos o que somos por causa daquilo em que a nossa língua se transforma ao encarnar-se em textos de Clarice Lispector e Hilda Hilst, em vez dos que estão nos livros de Marina Tsvetáieva, e de Emily Dickinson, e de Forough Farrokhzād, e de Hayashi Fumiko?

Agora, há mais de uma década na Alemanha, um país onde as pessoas reagem sim a todos estes terremotos de corpos e maremotos de lágrimas de forma muito distinta da nossa, eu tenho certeza que há aí uma diferença que vai além da língua como órgão oficial de memorandos e adendos e decretos e certidões e atestados, mas uma diferença que mora na língua – aquela que une a linguagem a este outro órgão, não oficial, que escondemos na cavidade bucal, logo atrás dos dentes que podem, se erram ou querem, cortar. 

O que acontece com a língua como linguagem, aquela estudada por Jakobson e Saussure e Chomski, quando é cantarolada numa canção por uma língua entre beijos? Porque a minha língua é esta, conhecida como português, mas é ainda a que se fala no interior de São Paulo, e é ainda a que começou com as aliterações de filme de terror do “Nana, nenê, que a Cuca...”, e depois trilhou a Cartilha do Caminho Suave, e aprendeu histórias na Coleção Vagalume, e então cantou Cartola, e Noel Rosa, e Adoniran Barbosa, e Dolores Duran, e Tom Jobim, e Caetano Veloso, e Chico Buarque, e Milton Nascimento, e Luiz Melodia, e Ângela Rô Rô, e embrenhou-se pelas  aliterações políticas de Os Sertões e pelas aliterações místicas de Grande Sertão: Veredas, e já sabia que o amor em geral dura “quinze meses e onze contos de réis” antes de chegar a este outro país, este outro continente, com outras canções, e então começar a enroscar esta língua brasileira na língua estrangeira de Philipp, e de Johannes, e de Michael, e de Jannis.

Agora, há mais de uma década na Alemanha, quando sinto que mesmo o alemão (a língua, não certo cidadão) me pertence e me forma um pouco mais, pelas brigas que tive com namorados nesta língua, pelas coisas que ouvi ao pé do ouvido na cama, nesta língua e vindo dos mesmos namorados, sei que certas diferenças sempre hão-de separar suas bocas dos meus ouvidos, seus ouvidos da minha boca, enquanto nossos cérebros seguem enjaulados em cabeças cobertas de cabelos também de cores diferentes. 

E depois de ser chamado de exagerado, de melodramático, de latinamente descontrolado pela enésima vez, num momento de frustração e raiva, formulei esse texto na minha cabeça brasileira, mas em inglês, para que alemães e outros rapazes estrangeiros entendessem, e o postei na Rede Social:

I cannot sing Cartola in your left ear, because you wouldn´t get it. I cannot quote Vinícius de Moraes in our bedridden conversations, because you wouldn´t understand it. I cannot whisper “funga no meu cangote”, because you would just gape at me. Listen, try to understand, you master this language I am using now, here: you wouldn´t find me crazy or a queen of exageration, if you had learned what two bodies can do in lines like these: “e na secura nossa amar / a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita”. If you knew what “fossa” is. Because you may be in love or verliebt, but you are certainly not apaixonado. So, if you cannot understand the words in the song below, don´t call me. Just don´t call me.

E então postei, com o texto, um vídeo de 1976 em que Chico Buarque e Milton Nascimento interpretavam juntos a canção “O que será (À flor da pele)”, com aquela nossa forma tão brasileira de reagir ao algoz-Eros ou ao capacho-Cupido. Ou passou a ser uma forma tão brasileira por culpa da canção?

E aqui, cercado de corpos sussurrando e gritando em línguas que entendo, mas nem sempre sinto, vou tentando responder em suas línguas, mas com Maysa e Dolores e Rô Rô atrapalhando o morse, porque eles nunca parecem entender por que sigo corando, e sentindo-me atraiçoado, e obrigado a confessar nas mais inconvenientes das horas, sem saber dissimular apesar de Capitu, recusando-me a recusar, suplicando feito mendigo as migalhas, sem medida, sem remédio, sem receita, e eu sei o que é, eu sei o que é, bêbado desacatado e insaciado, doente em plena folia da pista de dança, esquecido dos Dez Mandamentos, e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e da Constituição de 1988, sem pomada de calêndula ou Vick Vaporub ou chá de erva-cidreira, sabendo que não adiantaria cuspir no fio de algodão da fralda e postar-me-lo na testa porque meu soluço não passa, que talvez tenham esquecido de enterrar meu cordão-umbilical bem fundo no quintal e um roedor qualquer o mordeu e digeriu, e eu sei o que é, eu sei o que é, e eu tremo, eu ardo, eu suo, mui luso-brasileiramente, e na hora da aflição medonha e imediata eu não digo “Oh my God”, nem “Oh mein Gott”, eu digo mesmo é “Ai meu Deus”, e se doi eu não digo “oy vey ist mir” ou “ouch, poor me”, eu digo mesmo é “ai” e a este segue outro “ai” e quando estou muito literário vem por fim um “ai de mim”. 

E sei, por fim, que se este texto fosse em alemão, você aí, germânicozinho, mais uma vez reviraria os olhos e me chamaria de “drama queen”.


Ricardo Domeneck
Berlim, 31 de julho de 2013
Publicado no Suplemento Pernambuco em setembro de 2013.


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quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Quem poderá fazer aquele amor morrer?


Ai,

por favor

quem

por favor

poderá

por favor

fazer

por favor

aquele

por favor amor

morrer

por favor?






Drão
Gilberto Gil

Drão!
O amor da gente
É como um grão
Uma semente de ilusão
Tem que morrer pra germinar
Plantar nalgum lugar
Ressuscitar no chão
Nossa semeadura
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Nossa caminhadura
Dura caminhada
Pela noite escura...

Drão!
Não pense na separação
Não despedace o coração
O verdadeiro amor é vão
Estende-se infinito
Imenso monolito
Nossa arquitetura
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Nossa caminhadura
Cama de tatame
Pela vida afora

Drão!
Os meninos são todos sãos
Os pecados são todos meus
Deus sabe a minha confissão
Não há o que perdoar
Por isso mesmo é que há de haver mais compaixão
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Se o amor é como um grão
Morre, nasce trigo
Vive, morre pão
Drão!
Drão!

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sábado, 21 de setembro de 2013

Akia - novas faixas / new tracks


Akia feat. Kenny Gold - "Paperwork" (2013).

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Akia - "TimeTime" (2013).




Akia é o nome artístico do produtor alemão Uli Buder, nascido em Hoyerswerda em 1986, vivendo e trabalhando em Berlim desde 2007 após crescer na cidade de Rostock, às margens do Mar Báltico. Foi ali, em Rostock, após notar a dificuldade em encontrar parceiros com os mesmos interesses para uma banda, que começou a produzir suas primeiras composições munido de um sintetizador Korg Electribe EMX 1, trabalhando sozinho, sob a influência inicial de produtores alemães como Console, Apparat e Micronaut. A música eletrônica minimalista contemporânea alemã permaneceria a maior referência em seu trabalho, unida a seu interesse pelo dub.

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sexta-feira, 20 de setembro de 2013

"Momento num café" ou "Ninguém merece esses viados"


___ Ninguém merece esses viados.

___ É verdade.
Nenhum de vocês
merecia Alan Turing,
nenhum de vocês,
merecia Raul Pompeia,
nenhum de vocês
merecia Pier Paolo Pasolini,
nenhum de vocês
merecia Constantino Cavafy,
nenhum de vocês
merecia Gertrude Stein,
nenhum de vocês
merecia Ludwig Wittgenstein,
nenhum de vocês
merecia Xavier Villaurrutia,
nenhum de vocês
merecia Mario Cesariny,
nenhum de vocês
merecia James Baldwin,
nenhum de vocês
merecia Tuulikki Pietilä,
nenhum de vocês
merecia Jack Spicer,
nenhum de vocês
merecia Djuna Barnes,
nenhum de vocês
merecia Lota Macedo Soares,
nenhum de vocês
merecia Bernard-Marie Koltès,
nenhum de vocês
merecia Félix González-Torres,
nenhum de vocês
merecia Berenice Abbott,
nenhum de vocês
merecia Elizabeth Bishop,
nenhum de vocês
merecia Mark Morrisroe,
nenhum de vocês
merecia Gennady Trifonov,
nenhum de vocês
merecia Lúcio Cardoso,
nenhum de vocês
merecia Virginia Woolf,
nenhum de vocês
merecia Meridel Le Sueur,
nenhum de vocês
merecia Paul Cadmus,
nenhum de vocês
merecia Kathy Acker,
nenhum de vocês
merecia Kenneth Anger,
nenhum de vocês
merecia Roland Barthes,
nenhum de vocês
merecia Noël Coward,
nenhum de vocês
merecia Robert Duncan,
nenhum de vocês
merecia Roberto Piva,
nenhum de vocês
merecia Sylvia Beach,
nenhum de vocês
merecia Safo de Lesbos,
nenhum de vocês
merecia Paul Bowels,
nenhum de vocês
merecia Jane Bowels,
nenhum de vocês
merecia Radclyffe Hall,
nenhum de vocês
merecia Al Berto,
nenhum de vocês
merecia Sarah Kane,
nenhum de vocês
merecia Sir Francis Bacon,
nenhum de vocês
merecia Francis Bacon,
nenhum de vocês
merecia Frank O´Hara,
nenhum de vocês
merecia Umberto Saba,
nenhum de vocês
merecia Derek Jarman,
nenhum de vocês
merecia Maurice Sendak,
nenhum de vocês
merecia Nikolai Gogol,
nenhum de vocês
merecia Karin Boye,
nenhum de vocês
merecia Claude Cahun,
nenhum de vocês
merecia Luis Cernuda,
nenhum de vocês
merecia Marsden Hartley,
nenhum de vocês
merecia Mikhail Kuzmin,
nenhum de vocês
merecia Manuel Puig,
nenhum de vocês
merecia Peter Hujar,
nenhum de vocês
merecia Susan Sontag,
nenhum de vocês
merecia John Cage,
nenhum de vocês
merecia Gerard Reve,
nenhum de vocês
merecia Audre Lorde,
nenhum de vocês
merecia Jasper Johns,
nenhum de vocês
merecia Hubert Fichte,
nenhum de vocês
merecia Adrienne Rich,
nenhum de vocês
merecia Irena Klepfisz,
nenhum de vocês
merecia Oscar Wilde,
nenhum de vocês
merecia Thornton Wilder,
nenhum de vocês
merecia Alexander McQueen,
nenhum de vocês
merecia Federico García Lorca,
nenhum de vocês
merecia Néstor Perlongher,
nenhum de vocês
merecia Lorraine Hansberry,
nenhum de vocês
merecia José Lezama Lima,
nenhum de vocês
merecia Herbert Tobias,
nenhum de vocês
merecia Salvador Novo,
nenhum de vocês
merecia Yevgeny Kharitonov,
nenhum de vocês
merecia Langston Hughes,
nenhum de vocês
merecia Severo Sarduy,
nenhum de vocês
merecia William Burroughs,
nenhum de vocês
merecia José Leonilson,
nenhum de vocês
merecia Tove Jansson,
nenhum de vocês
merecia W. H. Auden,
nenhum de vocês
merecia F. W. Murnau,
nenhum de vocês
merecia Muriel Rukeyser,
nenhum de vocês
merecia Virgilio Piñera,
nenhum de vocês
merecia H.D.,
nenhum de vocês
merecia Copi,
nenhum
merecia vocês,
ninguém
merece esses viados.

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domingo, 8 de setembro de 2013

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