sábado, 31 de janeiro de 2015

Dois poemas de Ítalo Diblasi e sua leitura de um poema de Roberto Piva para o "Empreste sua voz a um poeta morto"


Conheci Ítalo no ano passado, em minha última passagem pelo Rio de Janeiro. Passamos uma tarde e noite percorrendo livrarias do centro da cidade, e caminhando pelo Jardim Botânico, onde nos embebedamos. Já publiquei na franquia eletrônica da Modo de Usar & Co. e espalhei pelas redes sociais este seu ótimo poema satírico, que reposto abaixo, agora aqui, ao lado de outro do seu livro de estreia, no qual vem trabalhando. O vídeo é de sua participação no projeto Empreste sua voz a um poeta morto.

Informações bioblio: Ítalo Diblasi é um poeta brasileiro, inédito em livro, nascido no Rio de Janeiro em 1988. Prepara no momento sua primeira coletânea, que será intitulada O Limite da Navalha.

DOIS POEMAS DE ÍTALO DIBLASI

Gaia Ciência 

é proibido
cuspir
no prato

é proibido
dormir
no asfalto

é proibido
trepar
no mato

é permitido
açoitar
as massas

é permitido
erigir
as farsas

é permitido
morrer
às traças

paremos, portanto, de fingir
que Nietzsche estava errado
quando enlouqueceu às portas
de explicar esse caralho


§

A urgência

No último vagão
de um noturno qualquer
rumo a lugar nenhum
o indomável riso
de uma puta alucinada
que quer saber
o que diabos escrevo
a uma hora dessas
e pede lugar num poema
que a mantenha viva
até a semana que vem
e eu estou com ela
para uma última valsa
antes do fim

§

Diblasi empresta a Piva sua voz no projeto da Modo de Usar & Co.

Ítalo Diblasi lê um poema do livro Ciclones (1997), de Roberto Piva.

[Este paraíso é assim]
Roberto Piva

Este paraíso é assim:
repleto de raças respiratórias.
Nuvens, periquitos, uvas negras
à beira do deboche.

Este paraíso é assim:
relâmpagos & doces de leite,
punhal escapando da bainha
de vértebras.
Menino-acauã dançando
ao sol estrangeiro.

Este paraíso é assim:
folhas de mamona, submarinos
viajando no próprio sangue.
Leveza. Flores frenéticas.
Batuque sussurrando:
também eu
atravessei o inferno.

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quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Jovens poetas europeus: Oskar May


Oskar May é um poeta sonoro austríaco, nascido em Viena em 1991. Colaborou em suas paisagens e poemas sonoros com Gianna Virginia e, no momento, colabora com Anna de Marco em um projeto ainda sem nome, em preparo. Oskar May vive e trabalha em  sua cidade natal.

Ao contrário da Alemanha, onde a poesia contemporânea é bastante fincada no suporte do livro como forma privilegiada de publicação (e, consequentemente, produção), há na Áustria uma forte tradição de poesia experimental / sonora no pós-guerra, que vem desde o Grupo de Viena.

Nesta série, já comentei e apresentei aqui o trabalho de outro austríaco, Max Oravin (n. 1984).

Tenho bastante apreço por seu trabalho sonoro e de colagem de vozes em "Diskursmaschinengewehr", além do trabalho propriamente lírico de um poema como "The Lane" e do escancaradamente nonsense em "mhm".

No Brasil e neste caminho, podemos pensar no trabalho de Victor Heringer, Reuben da Cunha Rocha e Orlando Scarpa Neto, entre outros. Acredito que haja aqui estratégias interessantes para outros poetas brasileiros contemporâneos.


POEMAS DE OSKAR MAY


Oskar May - "The Lane"

§
  Oskar May - "Diskursmaschinengewehr"

§
 
Oskar May - "mhm"

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terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Dois poemas na revista vienense "GESTALT"

Tenho dois poemas (traduzidos por Odile Kennel) no primeiro número da revista digital GESTALT, editada por Rick Reuther & Christiane Heidrich em Viena, com textos (alemão e inglês) ainda de Ana Božičević, Ann Cotten, Swantje Lichtenstein, Naa Teki Lebar, Odile Kennel, Simone Kornappel, Sophia Le Fraga, Daniel Beauregard, Khesrau Behroz, Zuzana Husarova, e outros.



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sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Hoje à noite, em Frankfurt am Main

Hoje à noite, em uma das cidades de que mais gosto na Alemanha, a que se chama Francoforte do Meno, com meu adorado Markus Nikolaus.



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quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Perspectivismo amoroso


Nesse exato momento
a leoa olha o leão
e vê
O Moço
e uma baleia canta à baleia
e a outra
ouve
O Moço
e no gelo
memoriza o pinguim
de outro pinguim
o timbre
e no gelo
emitem seus sons
e cada um reconhece
O Moço
e o pássaro estufa o peito e abre
em leque a cauda
e a pássara admira e seleciona
para seu ninho
O Moço
como navega o cisne até o outro
e com seu pescoço
forma a metade do coração
e completa
o Moço
o coração com seu pescoço
e no centro da colmeia
tudo zune em plena atividade
e separada
por uma parede de açúcar
das operárias
reina
O Moço
e em vários países do mundo
um padre
fala em línguas
"até que a morte os separe"
e noivo e noiva
entreolham-se
e dizem SIM a
O Moço
como o último dos neandertais
antes de extinguir-se com sua espécie
desejou houvesse um mais
para que crescessem e se multiplicassem
e este seria
O Moço
e por todos os ecossistemas
em todas as espécies
O Moço
bodeja e zinzilula e gorgulha e regouga
e brama e cucula e cuincha e estruge
e eu
aqui
escrevo
então eis que
O Moço
entra no café
com o outro
e
O Moço
olha o outro
e vê
O Moço
e o outro
olha
O Moço
e vê
O Moço
e então
O Moço
me vê
e diz
"Bom dia, Ricardo."

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domingo, 18 de janeiro de 2015

Texto em que a pseudotrobairitz Rocirda de Bebedouro rouba versos da vera Condessa de Diá, pedindo ajuda ainda às colegas Azalais de Porcairagues e Garsenda de Proença


Com Codax cantei, e Dinis,
Moço, em Vigo, e Ipanema,
e por ti murmurei cantigas
no Cais das Colunas, Tejo,
em Itapuã, perante o farol,
como naquela velha manhã
feliz no Lago de Constança
assoviei "Ne me quitte pas"
no breu, o gênero de Brel
imitando a voz de Maysa,
fui a mulher do "Cotidiano"
de Chico, boca de hortelã
e pavor, os dentes caíram,
carteiro parece ter morrido,
não sou feliz nem sou Elis,
não sou aquelas colegas
antigas, o pó das trobairitz
Azalais de Porcairagues
e Garsenda de Proença,
delas nem textos restam,
cadê Tibors de Sarenom
e Alamanda de Castelnou,
que fariam comigo o coro
contr'essa praga d'homens,
que mira só o próprio tórax
e como seu cors s’orguoilla,
Beatriz, a Condessa de Diá,
segue pedindo que o amigo
atente a seu sens e beltatz,
e nunca saberei, nunquinha,
se virás, mieus amics, Moço,
imploro tão-só ao meteoro
que me pulverize, me jogue
no Hades, qualquer inferno
sem as epidemias de Eros
a pipocar minha epiderme
com brotoejas, não beijos,
vergonha dessa monotonia,
cá estou de novo, a chantar
m’er de so qu’ieu non volria.


Rocirda de Bebedouro, 16 de janeiro de 2015.

§



A chantar m'er de co qu'eu no volria
Beatriz de Diá

A chantar m'er de co qu'eu no volria,
Tant me rancur de lui cui sui amia
Car eu l'am mais que nulha ren que sia:
Vas lui no-m val Merces ni Cortezia
Ni ma beltatz ni mos pretz ni mos sens:

Qu'atressi-m sui enganad' e trahia
Com degr' esser, s'eu fos desavinens.
D'aissò-m conòrt, car anc non fi falhensa,
Amics, vas vos per nulha captenensa;
Ans vos am mais non fetz Seguìs Valensa,

E platz mi mout que eu d'amar vos vensa;
Lo meus amics, car ètz lo plus valens;
Mi faitz orgòlh en ditz et en parvensa
E si ètz francs vas totas autras gens.
Meravelh me com vòstre còrs s'orgòlha,

Amics, vas me, per qu'ai razon que-m dòlha;
Non es ges dreitz qu'autr'amors vos mi tòlha,
Per nulha ren que-us diga ni acòlha.
E membre vos quals fo-l comensamens
De nòstr'amor! Ja Dòmnedeus non vòlha,

Qu'en ma colpa sia-l departimens.
Proeza grans, qu'el vòstre còrs s'aizina
E lo rics prètz qu'avètz m'en ataïma;
Qu'una non sai, lonhdana ni vezina,
Si vòl amar, vas vos no si' aclina;

Mas vos, amics, ètz ben tant conoissens
Que ben devètz conòisser la plus fina:
E membre vos de nòstre covinens.
Valer mi deu mos prètz e mos paratges
E ma beutatz, e plus mos fins coratges;

Per qu'eu vos man, lai on es vòstr'estatges,
Esta chanson, que me sia messatges,
E vòlh saber, lo meus bèls amics gens,
Per que vos m'ètz tant fèrs ni tant salvatges;
No sai si s'es orgòlhs o mals talents.

Mas aitan plus vòlh li digas, messatges
Qu'en tròp d'orgòlh an gran dan maintas gens.


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sábado, 17 de janeiro de 2015

Em Vigo

Quando, Moço, chegar o dilúvio,
estarei ainda na praia, em Vigo,
certo que logo virás, num surfe
sobre escombros. Só aí soluço,
voltando-me para Codax, e digo:
perdi a conta das ondas, amigo,
mas eis o amado, é sano e vivo.


Ainda em Vigo


Moço, o nível do mar sobe.
Quanto, até que retornes?
Cansei-me dessas contas
aqui, em Vigo, das ondas.
Vem, antes que me afogue.
Eu sei nadar, sim, o fôlego
porém é curto, fumo. Torre
nenhuma será alta. Corre.


Em Vigo, ainda


Moço, quero tão pouco, tudo
e só, quando o oceano suba,
e casas, carros, todos engula,
que os dois façamos, um a um,
o nado de costas e de bruços,
tu no crawl, eu feito um poodle,
aí o de borboleta, natação pura,
e então, sincronizados, juntos
apertemos as narinas, um do
outro, no maior dos mergulhos.


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segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

"Fios", de William Zeytounlian

I.

Haverá realmente
tempo perdido?
Não o dizemos somente
por tempo passado?

Se o que se investe
entrementes
não passasse de gasto,
como haveria
sempre o risco
em retomar sempre
esse rastro?


II.

Haverá realmente
Tempo passado?
Não o dizemos somente
Por tempo perdido?

Se o rastro que falo
Está sempre às voltas,
O único risco
É ser intraduzido –
Às voltas sempre
De um ser-se tão vago.


III.

Parcas de si:

Entre os dedos
Da mão
O fio do
Vivido -

Barcas ao léu:

Mas se ata
Ao tronco
O fio do
Passado.


William Zeytounlian (São Paulo, 1988).

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Feliz aniversário, idolatrado Markus!



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quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Minha caneta para "Charlie Hebdo"

© Jean Jullien


Nem gritos de ordem, nem
Ocidente versus Oriente.
Não cantarei a Marseillaise.
Sei não se isso, em risco.
O que comove são penas,
hoje canetas, em riste.
Mas guardando silêncio,
silêncio de palavra escrita.
Non, je ne suis pas Charlie.
Acordei, hoje. Bebi, comi.
O coração ainda bombeia
o sangue, que me irriga
enquanto o deles os salpica.
Kaváfis disse: Alexandria?
Saúda-a em plena perda.
Mas cada vez mais difícil
saber o que possuímos.
Europeu, eu? Ou patriota?
Fodam-se idiotez, Pegida.
Como escreveu Al-Ma'arri,
sempre algum novíssimo
conto de fadas no púlpito.
República? Meus amigos.
Se em perigo a Ucrânia,
sempre penso em Andriy.
Com as notícias em Paris,
"estará bem meu Antoine?"
Para mim, é Murad o Islã,
ele, que tem cinco filhos
na Turquia, por eles vende
seus quebabes na esquina.
Eu digo: "Salam, Murad."
"Wa alaykumu s-salam,"
ele diz, "Papa Francisco."
São estes os contatos,
os primeiros em risco.

--- Ricardo Domeneck, 8 de janeiro de 2015.

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terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Uyatã & A Ira de Rá



Uyatã & A Ira de Rá é um coletivo de Feira de Santana, Bahia. 
Um dos membros é o poeta contemporâneo Ederval Fernandes.




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segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Johannes CS Frank

Com Odile Kennel, Dominik Ziller e Johannes CS Frank na Feira do Livro de Frankfurt, em 2013

Começo o ano mostrando a vocês este vídeo que descobri hoje, com a leitura de Johannes CS Frank para seu poema "The Café", em Berlim. O sr. Frank é um dos poetas de minha geração que mais respeito. É também, como alguns sabem, meu editor na Alemanha. Um prazer e uma sorte é o que é, poder ser editado por um poeta que se respeita. Ele é também um de meus melhores amigos. Faço aqui esta declaração de amor.


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