sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Poema no aniversário de Oswald de Andrade (na verdade para seu tradutor Oliver Precht)


Aqui onde cai a neve
inventada
por poetas europeus
seus maios cansativos
suas paisagens monótonas
como o capim infindo
das rodovias do interior

cá vêm pinheiros
cá vem capim
lá vão pinheiros
lá vai capim
vêm e vão
pinheiros
capim
todos em vão

para os meus olhos
de jabuticaba
e a manga coração-de-boi
que muge feito anta
no peito

muge a este gelo
despencante do céu
ó efeitos especiais
de filmes americanos
com suas crianças
esquecidas em casa
seus maníacos
por entre labirintos de hera

são os do norte
que vêm
porque os inventamos
com nosso milho
nosso tomate
nosso cacau

inventamos assim
este continente
de ficção científica
este conto de fadas
fajutas das origens
esta lorota
das idades de ouro

cumpro meu papel
fácil de memorizar
pois faço apenas
o imigrante do sul
e tenho só
duas frases no filme

sim senhor
não senhor

gaguejo-as com sotaque
para o delírio
cômico da plateia

mal suspeitam
o galã a namoradinha
do lemonde
do theguardian
do frankfurterallgemeine
com suas novelas
das seis
das sete
das oito
que vou e venho
que venho e vou
entre eles
rebolando
encapotado no casaco
antropófago às avessas
ludibriando-os a comer-me
feito quitute de feira

chega mais ó indomável
indomitável inimigo
dá a mordida profunda
o loiro ali
já pronuncia direitinho
de nada obrigado
a sardenta ali
já soletra direitinho
lispector hilst drummond

vim trazer-vos de volta
vosso turismo pornô
ó mítico povo da zooropa
sou o imigrante que jura
não estar aqui
para roubar
vossas mulheres

proponho em troca
a vitória-régia
a vosso narciso
privatizado

para que de vossa
tendência sado-maso
reste apenas a brincadeirinha
de namoradinhos
na cama do planeta

vim trazer-vos
rudá
pois de tanto eros
já estamos com os sacos cheios


§

Berlim, 11 de janeiro de 2017.

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