domingo, 1 de maio de 2011

Hoje O Moço e eu assistiremos a uma performance DELA, o que nos põe em estado de entusiasmo solar, e a mim leva a predições futuristas sobre a poesia

(A POSTAGEM QUE SE SEGUE É UMA NARRATIVA DE FICÇÃO CIENTÍFICA)




Hoje, no clube berlinense Tresor, haverá uma performance especial da britânica Janine Rostron, melhor conhecida como Planningtorock. A mulher é heroína minha, é uma delícia poder compartilhar oxigênio com ela aqui no Berlimbo. Já escrevi sobre ela algumas vezes aqui. Abaixo vocês (supondo que haja mais de um leitor por aqui) podem assistir a um vídeo de uma performance, na qual, por coincidência e sorte, eu estava presente.




Janine Rostron, melhor conhecida como Planningtorock, em performance em Berlim a 23 de abril de 2009. Tive a sorte enorme de estar na plateia desta performance, a primeira em que apresentou material inédito de seu álbum W, na Casa das Culturas do Mundo (Haus der Kulturen der Welt).



Ainda preciso escrever um artigo sobre algumas ideias futuristas, quase de ficção científica, que sempre me vêm à mente em performances de Janine Rostron como Planningtorock, assim também como de Karin Dreijer Andersson, mais conhecida como Fever Ray. Como que vislumbro um possível futuro do poeta, quem sabe retornando a aspectos da tradição trovadoresca medieval, mas com todas as inovações tecnológicas, chegando a uma noção poética de textualidade, vocalização, performance. Mas em equilíbrio: com textos sofisticadíssimos, que tomem a sextina de Arnaut Daniel como parâmetro, lembrando que o texto precisa ter altíssima qualidade literária e precisa ainda ser cantado.

Ainda estamos longe disso, INFELIZMENTE, pois muitos trovadores passaram a descuidar de seus textos, que ficaram frouxos, e muitos escritores se deixaram engessar em parâmetros dogmáticos de uma escrita que raramente funciona fora da página, com textos demasiado rígidos. O frouxo e o rígido são negativos. O que queremos é o teso.

Meus parâmetros pessoais de qualidade, hoje, são estes: respeito igualmente o poema que funciona apenas na voz e o poema que funciona apenas na página, tanto o texto para ouvidos quanto o texto para olhos - PORÉM, a que parece grande poesia para mim, hoje, aquela com que sonho, é a poesia que possa comparar-se aos textos dos trovadores occitanos, dos minnesänger germânicos, dos escaldos islandeses - os textos compostos para voz, mas tão tesos, tão tesos, que sobreviveram até hoje apenas como manuscritos. Poemas que funcionam na voz e na página, como, eu ousaria dizer, é o caso de quase toda poesia de qualidade, de Homero e Safo a João Cabral de Melo Neto e Hilda Hilst.



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O caso dos poetas medievais é especial. Como Pound argumentou, a música deles ainda está lá, esperando por uma garganta. Tenho investigado as possibilidades, nos últimos tempos, da sugestão do norte-americano:


"... nothing — nothing that you couldn't, in some circumstance,
in the stress of some emotion, actually say.
"
Pound, em carta a Harriet Monroe.


"Nada – nada que você não possa, em alguma circunstância, sob a tensão de alguma emoção, realmente dizer." Querem um exemplo de poema em que isso acontece, em minha opinião, e com o qual podemos aprender? Entre outros, o "Donna mi prega"", de Guido Cavalcanti.

É muito pessoal. Não acho que ninguém seja obrigado a pensar assim. Não estou profetizando o fim da literatura. Creio apenas que (talvez) o gênero poético retorne, graças às novas possibilidades tecnológicas de gravação e difusão, a alguns parâmetros, que eu considero muito saudáveis, da poesia medieval. E que talvez poetas-escritores começarão cada vez mais a colaborar com jongleurs. Nunca estive entre os que acham que as novas tecnologias tenham que levar necessariamente a novidades poéticas. Isso me parece que pode levar a equívocos deterministas, de quem acredita em evolução artística. Eu creio em grande parte que as novas tecnologias permitirão que atividades poéticas do passado, por tanto tempo desprestigiadas, ganhem nova força e qualidade, ressurjam como possibilidades.

São apenas hipóteses futuristas, de ficção científica mesmo, para quem sabe daqui cem anos, se ainda houver humanos sobre a Terra. Já imaginaram como seria se um poeta do talento de Arnaut Daniel ou Bertran de Born tivesse acesso às possibilidades mostradas, por exemplo, aqui abaixo?




Karin Dreijer Andersson, melhor conhecida como Fever Ray, em performance na Alemanha.



O verbivocovisual, então, talvez não será apenas o signo e sua materialidade na página (isso é legítimo e seguirá existindo), mas será também o cuidado total de escrita + voz + performance, tudo muito teso, teso, teso, como imagino ter sido com todos os poetas vocais do mundo, alguns menos, outros mais, de Safo a Taliesin, de Egill Skallagrímsson a Arnaut Daniel, de Walther von der Vogelweide a Jacques Brel. Aos que acreditam que o minimalismo de poetas como Robert Creeley ou João Cabral de Melo Neto é coisa muito modernista e nova, vocês conhecem o poema "Sonatorrek", do escaldo (espécie de trovador) islandês Egill Skallagrímsson, nascido por volta do ano 910, morto por volta do ano 990?


excertos do poema Sonatorrek
Egill Skallagrímsson

1. Mjǫk erum tregt
tungu at hrœra
með loptvétt
ljóðpundara;
esa nú vænligt
of Viðurs þýfi,
né hógdrœgt
ór hugar fylgsni.

2. Esa auðþeystr,
þvít ekki veldr
hǫfugligr,
ór hyggju stað
fagna fundr
Friggjar niðja,
ár borinn
ór Jǫtunheimum,

3. Lastalauss
es lifnaði
á nǫkkvers
nǫkkva bragi;
jǫtuns hals
undir þjóta
náins niðr
fyr naustdurum.


O texto segue assim por 25 estrofes. Aqui uma tradução ao inglês das três aqui reproduzidas:

"1. I can hardly move my tongue / or lift up the steelyard of song; / now there is little hope of Viðurs / theft, nor is it easy to draw it out / of the hiding place of the mind. // 2. It is not easy, because of my / heavy sobbing, to let flow from / the mind's place the joyful find / of the kinsmen of Frigg, which / in times of yore was carried / away from the lands of giants. // 3. [Without faults, has come to / life at [name of dwarf?] ship of / Bragi]; [From] wounds on a / giant's neck [blood] flows / down in front of Nain's house / doorway."


Quando ouço poetas defendendo a "tradição", como se isto significasse tão-somente o direito de escrever sonetos, esta forma tão jovenzinha na História da Literatura, eu sempre penso: "Querido, volte mais tarde, quando você tiver composto uma sextina MUSICADA e CANTÁVEL, como a de Arnaut Daniel, ou quando você tiver dominado o dróttkvætt dos escaldos islandeses e escandinavos". É por isso que vocês nunca vão me flagrar bancando o zelador da Tradição, ainda que já possa ter bancado o papel questionável de guia turístico da Vanguarda.



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Mas, ao ver alguns destes performers contemporâneos, imagino que em cem, duzentos anos, talvez o verso de Fernando Pessoa em que famously diz que "O poeta é um fingidor" terá assumido consequências outras, talvez, talvez drásticas, na criação (quem sabe) de personas, como pressinto, num espaço que não é passado nem futuro, tão sincrônico, ao ver o vídeo de Klaus Nomi, por exemplo, em que ele vocaliza a ária da ópera "King Arthur", de Purcell. Que é, diga-se de passagem, um bonito poema lírico de John Dryden. Ora, nosso primeiro grande poeta (e foi grande poeta) Gregório de Matos, dizem, cantava seus poemas... não deixava de ter sua persona como o Boca do Inferno.



Klaus Nomi faz uma de suas últimas performances, em Munique, antes de morrer em decorrência da AIDS.


What power art thou,
Who from below,
Hast made me rise,
Unwillingly and slow,
From beds of everlasting snow

See'st thou not how stiff,
And wondrous old,
Far unfit to bear
The bitter cold.

I can scarcely move,
Or draw my breath,
I can scarcely move,
Or draw my breath.

Let me, let me,
Freeze again.
Let me, let me,
Freeze again
To death

(John Dryden)


É ainda o que sinto com quase todos os vídeos de gente como Kate Bush ou Linton Kwesi Johnson, por exemplo, como já disse em meus momentos mais manifesto-like, nos dias em que me sinto ativista da oralidade.



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Muitos destes têm, diga-se de passagem, maior cuidado textual que muitos poetas escritores por aí. Se eu tivesse que mencionar um "trovador" contemporâneo que mostra um pouco mais de cuidado textual, alguém que talvez poderia ser enquadrado na tradição do trobar leu, eu citaria este senhor aqui, um cidadão chamado Thom Yorke:



O vigoroso
trobar leu de Thom Yorke.


São hipóteses para possibilidades. O livro não morrerá, eu creio, nem deixarão de existir bons poetas escritores. Mas não seria lindo se renascessem poetas tão bons como escritores quanto Arnaut Daniel, que ainda fossem capazes de também cantar lindamente seus poemas, com textos tão tesos quanto a sextina "Lo ferm voler qu'el cor m'intra"?




Performance moderna para a sextina "Lo ferm voler qu'el cor m'intra", de Arnaut Daniel.


Lo ferm voler qu'el cor m'intra
no'm pot ges becs escoissendre ni ongla
de lauzengier qui pert per mal dir s'arma;
e pus no l'aus batr'ab ram ni verja,
sivals a frau, lai on non aurai oncle,
jauzirai joi, en vergier o dins cambra.

Quan mi sove de la cambra
on a mon dan sai que nulhs om non intra
-ans me son tug plus que fraire ni oncle-
non ai membre no'm fremisca, neis l'ongla,
aissi cum fai l'enfas devant la verja:
tal paor ai no'l sia prop de l'arma.

Del cor li fos, non de l'arma,
e cossentis m'a celat dins sa cambra,
que plus mi nafra'l cor que colp de verja
qu'ar lo sieus sers lai ont ilh es non intra:
de lieis serai aisi cum carn e ongla
e non creirai castic d'amic ni d'oncle.

Anc la seror de mon oncle
non amei plus ni tan, per aquest'arma,
qu'aitan vezis cum es lo detz de l'ongla,
s'a lieis plagues, volgr'esser de sa cambra:
de me pot far l'amors qu'ins el cor m'intra
miels a son vol c'om fortz de frevol verja.

Pus floric la seca verja
ni de n'Adam foron nebot e oncle
tan fin'amors cum selha qu'el cor m'intra
non cug fos anc en cors no neis en arma:
on qu'eu estei, fors en plan o dins cambra,
mos cors no's part de lieis tan cum ten l'ongla.

Aissi s'empren e s'enongla
mos cors en lieis cum l'escors'en la verja,
qu'ilh m'es de joi tors e palais e cambra;
e non am tan paren, fraire ni oncle,
qu'en Paradis n'aura doble joi m'arma,
si ja nulhs hom per ben amar lai intra.

Arnaut tramet son chantar d'ongl'e d'oncle
a Grant Desiei, qui de sa verj'a l'arma,
son cledisat qu'apres dins cambra intra.



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3 comentários:

Hugo Milhanas Machado disse...

Grande post!

Ricardo Domeneck disse...

Obrigado, Hugo!

rique disse...

muito interessante seu blog,descobri muitos poetas atraves dele.(sabe se existe algum site com traducoes de poetas medievais)

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