Já postei e escrevi aqui sobre alguns poetas que conheci nos últimos meses, como foi o caso do mexicano Alejandro Albarrán (Cidade do México, 1985), a norte-americana Robin Myers (Nova Iorque, 1987) e ainda o argentino Ezequiel Zaidenwerg (Buenos Aires, 1981) após nosso reencontro no México. Também escrevi a respeito ou simplesmente postei poemas dos cariocas Victor Heringer (Rio de Janeiro, 1988), Luca Argel (Rio de Janeiro, 1988) e Alice Sant´Anna (Rio de Janeiro, 1988) após nossas leituras conjuntas no Rio de Janeiro. Voltarei a alguns destes poetas em breve, assim como a outros que conheci no México ou revi em São Paulo.
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Vinte anos depois
Horácio Costa
Vinte Anos Depois é um romance de Alexandre Dumas
duas décadas não são nada
é a média de vida do homem primitivo ....do escravo romano
é a idade de um cão muito muito velho
é a média de glória de um artista maior
o tempo sem celulite de uma cortesã
o lapso de procriação depois do casamento
quatro ou cinco mandatos políticos....o auge de um Império
vinte anos levou a Constantino reformar Bizâncio
vinte anos fizeram a fortuna de Frick Morgan e Du Pont
vinte anos entre a apresentação no Templo e a crucificação
vinte anos é a matéria dos memorialistas
vinte anos e o povo se cansa da Revolução
vinte anos depois Odette está casada e Mareei morto
a roda o computador pessoal a moda das perucas brancas se
.......popularizam em não mais de vinte anos
Quéfren e Miquerinos construíram suas pirâmides em vinte
.......curtos anos
vinte anos depois o cadáver está frio olvidadíssimo
vinte anos de exercício e o êxtase desce ao asceta
nada nada são duas décadas vinte vezes nada
a ponte nova entre aqui e ali está congestionada hoje
a então chamada ponte do futuro já não serve mais
agora quando estás nela também estás aqui
tinhas o cabelo solto tinhas a rédea solta
soltas tinhas as palavras
há vinte anos
entre aqui e ali
§
Gosto bastante da maneira como Horácio Costa incorpora a História na tessitura do poema, prática que poderia talvez ligar o texto, sem qualquer intenção minha de insinuar hereditariedades ou hierarquias (minha mente funciona por teias), a poetas tão distintos quanto Konstantínos Kaváfis e Zbigniew Herbert. Fiz questão que este poema estivesse incluído na antologia que a oficina gerará, com 6 poetas brasileiros e 6 poetas alemães. Imagino que será interessante ler este poema em alemão, o que me faz pensar em um possível diálogo com textos de poetas como Bertolt Brecht, Heiner Müller ou o contemporâneo Hans Magnus Enzensberger.
Abaixo, dois outros poemas de Horácio Costa que aprecio.
Tire tudo da paisagem
Horácio Costa
a Milos Sovak, in memoriam
Tire tudo da paisagem,
o serpenteante rio de águas cristalinas,
a neve ocasional, os rebanhos
de branquíssimas ovelhas
que se escondem detrás
das bétulas e das coníferas,
tire as porteiras que dividem
os campos de aveia e de centeio,
tire as velhas casas de pedra
da paisagem,
tire os bulbos de narciso,
os bulbos de lírio, de íris,
os telhados, as chaminés, os pedregulhos,
pouco a pouco tire tudo da paisagem:
a irritante torre medieval,
a capela tardo-gótica,
os retábulos de têmpera sobre madeira,
as rimas, as baladas líricas,
a cozinha típica, os sapatos:
descalce a paisagem,
veja-a sem subterfúgios,
nua, reduzida, descalça.
Ainda assim, nota bem,
algo permanece
entre aquela paisagem
e a de agora:
o pio dos corvos,
o agouro dos corvos,
aquele martelar de gritos negros,
sobrevive, voa entre
a paisagem de ontem
e a que lês, queridíssimo
leitor. Não há como
tirar os corvos
deste poema.
§
Caixa de água azul
Horácio Costa
Entre a ramagem da árvore desconhecida,
Caducifólia, nem de Jessé ou genealógica,
Um volume azul sobre uma laje, caixa de água
De polietileno ou poliuretano.
Notação distante na paisagem urbana,
Obsedante recordação no agora-agora,
Calle Río Poo 108, Colonia Cuauhtémoc,
Suites Parioli, México, Capital.
O mar, não. O mar, não. O mar, não. O mar, não.
Um exagero de zéfiros, então: o expresso
Descia a serra em Simcas-Chambord tangerina,
Rumo à baía divisada entre montanhas:
Ao longe, o porto e as torres, guindastes e praias;
Ao pé a pantanosa terra, como espaguete, úmida.
O talento da oitava real quereríamos,
O seu sempre imarcessível horizonte.
Nele seguia a senhora duas vezes por ano,
Qual a ordem das vogais, dos ritos identitários,
às vilegiaturas; se lhe encolhera
o mundo à mínima possível transumância.
Para lá da paisagem, a sós uiva o engenho,
Aquilo que em linguagem transforma a língua.
A árvore que se agita em eterno lenho
Enraíza no presente o espectro que mingua.
Ia a senhora, olhos de pomba, um único anel
De coral; cruzou-se a morte entre ela e o poema.
O mar, não. Caixa de água azul entre prédios alheios.
Este o horizonte, marchetado em fragmentos,
Reduzido a um puzzle no qual o montador
A si se vê como uma das peças faltantes.
O agora não sabe o que diz: memoria vincitrix.
Desce uma vez mais o expresso a estrada de Santos.
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