terça-feira, 20 de abril de 2021

Frederico Nercessian - "Curtume"

Vídeo e vocalização de Frederico Nercessian para seu poema “Curtume”. Publicado originalmente na revista digital escamandro, o texto terá sua primeira publicação impressa na Peixe-boi, minha nova revista a ser lançada em parceria com a Edições Jabuticaba, ao lado de outros inéditos do paulistano.

Partindo de um ditado armênio, “a vaca vermelha não muda o couro” [língua que o autor estuda e da qual traduz, tendo nascido no seio da comunidade armênia de São Paulo], o texto opera um rodízio de percepções entre o concreto e o abstrato, de um boi individual tão presente na poesia brasileira, à espécie e sua intrincada relação com a nossa própria espécie.




CURTUME
Frederico Nercessian

         կարմիր կովը կաշին չի փոխում
         (karmir kovê kashin tchi pokhum:
         a vaca vermelha não muda o couro)
               – ditado armênio

boi vermelho couro veste. se não vestisse, apenas boi, boi não-identificado. boi, uma vez que boi, boi veste couro. couro muda, mas boi que veste um couro não muda, corte o rabo, vista a sela, ponha pra pasto ou corte, vermelho que couro veste assim o é, gado. gado azul, couro também veste, mas isso é coisa outra. não é vermelho, é azul. no todo, dois bois, um vermelho outro azul. boi ideia, boi sensível, gado.

gado de sela, gado de pasto, gado de leite, um gado. mas boi, o que é? o que não é, sei, vermelho ou azul, pecuarista, de corte. boi é boi. boi, se vermelho couro veste, pasta, muge. bois de couros bois, tantos bois, e o vermelho apenas couro veste. boi come, arrebenta a cerca, foge da sela, coiceia a ceia, boi cansado de couro, muge ao ser chamado do que está sendo: gado. boi, é preciso que o diga, é boi. gado é outra história.

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