domingo, 7 de novembro de 2021

CARTOGRAFIA DO FUNDO DO POÇO


1- 

País solitário, 
de um só 
habitante 
só,
fronteiriço
aos fundos 
dos poços 
de todos 
os outros.

2- 

Feito o último exemplar 
de uma espécie:
um rinoceronte 
velho e reumático,
um dodô dodói,
um neandertal 
com dor de dente.

3- 

Até planetas acabam presos 
num travamento gravitacional,
a rotação capturada,
um mesmo e único hemisfério 
encarando sua estrela,
e o outro, numa noite eterna.

4- 

Todas as marés 
aqui
são baixas.

5-

Conheço palmo a palmo
este chão 
de arranha-céus do avesso,
seco — onde os olhos
labutam, incessantes,
para doar-lhe um mar.

6-

Os mais antigos, escolados 
nos despenhadeiros,
haviam alertado para a necessidade 
do equipamento de montanhismo.

Arqueólogo dos próprios barrancos,
eu trouxe ao fundo do poço 
apenas o equipamento de escavações.

Das pás fazer asas.
Das tripas, cipó e escada.

7-

Recomendam todos
que eu vá ao encontro 
daqueles cavaleiros,
não da Távola Redonda
mas da Tabula Rasa.

Gosto dessa companhia,
a dos que nada mais têm
a perder.

8-

É costume erguer-se,
dizer o próprio nome,
e confessar 
limpezas e sujidades.

Levanto a carcaça 
desse trono da nulidade,
e digo:

“Este sou eu,
Sísifo-Dido,
o limpo-sujo,
o sujo-limpo.”

9- 

Esta é a minha tribo,
estes felizes 
que se desiludiram
mesmo de si.

10-

Este não é seu país de origem.
Este não é seu país de destino.
Também aqui aplica-se 
a lei da usucapião?

.
.
.

Nenhum comentário:

Arquivo do blog