Em minha visita diária à locadora do bairro, trouxera uma produção inglesa de 1972, em grande parte pelo nome do diretor: Joseph L. Mankiewicz (1909 – 1993), o que em geral é garantia suficiente de bom cinema, mas o elenco trazia também Laurence Olivier e Michael Caine, com uma prometida batalha de chistes (aquele esporte inglês de wit) neste que é o último filme de Mankiewicz. O diretor americano é um dos meus favoritos. Ora, bastaria que ele houvesse filmado tão-somente o clássico estupendo que é All About Eve (1950) para que eu o venerasse. Mas ele é também o diretor de outros oásis divescos como A Letter to Three Wives (1949), The Barefoot Contessa (1954), Guys and Dolls (1955) e aquele fracasso formidável e exuberante que foi Cleopatra (1963), que o arruinou. Por tudo isso, eu até o perdoei por aquele Suddenly, Last Summer (1959) e sua homofobia velada. O filme, de qualquer forma, acaba sendo um ótimo thriller, já que Mankiewicz era o gênio que era.
Sleuth (1972) é mesmo divertidíssimo. Pelo que li a respeito, é baseado numa peça homônima premiada de Anthony Shaffer (1926 – 2001), um autor de peças e romances de mistério. Sleuth é ao mesmo tempo uma ótima comédia e bom filme de suspense, e ainda veículo excelente para o talento de Laurence Olivier (que eu jamais imaginei pudesse ser tão engraçado) e Michael Caine.
Trailer para o filme Sleuth (1972), de Joseph L. Mankiewicz.
Por fim, em um dos momentos em que a comédia se transforma em tragédia e desta em farsa, a personagem de Laurence Olivier começa uma torrente de impropérios contra a personagem de Michael Caine, listando os motivos pelos quais o odeia, e, entre eles, este:
__ "You are a jumped-up pantry boy who never knew his place."
Ah! Epifania de adolescente indie! Não, querido, não índio. Indie, classe social algo esnobe e ridícula à qual já pertenci e de certa forma ainda pertenço, provavelmente não se escapa dela. Uma definição? Ai, que difícil, somos criaturinhas urbanas que se deliciam em conhecer bandas obscuras de pequenos selos musicais, os tais de independentes, que podem na verdade vir do pós-punk industrial britânico ou de bandinhas de garagem americanas que tocam em estações de rádio universitárias. ANTES de indie se tornar uma espécie de gênero em si, especialmente entre pessoas mais jovens, digamos, que acreditam que este começou quando Julian Casablancas primeiro viu um microfone. Ufa... não leve a mal este desabafo de fã musical começando seu leve declínio adiposo e capilar.
De qualquer forma, voltemos à epifania intertextual.
Ora, para uma criaturete que foi adolescente quando eu fui e sofreu, entre quatro paredes, com a trilha sonora que a mim serviu de acompanhamento musical para tragédias amorosas tardo-infantis seria impossível não reconhecer imediatamente esta sequência de palavras! Oh, Morrissey, sua diva esnobe!
"This Charming Man", canção dos Smiths, letra de Steven Patrick Morrissey.
Não é apenas uma das canções mais importantes da minha adolescência, uma espécie de código pessoal que eu cantava pela casa enquanto meus pais monolíngues não percebiam o que exatamente eu estava lhes revelando. Eu sempre considerei este texto excelente em sugestão e economia de meios na descrição de uma cena.
This Charming Man
Steven Patrick Morrissey
Punctured bicycle
On a hillside desolate
Will nature make a man of me yet?
When in this charming car,
This charming man.
Why pamper life's complexity
When the leather runs smooth
On the passenger seat?
I would go out tonight
But I haven't got a stitch to wear
This man said:
"It's gruesome that someone so handsome should care"
A jumped up pantry boy
Who never knew his place
He said "return the ring"
He knows so much about these things
Há todo um affair descrito aqui, do começo ao fim, até mesmo com suas cenas de crueldade, flerte e ofensa separados por um refrão. Não são assim nossos relacionamentos, tantos deles, flerte e ofensa separados apenas por um refrão? Mesmo assim, como sonhei com esta cena, como quis esquecer todas as complexidades da existência por alguns segundos enquanto meus dedos afagassem o couro no assento do passageiro de um carro qualquer, correndo pela estrada deserta, admirando os braços de macho ao volante, pensando "quando eu crescer, quero ser como this charming man."
.
.
.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Mais ou menos de mim
Projetos Paralelos
Leituras de companheiros
- Adelaide Ivánova
- Adriana Lisboa
- Alejandro Albarrán
- Alexandra Lucas Coelho
- Amalia Gieschen
- Amina Arraf (Gay Girl in Damascus)
- Ana Porrúa
- Analogue Magazine
- André Costa
- André Simões (traduções de poetas árabes)
- Angaangaq Angakkorsuaq
- Angélica Freitas
- Ann Cotten
- Anna Hjalmarsson
- Antoine Wauters
- António Gregório (Café Centralíssimo)
- Antônio Xerxenesky
- Aníbal Cristobo
- Arkitip Magazine
- Art In America Magazine
- Baga Defente
- Boris Crack
- Breno Rotatori
- Brian Kenny (blog)
- Brian Kenny (website)
- Bruno Brum
- Bruno de Abreu
- Caco Ishak
- Carlito Azevedo
- Carlos Andrea
- Cecilia Cavalieri
- Cory Arcangel
- Craig Brown (Common Dreams)
- Cristian De Nápoli
- Cultura e barbárie
- Cus de Judas (Nuno Monteiro)
- Damien Spleeters
- Daniel Saldaña París
- Daniel von Schubhausen
- Dennis Cooper
- Dimitri Rebello
- Dirceu Villa
- Djoh Wakabara
- Dorothee Lang
- Douglas Diegues
- Douglas Messerli
- Dummy Magazine
- Eduard Escoffet
- Erico Nogueira
- Eugen Braeunig
- Ezequiel Zaidenwerg
- Fabiano Calixto
- Felipe Gutierrez
- Florian Puehs
- Flávia Cera
- Franklin Alves Dassie
- Freunde von Freunden
- Gabriel Pardal
- Girl Friday
- Gláucia Machado
- Gorilla vs. Bear
- Guilherme Semionato
- Heinz Peter Knes
- Hilda Magazine
- Homopunk
- Hugo Albuquerque
- Hugo Milhanas Machado
- Héctor Hernández Montecinos
- Idelber Avelar
- Isabel Löfgren
- Ismar Tirelli Neto
- Jan Wanggaard
- Jana Rosa
- Janaina Tschäpe
- Janine Rostron aka Planningtorock
- Jay Bernard
- Jeremy Kost
- Jerome Rothenberg
- Jill Magi
- Joca Reiners Terron
- John Perreault
- Jonas Lieder
- Jonathan William Anderson
- Joseph Ashworth
- Joseph Massey
- José Geraldo (Paranax)
- João Filho
- Juliana Amato
- Juliana Bratfisch
- Juliana Krapp
- Julián Axat
- Jörg Piringer
- K. Silem Mohammad
- Katja Hentschel
- Kenneth Goldsmith
- Kátia Borges
- Leila Peacock
- Lenka Clayton
- Leo Gonçalves
- Leonardo Martinelli
- Lucía Bianco
- Luiz Coelho
- Lúcia Delorme
- Made in Brazil
- Maicknuclear de los Santos Angeles
- Mairéad Byrne
- Marcelo Krasilcic
- Marcelo Noah
- Marcelo Sahea
- Marcos Tamamati
- Marcus Fabiano Gonçalves
- Mariana Botelho
- Marius Funk
- Marjorie Perloff
- Marley Kate
- Marília Garcia
- Matt Coupe
- Miguel Angel Petrecca
- Monika Rinck
- Mário Sagayama
- Más Poesía Menos Policía
- N + 1 Magazine
- New Wave Vomit
- Niklas Goldbach
- Nikolai Szymanski
- Nora Fortunato
- Nora Gomringer
- Odile Kennel
- Ofir Feldman
- Oliver Krueger
- Ondas Literárias - Andréa Catrópa
- Pablo Gonçalo
- Pablo León de la Barra
- Paper Cities
- Patrícia Lino
- Paul Legault
- Paula Ilabaca
- Paulo Raviere
- Pitchfork Media
- Platform Magazine
- Priscila Lopes
- Priscila Manhães
- Pádua Fernandes
- Rafael Mantovani
- Raymond Federman
- Reuben da Cunha Rocha
- Ricardo Aleixo
- Ricardo Silveira
- Rodrigo Damasceno
- Rodrigo Pinheiro
- Ron Silliman
- Ronaldo Bressane
- Ronaldo Robson
- Roxana Crisólogo
- Rui Manuel Amaral
- Ryan Kwanten
- Sandra Santana
- Sandro Ornellas
- Sascha Ring aka Apparat
- Sergio Ernesto Rios
- Sil (Exausta)
- Slava Mogutin
- Steve Roggenbuck
- Sylvia Beirute
- Synthetic Aesthetics
- Tazio Zambi
- Tetine
- The L Magazine
- The New York Review of Books
- Thiago Cestari
- This Long Century
- Thurston Moore
- Timo Berger
- Tom Beckett
- Tom Sutpen (If Charlie Parker Was a Gunslinger, There'd Be a Whole Lot of Dead Copycats)
- Trabalhar Cansa - Blogue de Poesia
- Tracie Morris
- Tô gato?
- Uma Música Por Dia (Guilherme Semionato)
- Urbano Erbiste
- Victor Heringer
- Victor Oliveira Mateus
- Walter Gam
- We Live Young, by Nirrimi Hakanson
- Whisper
- Wir Caetano
- Wladimir Cazé
- Yang Shaobin
- Yanko González
- You Are An Object
- Zane Lowe
Arquivo do blog
-
▼
2011
(177)
-
▼
janeiro
(17)
- "Feliz aniversário, senhor Ōe", ou "O Dia em que E...
- Das canções favoritas: "A quarter to three", da ba...
- A insônia mais produtiva dos últimos três meses: p...
- Brian Kenny na Hilda Magazine e outras recomendaçõ...
- Programa da TV espanhola com reportagem sobre o fe...
- O impressionante filme de Semion Aranovich sobre a...
- "Entre o fogo e a derme", um dos poemas publicados...
- No qual o poeta, vivo da silva e em sangria desata...
- Tenho dois poemas inéditos publicados HOJE no cade...
- Coração de fã partido com a morte de Trish Keenan ...
- Apropriação, reencenação, paródia: cartazes de dez...
- Hoje à noite, Max Hattler (Londres) e Uli Buder (B...
- A artista visual e interventora urbana NÉLE AZEVED...
- Deliciando-se com referências, este esporte para p...
- Poemas na antologia mexicana "Porque El País No Al...
- Aprendendo a fazer drama com os melhores: Lição 3:...
- O questionário de João Filho à maneira de João Con...
-
▼
janeiro
(17)
Nenhum comentário:
Postar um comentário