A descoberta daqueles que chamo de tesouros escondidos, os obscuros maravilhosos, os que caem por entre as malhas da historiografia da arte ou poesia, dá-se em geral por acaso. Surfa-se a Rede de Computadores, cheia de informações inúteis, até que se pousa no espaço pessoal de algum camarada generoso que se dispõe a compartilhar suas descobertas, e assim chegamos a criadores que passam a fazer parte indelével do nosso banco de imagens, sons ou textos. A primeira reprodução que vi de um quadro de Paul Cadmus é um de seus mais famosos, intitulado Jerry, de 1931.
Não me lembro mais onde o descobri, mas lembro-me do contexto: ele ilustrava um artigo sobre o Dia de Bloom, ou Bloomsday, a celebração anual do romance de Joyce todo 16 de junho. O quadro retrata o namorado de Cadmus à época, o também pintor Jared French, lendo o famoso Ulysses (1922). Há, em minha opinião, uma delicadeza iluminada e, ao mesmo tempo, uma forte carga erótica na pintura, talvez emanando do casamento entre a técnica de Cadmus, a têmpera, que há séculos fora substituída pela pintura a óleo, e sua insistência no figurativismo, a luz explodindo sobre o corpo de Jared French enquanto lia um romance que, não podemos esquecer, àquela altura (1931) ainda estava banido por ser considerado literatura pornográfica. Seu trabalho une uma imagética que já foi chamada de surrealismo por uns, por realismo mágico por outros, mas que, pelo menos neste lindo quadro de 1931, seria melhor comparada, ligada ou pareada à Neue Sachlichkeit (Nova Objetividade) de pintores alemães como Christian Schad ou Rudolf Schlichter. Mesmo certas pinturas da primeira fase de Otto Dix, tão associado ao Expressionismo germânico, parecem seguir linhas parecidas à sensilidade de Cadmus. Vejamos, como exemplos, o retrato de Bertolt Brecht que Rudolf Schlichter pintou na década de 20, e o famoso Sonja (1928), de Christian Schad:
Como era de se esperar do modernismo europeu, com artistas que tiveram que sobreviver a uma Grande Guerra, e especialmente o germânico, há menos luz em Schlichter e Schad, assim como a sátira social de Dix seria em muitos aspectos mais apocalíptica que a Cadmus. Mesmo assim, o trabalho de Cadmus e de alguns de seus companheiros, como o já mencionado Jared French, ou ainda George Tooker, poderiam ser irmanados em sua crítica social por meio da sátira e da caricatura ao trabalho de alguns destes pintores germânicos, tanto da Neue Sachlichkeit como do Expressionismo.
Paul Cadmus nasceu em Nova Iorque em 1904. Começou a se tornar conhecido quando seu quadro The Fleet´s In (1934), postado acima, foi retirado da coleção da Corcoran Gallery por ser considerado pornográfico. Ainda que isso trouxesse certa publicidade, o estilo de Cadmus, a prática da têmpera, sua insistência no figurativo e sua temática homossexual o tornariam um outsider na Historiografia da Arte norte-americana, e apenas nos últimos anos o pintor tem recebido atenção, com retrospectivas e publicações em livro.
Meu presente de natal este ano por parte d´O Moço foi um catálogo da década de 60 com reproduções de gravuras e quadros de Cadmus. Abaixo, uma pequena seleção com meus favoritos.
A TÊMPERA DE PAUL CADMUS
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