sexta-feira, 12 de junho de 2009
Meus parabéns, Alemanha, meus pêsames.
(Anna & Bernhard Blume, "Wahnzimmer", 1984, série fotográfica em 10 partes, cada foto com 200 x 126 cm. O título é um trocadilho com a palavra "Wohnzimmer", que significa "sala-de-estar" em alemão. O casal de artistas troca o "wohn", de morar, por "Wahn", de loucura, criando algo como "sala-de-esgar")
Visitei esta semana a exposição 60 Jahre - 60 Werke, no Martin-Gropius-Bau, que se propõe a celebrar, como diz o título, com 60 obras os 60 anos da República Federal da Alemanha (1949 - 2009). Este ano de 2009 é cheio de oportunidades para os alemães se pensarem a si e sobre si, também com os 20 anos da queda do Muro de Berlim.
Meus amigos alemães todos, sem exceção, torcem o nariz e se recusam mesmo a pôr os pés no Martin-Gropius-Bau para uma exposição como essa, cheia de overtones nacionalistas. Compreendo e compartilho da repulsa, mas queria ver a exposição por dois motivos: primeiro, por uma curiosidade, digamos, sociológica, pois me interessa a tendência histórica revisionista da sociedade alemã atual; em segundo lugar, ainda que uma mostra coletiva tenha uma curadoria idiota, há sempre a possibilidade de ver bons trabalhos individuais de artistas específicos. E eu não perco a oportunidade de lançar os olhos sobre as obras dos meus alemães favoritos, muitos presentes na exposição, em especial certos grandes da década de 60, como Sigmar Polke, Gerhard Richter, Georg Baselitz, Jörg Immendorf, Joseph Beuys, assim como seres esquisitos e exquisite como Wols (1913 - 1951) e Blinky Palermo (1943 - 1977). A exposição trazia ainda vários artistas que eu desconhecia, alguns muito interessantes, como Karl Otto Götz, além de artistas menos conhecidos fora da Alemanha, como Willi Baumeister, Hans Hartung, A.R. Penck ou o casal Anna & Bernhard Blume.
Assim, diria que valeu muitíssimo a pena da viagem à waste land da Potsdamer Platz e os 7 euros de entrada. Mas seria necessário não possuir um cérebro para ignorar os aspectos irritantes da curadoria idiota desta exposição.
Não vou discutir os aspectos celebratórios e pouco críticos de tal posição comemorativa. Nem mesmo a mentalidade adolescente que levou os curadores a escolherem 60 trabalhos, por estarem celebrando 60 anos da mais recente república alemã, um conceito que demonstra apenas a preguiça de pensar em um conceito mais inteligente e interessante para a exposição. Há algo na exposição que demonstra os aspectos mais deprimentes do mercado de arte atual, algo que percebi claramente também ao visitar em 2007 a exposição USA Today, na Royal Academy of Arts, em Londres.
A presente exposição consiste, basicamente, de pinturas a óleo de grandes proporções. Claro, havia o desejo de uma mostra de narrativa "épica", mas há aspectos mais tristes. Intercaladas a poucas esculturas, caminhar pela exposição é percorrer salas cobertas de pintura após pintura. Em 60 anos de arte neste território, os curradores, oops, I mean: curadores, apresentam apenas um único trabalho em vídeo (bastante ruim, diga-se de passagem) e uma única instalação sonora, do maravilhoso Carsten Nicolai, mais conhecido como Alva Noto. Vivemos um momento de inflação gigantesca no mercado de arte (ainda que a última crise econômica comece a se fazer sentir), que transformou a produção artística nas duas últimas décadas em mero mercado de decoração para as salas-de-estar dos nouveaux riches. A proliferação da pintura de grande dimensão está ligada a isso. Na mentalidade do mercado de arte atual e dessas pessoas, um quadro grande é ("obviamente", eles diriam) mais valioso que um quadro pequeno. É a "arte por metro" e a "arte por quilo". Um amigo meu, videasta alemão, recebeu uma mensagem perturbadora de sua galeria este ano. O galerista pedia a ele que fizesse seus vídeos um pouco mais longos, pois era difícil convencer colecionadores a pagarem por vídeos de poucos minutos. O videasta respondeu com a reação mais lógica, diante de um pedido desses: "Mas meus vídeos são loops!". O galerista simplesmente seguiu com o mesmo raciocínio: "Sim, mas um loop de 5 minutos valeria mais dinheiro que um loop de 2 minutos."
Que esta mentalidade comece a influenciar as coleções de arte de instituições como museus e institutos é apenas uma questão de causalidade.
Nunca foi tão necessária a discussão das implicações est-É-ticas de certas escolhas, assim como o período atual prepara o terreno para a revitalização de algumas práticas que me interessam demasiado, como a necessidade da retomada da performance como prática artística, em um mundo que segue obcecado com a manufatura de objetos e produtos, mundo onde a arte delimita-se à decoração de salas-de-estar, enquanto os preguiçosos seguem falando em "pós-utópico" e os reacionários tentam neutralizar as implicações est-É-ticas dos trabalhos de poetas como os do Cabaret Voltaire. Neste ambiente, o trabalho dos pintores do irônico "Realismo Capitalista", de Gerhard Richter, Sigmar Polke, Wolf Vostell e Konrad Lueg, torna-se incrivelmente atual, tal qual o pensamento de gente como John Cage, Lygia Clark, Joseph Beuys ou Yoko Ono.
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