quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Verbivocovisual & Multimedieval: David Bowie


(Performance verbivocovisual de David Bowie para seu poema "Life On Mars?")

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David Bowie nasceu em Brixton/Londres, em 1947, como David Robert Jones. Seu primeiro álbum foi lançado em 1967, mas foi com Space Oddity (1969) que David Bowie chamou a atenção do público e crítica, tornando-se um dos mais inventivos poetas verbivocovisuais ativos na década de 70. Neste mesmo ano, une-se a Mary Finnigan e Christina Ostrom para iniciar sua série de eventos e intervenções semanais em um clube de Londres, que em pouco tempo se tornaria o "Beckenham Arts Lab", fazendo de David Bowie, desde o princípio, herdeiro das estratégias dos poetas-performers ligados ao Cabaret Voltaire e à revista DADA.


(Performance verbivocovisual de David Bowie para seu poema "Space Oddity")

É importante declarar que o uso que faço do conceito de "verbivocovisual" neste contexto é consciente e deliberado. Não como foi teorizado ou praticado por Joyce ou o grupo Noigandres, em que que o "voco" era uma espécie de função dormente à espera de ser ativada pelo leitor, mesmo assim de olhos silenciosos na página; ou o "visual" também como emanação do verbal escrito - aspectos que vejo, de certa forma, todos incluídos no próprio verbo; o uso que faço do conceito de verbivocovisual para alguém como David Bowie implica o verbal como o trabalho com a linguagem, o vocal verdadeiro da garganta humana e o visual como performance e gestual, seja ao vivo ou em vídeo. Trata-se de uma tentativa de repensar este conceito, fora de um contexto estritamente literário. Aos que estiverem interessados nos termos em que este debate tem sido conduzido, seria interessante ler minhas postagens sobre Arnaut Daniel e Björk na franquia eletrônica da Modo de Usat & Co.

Em 1970, lança o segundo álbum, The Man Who Sold The World, seguido de Hunky Dory em 1971, no qual Bowie faz um tributo a algumas de suas influências, como na canção "Queen Bitch", dedicada ao poeta verbivocovisual Lou Reed e à sua banda The Velvet Underground, assim como "A song for Bob Dylan", homenagem direta ao poeta-trovador estadunidense, e ainda a canção "Andy Warhol".

O trabalho poético verbivocovisual de David Bowie atingiria um de seus momentos de maior criatividade, em escrita, música e performance em 1972, com o álbum conceitual The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars. Seu sofisticado trabalho com a linguagem e com a música em performance continuaria no ano seguinte com Aladdin Sane.


(Performance verbivocovisual de David Bowie para seu poema "Ashes to ashes")


Em 1974, David Bowie muda-se para Berlim, lançando nos próximos anos vários importantes álbums de poemas sonoros, como Diamond Dogs (1974), Young Americans (1975), Station to Station (1976) e Low (1977), além de outros nas décadas que se seguiram.

David Bowie é herdeiro da tradição que teve em Arnaut Daniel (1150 - 1210), Bertran de Born (1140 – 1215), Raimbaut d`Aurenga (1147 – 1173) e outros poetas occitanos seu momento de hegemonia e ápice artístico no trabalho do poeta como escritor, vocalizador e performer. Com o naufrágio desta cultura occitana durante a Grande Peste do século XIV e as transformações políticas da Europa, a partir do Renascimento há um gradual deslocamento de atenção e prestígio (ou seja, hegemonia crítica), levando o poeta a privilegiar o trabalho poético como escrita acima de tudo, ainda que a tradição da poesia oral e cantada tenha seguido saudável. O ápice desta hegemonia ocorre em 1897, com o Coup de dés mallarmeano, momento em que claramente o poeta se torna consciente da página como campo de composição poética mais do que mero registro do oral, gerando a tradição a que pertencem poetas visuais, concretos e conceituais do século XX e XXI. No entanto, esta mesma hegemonia receberia seu primeiro golpe mortal pouco menos de 20 anos após a criação de Mallarmé, com os poetas-performers do Cabaret Voltaire, que religam a poesia a sua tradição pluralista medieval. Hoje, convivem a duas tradições de forma criativa, ainda que o diálogo crítico entre elas ainda seja parco, sendo feito em geral pelos próprios praticantes, poetas que buscam unir as duas tradições, como por exemplo John Cage e Jackson Mac Low, levando-nos ao processo em que começa a surgir cada vez mais o novo poeta verbivocovisual, que realmente busca um equilíbrio entre estes três elementos, como o próprio Augusto de Campos pôde fazer a partir da década de 90, ou poetas como o "textualista" Bernard Heidsieck, o poeta-vocalizador Jerome Rothenberg, o poeta corporal Henri Chopin ou o poeta multimedieval David Bowie.



Um comentário:

Leonardo Martinelli disse...

Genial, Domeneck. Bowie é tudo isso que você diz e mais um pouco: não esquecer sua capacidade de interlocução com a mídia, seu papel crítico-intelectual como divulgador e produtor de outros artistas (Iggy, Bolan, Kraftwerk, por ex.). Um Caetano gringo, um andrógino vaudeville, uma bicha galática, um senhor respeitável...

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