segunda-feira, 27 de outubro de 2008

A voz e nada mais, a palavra e tudo mais, a respiração do tudo ou nada

A voz e nada mais, a palavra e tudo mais, a respiração do tudo ou nada. Escrevi em um poema recente: "retorno / à pobreza / do organismo", sonhando com uma poesia povera. A exuberância do que se restringe, como antídoto, equilíbrio para o prato vazio do outro lado da balança, contra o prato da elefantíase semântica de uns e o luxo lacônico de outros.

O corpo do poeta como única fonte imagética, metafórica, sonora. Mas há quem acredite que esta auto-exposição não passe de auto-exposição.

"Now the voice as the object, the paradoxical creature that we are after, is also a break. Of course it has an inherent link to presence, to what there is, to the point of endorsing the very notion of presence, yet at the same time, as we have seen, it presents a break, it is not to be simply counted among existing things, its topology dislocates it in relation to presence. And - most important in this context - it is precisely the voice that holds bodies and languages together."

A Voice and Nothing More, by Mladen Dolar.

Ao ler estas palavras, sobre a união entre língua e corpo através da voz, várias imagens e sons invadiam minha mente. Uma delas é a cena impressionante que abre um dos filmes mais importantes da minha formação: "O Espelho", de Tarkóvski.



Perguntas sobem, descem, respondem-se, atracam-se, pacificam-se. Voz e escrita, respiração e voz. Penso em poetas sonoros como Henri Chopin, que abandonou por completo a palavra, seja escrita ou oralizada, para retornar à corporalidade poética através da respiração.

Lénergie du sommeil - Henri Chopin

Penso nos "talk poems" de David Antin, em Charles Olson defendendo a respiração do poeta como novo metrônomo, ainda que ele jamais tenha abandonado a semântica. Nesta nova excursão pelos meandros da voz, repensar os troubadours e trobairitz, repensar mesmo a ópera?


(Diana Damrau na ópera Die Zauberflöte de Mozart)

Volto-me para a poesia brasileira, penso nas implicações de certas escolhas de Augusto de Campos, na poesia sonora de Ricardo Aleixo e Arnaldo Antunes, em um poema como "Águas de março", de Tom Jobim, na defesa de Chacal de uma "poesia falada", nas diferenças entre esta e os "talk poems" de David Antin, mas com a mente voltada para as implicações est-É-ticas destas práticas, pois a est-É-tica talvez seja a única coisa que ainda podemos realmente debater.

Em voz alta, de preferência.


(Ricardo Aleixo, fragmento da performance intermídia NEM UMA ÚNICA LINHA SÓ MINHA, apresentada no Itaú Cultural, em São Paulo, com as participações do músico Benedikt Wiertz e do bailarino Alexandre Tripiciano.)

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