terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Gaza. Os crimes de guerra de autoridades e os crimes de linguagem de escritores.

Como tomar partido, forasteiro, sentado em seu pequeno coliseu imaginário, contemplando uma competição entre catástrofes? Em uma situação como a presente em Gaza, tomar partido é, em minha opinião, um ato de barbarismo, tanto quanto ficar de braços cruzados. Aí reside o verdadeiro dilema político desta situação. Há o momento em que a tomada de partido pulsa no cerne do coração da política. Há também o momento muito mais difícil em que tomar partido não basta, muito pelo contrário. Pois seria fácil dizer "Eu apóio a causa palestina", como quem diz "Eu apóio a causa tibetana" e acredita que catástrofes distintas aceitam e pedem a mesma semântica, a mesma sintaxe.

Poetas deveriam ter maior responsabilidade com sua linguagem, pois se devemos talvez perdoar a um manifestante adolescente, com sua mentalidade política obviamente adolescente, o erro infantil de crer que a queima de bandeiras israelenses pode ajudar o cessar-fogo de ambos os lados do conflito, de poetas oficialmente adultos deveríamos esperar maior sabedoria política. Infelizmente, não é o caso, como podemos ler em certos textos irresponsáveis recentes de poetas e jornalistas paulistanos e cariocas, textos ditados por uma mentalidade política que me parece digna de uma certa personagem conhecida como Chapolim Colorado.

Não se pode fazer política de validade retroativa. O Estado de Israel é uma realidade há mais de 60 anos. Qualquer tentativa de reverter esta decisão hoje (tenha ou não sido errada, preconceituosa e catastrófica) levaria a um derramamento de sangue que faria os conflitos do século XX parecerem brigas entre vizinhos. O Estado de Israel precisa compreender que sua criação, tal como foi feita, só será verdadeiramente legítima quando o Estado Palestino também existir.

Apoiar a matança de palestinos ou a matança de israelenses deve ser condenada. Quem tem direito a um pedaço de terra? Como julgar? Por questoes de sangue e genética, como faziam os fascistas alemães e italianos, em países onde ainda há certas leis de sangue?

Quando dois povos reunidos em torno de um cerne identitário lingüístico e religioso fincam estacas em um pedaço de terra, como decidir a quem esta terra pertence? Quem se sente no direito de realmente tomar esta decisão? Usaremos a lei de usucapião para decidir? Tanto judeus como muçulmanos estão culturalmente ligados àquela terra e tentativas de vernichtung/extermínio de um contra o outro precisam ser evitadas, combatidas, condenadas e este é o único lado que podemos tomar nesta situação. Não é uma atitude política adulta simplesmente reverter de forma dualista os papéis de cada lado do conflito. Há terrorismo sendo cometido dos dois lados. Equacionar o povo palestino com o Hamas ou o povo israelense com o Governo de Israel são atos simplistas e inconsequentes.

Quando dois povos sentem-se abandonados (lembrem-se que os judeus israelenses, assim como os muçulmanos palestinos, não têm muitas razoes para confiarem na comunidade internacional, que nunca os socorreu em seus momentos de maior desespero), vítimas do silêncio mundial em mais de uma ocasião, não podemos aceitar que cataclismos e desastres sejam comparados de forma irresponsável para cancelarem a dor do outro, do outro que é oficiado como inimigo. Usar expressoes como "genocídio" na presente situação, aludindo claramente aos crimes nazistas contra os judeus europeus (que foram dizimados), é um ato de leviandade política, moral. A cada crime, seu nome, senhores poetas.

Como alguém pode realmente ousar a criação implícita de uma equação de subtração entre an-Naqba e Shoah?

1928/29, 1948/49, 2008/9 e os números de mortos dos dois lados crescem, crescem. Vamos contar o mortos e decidir quem é o vilão e quem o mocinho a partir desta estatística? Chegamos realmente a este ponto? A comunidade internacional precisa reagir com vigor, deter o Governo de Israel (vale mencionar que uma parte imensa da população israelense tem protestado com veemência contra o bombardeio israelense sobre os palestinos de Gaza) e fazer com que o Acordo de Oslo seja efetivado de verdade. Israel precisa cessar o bombardeio, desocupar Gaza efetivamente, liberando fronteiras de terra e água. Os fanáticos religiosos de ambos os lados precisam ser detidos em seus discursos inflamatórios e assassinos. Pregar o extermínio do inimigo apenas nos legará outro século ou milênio de matanças. Fazer como um adolescente e achar-se no direito de escolher o vilão e o herói desta tragédia real e verdadeira é tomar parte no derramamento de sangue. A única atitude que eu me permito e exijo de mim mesmo é a de um manifestante israelense contra os bombardeios em Gaza, pedindo que cessem os CRIMES DE GUERRA. NO MORE WAR CRIMES.


15 comentários:

um cara legal... disse...

acabará o conflito quando a mídia sionista deixar de tencionar seu lado vítima - aspecto que crianças e adolescentes aceitam há 50 anos.
precisa-se tomar cuidado: "nós" é um pronome caro tanto à poesia quanto à política...

Ricardo Domeneck disse...

Meu caro,

voce realmente acredita que a solução do problema seria tão simples? Voce se refere ao conflito presente ou `a situação como um todo? Voce realmente acredita que criar um vilão entre os sionistas joga luz sobre a situação?

Veja bem, minha opinião e' provavelmente condicionada pelo fato de morar na Alemanha e ser, de certa forma, incaapaz de separar a questão palestina da questão judaica. A criação do estado de Israel ocorreu logo apos o fim da Segunda Guerra, logo apos a catastrofe particular dos judeus, que sempre pensaram na Shoah ao contemplarem sua relação com o mundo. Parece-me leviano, digo com sinceridade, falar em "complexo de vitima" para qualquer um dos lados. Tanto palestinos quanto israelenses jamais contaram com o apoio da comunidade internacional em seus momentos de catastrofe.

Sim,"nós" é um pronome caro à poesia e politica... pergunto-me quais de "nós" pode realmente usa-lo nesta situação.

Abraço,


Domeneck

Anônimo disse...

entendi sua posição e concordo q ocorre um dualismo. mas esperar q a comunidade internacional intervenha a favor de 1 cessar fogo parece ñ ter nada a ver c/ seus inteteresses. o q me parece é q nos resta cruzar os braços enquanto o papa pede a paz, a onu ñ seja neutra e os jornalistas brinquem de manipular fatos. enquanto os números crescem e crescem...
posso assinar petições, participar de manifestações. mas os dois lados acatariam o q fosse pedido?
o homem se condena há milhares de anos.
só quis dizer sobre o quão distante parece a idealização de fins de bombardeio. ñ é de forma alguma meu apoio a eles. poder e dinheiro falam mais q ética e por trás das publicações inconsequentes, existem interesses tão mais condenadores...

gostei do seu blog.

um cara legal... disse...

esse comentário aqui encima do Bê, em partes, denota o esfumaçamento pronominal e mercenário, capaz de mal pensada "positivação de maniqueísmos" e simetria entre o significado do Shoá y do Holocausto - comparação que pode estar pontuada de maneira leviana...
O posicionamento nesse conflito é maquinado pelo tipo de mídia do qual te falei por ele não ter cunho popular - ganhar apoio desse meio seria algo difícil para o povo que tem (bem) maior número de mortos.
Será complexa a situação desse massacare enquanto o "4° poder" não divulgar o subtexto necessário ao conhecimento daquilo que realmente está em jogo.
Dinheiro, poder e território não são garantias étnicas; no passado foi preciso criar cotas para judeus em universidades, empresas, cargos políticos etc?
O "nós" mais cabível é também o mais natural possível - a onisciência mais "de coração": a do povo oprimido.

Ricardo Domeneck disse...

Caros,

como vocês dois escreveram, a situação é tão prenhe de subtexto e contexto, que exige a maior responsabilidade possível por parte dos produtores de textos. Não sou profissional da política ou da diplomacia, mas como poeta e escritor (aqueles a quem Rosmarie Waldrop chama de "language maintenance crew" e Ezra Pound insinuou o papel de Cassandra) eu leio com certo horror os textos que têm sido publicados por outros poetas e escritores, que acham que "apoiar a causa palestina" é a mesma coisa que hastear bandeiras tibetanas, e que passam a usar expressoes como "genocídio" e "catástrofe" numa clara alusão nazista tanto em sua implicação como método. Estas pessoas nem sabem separar o Governo de Israel do povo que este representa, falando sobre o "terrorismo de Israel" e "dos judeus" numa tática neurótica de conspiração... é leviano, irresponsável... conheço adolescentes mais sábios que estes poetas.

Adicionar crimes de linguagem aos crimes cometidos pelo Governo de Israel (paranóico diante de grupos como o Hamas, que pregam abertamente a destruição do Estado de Israel e de seu povo) não vai ajudar o povo palestino.

É minha opinião, mas há quem prefira os dualismos de sempre, como certas bestas difásicas, que encontram viloes e heróis em toda situação.

Abraço

Domeneck

um cara legal... disse...

A diferença entre contexto e subtexto, vilão e herói etc, é tão confusa quanto outra necessidade poética/política: a de uma boa leitura...
A paranóia israelense/estadunidense nunca pretendeu respeitar as resoluções da ONU, reinterpretando-as a seu bel prazer; os estados árabes não podem mais continuar de braços cruzados.
(O brasileiro seria menos subserviente se tivesse 1/3 da clareza, que até uma criança palestina possui, a respeito de sua condição de explorado)...

Ricardo Domeneck disse...

Mas os estados árabes jamais ficaram de braços cruzados. Menos de uma semana após a declaração da criação do Estado de Israel, os Estados árabes iniciam uma guerra, que para eles era de "reconquista", para os judeus de "destruição". Sem mencionar os conflitos de 1928 até aquela data, ou mesmo antes. Esta guerra, assim como a Shoah, naquele momento recentíssima, criam um contexto que nao pode ser simplesmente chamada de "paranóia"...

um cara legal... disse...

até que ponto é disfarçável a exiguidade dos oprimidos? Ainda mais quando o explorador (com o intuito de conquistar o mundo, naquilo que certa vez ele chamou de "êxodo") abandonou seu berço natal por + ou - o mesmo período de tempo em que os árabes se estabeleceram no território sagrado - última etnia que ainda não fez estrago maior porque não identificou de que lado do muro (aquele q caiu na Alemanha...) está o companheiro certo pra, teosoficamente paragmatizado, dar asas ao sonho nuclear (levando em conta "a reciclagem de eras" pregada por Mdme Blavatsky...)
Um comunista pode ler o Alcorão e isso não quer dizer que ele não possa ser um poeta judeu.
É preciso estar atento (e forte...) ao verdadeiro e mais baixo clamor humano pois sem certa sensibilidade anarco-cosmopolita a arte não vai conquistar o ideal profético atingido nos tempos de Moisés, fanatizando a todos (TODO MUNDO) com amor...

Um burro e fetichista futuro continua sendo traçado pelo tipo de mídia monopolista já citada - amaparada pela miséria, ignorância, injustiça... O mero entendimento visual dos fatos históricos ajuda a deformar na medida certa as reivindicações populares num photoshop religioso porque assim a arte imatura despista seu cunho "tran$formador" - Steven Spielberg é um dos caras que tentou fazer com que os EUA parecessem os "mocinhos" e os vietcongs & vietnamitas os "losers"; y outros mercenários de naipe totalitário tentam fazer o mesmo com o coitado do Tibete (deveria haver mais björks pra prostestar na China...)
Se um país minúsculo como o Tibete conseguiu vencer a guerra contra os EUA, imagina só quando os estados árabes finalmente se unirem pra acabar com essa palhaçada...

Ricardo Domeneck disse...

Caro,

continuo acreditando que o Governo de Israel precisa ser detido nos bombardeios criminosos que já mataram centenas de palestinos em Gaza;

Continuo acreditando que usar termos como "genocídio e catástrofe", apenas trocando o lado da dicotomia entre bandidos e mocinhos neste desastre presente, é um ato irresponsável e leviano.

Continuo achando que protestar contra a maneira como o GOVERNO de Israel tem lidado de forma desastrosa com os conflitos e sérios crimes de ambos os lados (permitindo que grupos terroristas como o Hamas consigam cada vez mais transformar este desastre político em uma guerra étnica e religiosa) não implica escrever textos inflamatórios contra todos os judeus.

Continuo incapaz de entender o que a causa tibetana está fazendo nesta discussão;

Invocar a demonização norte-americana (o que parece ser o motor principal da maneira como você está conduzindo a discussão) também não ajuda, em minha opinião, por simplificar o problema;

Preciso dizer, porém, que sua insinuação, neste último comentário, de que os judeus "abandonaram" voluntariamente seu território para fazer o que você parece crer ter sido uma "turnê imperialista", impede-me qualquer comentário de forma educada, portanto deixo-o fora desta resposta.

Fora isso, nutro a mesma raiva que você pela mídia ignorante e dualista que ainda é a fonte principal de hipocrisia oficial neste mundo.

Abraço,

Domeneck

um cara legal... disse...

nota: o país que venceu os EUA foi o Vietnã e não o Tibete - este citado para comparação.
A respeito dos discursos inflamados, aqui não há um alvo específico que seja demonizado, todavia certos termos tornam-se cabíveis quando um contexto fogoso pede fôlegos mais cheios de graça, como é o caso dessa guerra aê que tá passando na mídia reacionária.
Seja através de um blog ou outros meios comunicação mais abrangentes, é legal cada um fazer sua parte através de uma estÉTICA que supere a mera arrogância estilística.
Também através do não-dito é possível deduzir se a raiva/ indignação é genuína e prática.
Quem disse que o povo deve ser culpado por seu governo?
Quem disse que uso de termos para a segunda guerra reverte compaixões? O $pielberg?
Que voz é essa?
Enquanto houver confusão pronominal vai haver cineastas, políticos, poetas corruptos, isso quando o que está em pauta é algo sério, que exige sentimento do espectador.
A fácil condenação do Hamas é outra dicotomia² que despista o disprendimento de engajação, o que converte os mais idiotas em novos desatentos de entrelinhas...
Que bom seria se voltasse o tempo em que política e poesia eram inseparáveis, que bom seria se isso voltasse sem os crimes de linguagem que jogam com o lado cru da realidade.
É possível levar em conta os dados prosaicos por aqui também: as organizações e agências internacionais não interveram de modo mais energético porque o objetivo de Israel/EUA é dizimar o povo palestino aos poucos, e ainda tem gente que acredita que eles são os "mocinhos", é lamentável. Certa vez disseram que o simples exílio não funciona na limpeza de um cidadão contrário ao rumo de seu país/povo, é preciso também um "descarrego" de heranças que falam mais alto que a voz própria (essa que diz-se diferente dos demais).
O que quer a voz que fala em "cessar fogo", "combate ao terror", "turnê imperialista"?
Que tipo de educação está seduzindo, padronizando essa voz?
Qual a necessidade da participação efetiva?
O fim de conflitos como o de Gaza deve ganhar mais apoio, mais e mais e mais...
Apelar para o posicionamento consciente requer conhecimento da fisiologia dos fatos históricos e necessidade de solidariedade conjunta.

http://www.freegaza.org/uploads/2008/flyer_portuguese.pdf

Anônimo disse...

Caro, subscrevo-me ao seguinte:
"Seja através de um blog ou outros meios comunicação mais abrangentes, é legal cada um fazer sua parte através de uma estÉTICA que supere a mera arrogância estilística."

um cara legal... disse...

nota 2: faltou o "de" nos meios comunicação...
parabéns por ter aprovado meu comentário anterior.

Ricardo Domeneck disse...

Bom, discordo de algumas coisas, não em essência mas em formulação, e aprovo a frase que citei especificamente. De qualquer forma, nossas opinoes nao estão muito distantes.

Abraço,

RD

um cara legal... disse...

posso fazer uma entrevista com vc?

Ricardo Domeneck disse...

Cara,

vamos conversar sobre isso por email?

ricardo.domeneck@gmail.com

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