domingo, 25 de janeiro de 2009

o Buuuda e a Booomba

Uma noite antes de rever Dr. Strangelove or How I Learned To Stop Worrying and Love the Bomb (1964), de Stanley Kubrick, eu vira pela primeira vez o filme de estréia de Hana Makhmalbaf, a filha mais de nova de Mohsen Makhmalbaf, chamado Buda as sharm foru rikht (2007), ou "Buddah Collapsed Out Of Shame", seu título em inglês, rodado quando Hana Makhmalbaf tinha 19 anos. Por trás do título grandiloquente, está um dos filmes mais inteligentes que vi nos últimos tempos.

Com roteiro de sua mãe, Marzieh Makhmalbaf, o filme é extremamente delicado e ao mesmo tempo assustador, mostrando a pequena história de uma menina de 6 anos que decide ir à escola, contra a vontade de sua mãe, porque seu vizinho da mesma idade ri dela por ela não saber ler. O filme segue a menina enquanto esta tenta, primeiro conseguir dinheiro para comprar um caderno, e depois encontrar uma escola onde meninas possam estudar, já que o ensino para homens e mulheres no país são separados. Este é apenas o pano-de-fundo para Makhmalbaf expor a situação da população local a partir da vida de suas crianças.

Foi rodado na província de Bamian, no Afeganistão, onde em 2001 o Talibã explodiu uma estátua milenar do Buda, esculpida na rocha, na encosta de uma montanha. Hana Makhmalbaf usa este acontecimento para criar um filme muito, muito inteligente, em minha opinião. Com a exceção de poucos momentos em que senti um uso melodramático da trilha sonora, o filme pareceu-me uma estréia realmente impressionante.

Há uma seqüência bastante perturbadora no filme, quando Bakhtay, a pequena heroína do filme (interpretada pela minúscula Nikbakht Noruz, que tinha menos de 6 anos à época), é "capturada" por um grupo de meninos, que passa o dia à beira de uma estrada, "brincando de Talibã", capturando meninas e as humilhando. Eles "acusam" Bakhtay de ser uma "mulher ímpia", por encontrarem um batom com ela (sem dinheiro para comprar lápis, ela rouba o batom da mãe para escrever na escola) e decidem "apedrejá-la", sem sabermos, como expectadores, quão longe eles estão dispostos a ir em sua brincadeira. Esta seqüência me pareceu verdadeiramente memorável, muito inteligente em sua exposição e crítica, mostrando a humilhação das meninas de forma nua, crua, sem precisar discursar em feminismos: a cena diz, faz tudo.



Assistir Buda as sharm foru rikht e, na noite seguinte, Dr. Strangelove or How I Learned To Stop Worrying and Love the Bomb, foi uma experiência muito interessante. Em Dr. Strangelove, temos Kubrick tratando da guerra em veia cômica, com adultos comportando-se como crianças, tratando da guerra nuclear como se esta fosse um jogo de tabuleiro; penso aqui na cena hilária em que o general americano e o embaixador russo começam uma briga, e o presidente americano ralha com eles naquela que é uma das gags mais engraçadas do cinema, com a deliciosa "Gentlemen, you can´t fight in here, this is the War Room!":



Em Buddah Collapsed... temos o contrário, em cenas perturbadoras em que crianças imitando adultos e brincando de guerra, mostram-se capazes de uma crueldade que na maior parte dos casos apenas imita a dos adultos em seu redor:



Se eu encontrasse Hana Makhmalbaf, eu gostaria de poder dizer a ela, em português mesmo: "Moça, você fez um filme muito inteligente e bonito."

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Entrevista com a jovem diretora no Festival de Cinema de Berlim:

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