Este ano teve como um de seus marcos de início, a morte de um poeta. Assim como 2008 ficou marcado para mim com a perda de Henri Chopin logo a 3 de janeiro, este ano apressa-se em diminuir nosso número logo a de 2 de janeiro, com a morte da poeta dinamarquesa Inger Christensen.
Descobri o trabalho de Christensen apenas no ano passado, quando ela fez sua leitura na noite de abertura do Festival de Poesia de Berlim, a mesma noite em que Arnaldo Antunes fez a performance de encerramento. (Alguns dias depois, Angélica Freitas e eu leríamos com outros poetas lusófonos e germânicos). A leitura de Christensen foi tratada com reverência e só mais tarde percebi que se tratava de uma das mais respeitadas poetas européias do pós-guerra. Quando o diretor do festival apresentou-a, vi apenas uma naniquinha de velhice compacta erguer-se da cadeira e cambalear com seu vestido impecável e bolsa até o palco.
O trabalho mais conhecido de Inger Christensen é o poema-em-série/livro Alfabeto, de 1981, em que a poeta usa as letras do alfabeto, de A a N, e a chamada seqüência de Fibonacci para conduzir um dos mais belos poemas que li nos últimos tempos. Esta prática a encaixava na gaveta da "poesia experimental", ainda que as constrições formais de Christensen funcionem de forma bastante diferente do que vemos nos poetas dos grupos OuLiPo e L=A=N=G=U=A=G=E. Vale dizer que seu último trabalho importante foi um ciclo de sonetos.
Tenho pensado em como o Brasil está atrasado e faminto em termos de poetas traduzidos. Não me refiro sequer aos poetas mais obscuros, como Pierre Albert-Birot, Umberto Saba ou Jack Spicer. O país passa ao largo até mesmo do que no mundo poderia ser chamado de "estrelato da poesia", com aqueles nomes mais famosos. Mesmo poetas como Czeslaw Milosz, Derek Walcott e Joseph Brodsky, que foram "estrelas" da poesia do pós-guerra, não têm volumes de poemas traduzidos no Brasil. Hoje em dia, penso em poetas como o estadunidense John Ashbery, o russo Yevgeny Yevtushenko ou o esloveno Tomaž Šalamun, também pouquíssimo divulgados no Brasil.
Busquei algo de Inger Christensen em português, para poder postar aqui e na franquia eletrônica da Modo de Usar & Co. Nada encontrei. Não em português, pelo menos até agora.
O poema-em-série "Alfabeto", em dinamarquês, começa assim: "1. abrikostræerne findes, abrikostræerne findes / 2. bregnerne findes; og brombær, brombær / og brom findes; og brinten, brinten". Vai aqui o início do poema em inglês:
Alphabet
1
apricot trees exist, apricot trees exist
2
bracken exists; and blackberries, blackberries;
bromine exists; and hydrogen, hydrogen
3
cicadas exist; chicory, chromium,
citrus trees; cicadas exist;
cicadas, cedars, cypresses, the cerebellum
4
doves exist, dreamers, and dolls;
killers exist, and doves, and doves;
haze, dioxin, and days; days
exist, days and death; and poems
exist; poems, days, death
5
early fall exists; aftertaste, afterthought;
seclusion and angels exist;
widows and elk exist; every
detail exists; memory, memory's light;
afterglow exists; oaks, elms,
junipers, sameness, loneliness exist;
eider ducks, spiders, and vinegar
exist, and the future, the future
6
fisherbird herons exist, with their grey-blue arching
backs, with their black-feathered crests and their
bright-feathered tails they exist; in colonies
they exist, in the so-called Old World;
fish, too, exist, and ospreys, ptarmigans,
falcons, sweetgrass, and the fleeces of sheep;
fig trees and the products of fission exist;
errors exist, instrumental, systemic,
random; remote control exists, and birds;
and fruit trees exist, fruittherein the orchard where
apricot trees exist, apricot trees exist
in countries whose warmth will call forth the exact
colour of apricots in the flesh
7
given limits exist, streets, oblivion
and grass and gourds and goats and gorse,
eagerness exists, given limits
branches exist, wind lifting them exists,
and the lone drawing made by the branches
of the tree called an oak tree exists,
of the tree called an ash tree, a birch tree,
a cedar tree, the drawing repeated
in the gravel garden path; weeping
exists as well, fireweed and mugwort,
hostages, greylag geese, greylags and their young;
and guns exist, an enigmatic back yard;
overgrown, sere, gemmed just with red currants,
guns exist; in the midst of the lit-up
chemical ghetto guns exist
with their old-fashioned, peaceable precision
guns and wailing women, full as
greedy owls exist; the scene of the crime exists;
the scene of the crime, drowsy, normal, abstract,
bathed in a whitewashed, godforsaken light,
this poisonous, white, crumbling poem
Alphabet, de Inger Christensen, traduzido para o inglês por Susanna Nied.
sexta-feira, 9 de janeiro de 2009
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