O problema com gente da nossa laia, poetas líricos e historicizados, é não sabermos diferenciar entre ocasião e circunstância.
Carta do poeta no inverno berlinense a um amigo no verão paulistano
Ensaboo a cabeça com o PANTENE PRO-V
Restauração Profunda que você esqueceu à borda
de minha banheira e penso pelas bolhas
nos cabelos como se fossem os balões
de diálogo nalgum cartoon
sobre os tempos em que andávamos pela Rua dos Pinheiros
certos de que Nomiya Maki era a Princesa dos Ornitorrincos.
Naquele tempo parecia-nos que uma seleção de canções
no toca-fitas e um par de ALL STARS tinham força
maior para distinguir e irmanar que as obsessões
de nossos compatriotas por códigos genéticos
a circular entre a rua Oscar Freire
e os livros de Gilberto Freyre.
Nossa pátria era a língua de Maysa,
mas também a de Maki Nomiya,
e a de Björk, e a de Beth Gibbons.
Naquele tempo ainda não sabíamos
que Brigitte Bardot
era a rainha xenófoba das monstrengas
e “Tu veux ou tu veux pas” era um hino
pois nossos dilemas eram deveras inofensivos
e nos deslumbrávamos com mais facilidade,
ainda que, em nosso linguajar,
estivesse catalogado como pejorativo
o particípio passado de “deslumbrar”,
e entre a happy hour e o déjeuner malheureux
sonhássemos com o equilíbrio das noites
e dos dias, já que entre eles repartíamos
nossos pesadelos.
Naquele tempo você carregava livros
de Ana Cristina Cesar, eu os de Hilda Hilst
que eu comungava com o mundo em catequese,
mas você recusava emprestar os de sua suicida
pois estavam cheios às margens
de anotações, e me pergunto se hoje
você os distribui, quando já sabemos
que, cedo ou tarde, todas as pessoas
sonham-se divas, suicidas ou não, ainda
que suspeitem todos que poucos
saem da vida para entrar para a História.
Pergunto-me se você também se pergunta
se é ilimitado no mundo o número de atrizes,
cantoras e poetas, estes péssimos
exemplos e modelos que acumulamos
para os nossos vales da sombra do drama,
ou se uma noite qualquer em nossas cabeças
todas elas se entupirão de barbitúricos
e despertaremos pela primeira vez lúcidos,
enquanto elas têm seus corpos carregados
em macas por nossos ouvidos afora, o flash
das câmeras dos paparazzi
cegando os transeuntes dos nossos delírios.
Naquele tempo ainda estava longe o tempo
em que nos flagrariam começando frases
com “naquele tempo” e parecia-nos
que, muito mais difícil
que acompanhar as capas da Vogue
ou os rostos do Ministro da Fazenda,
era acompanhar os nomes dos namorados
de nossos companheiros de rua e de boteco.
No entanto, mais importante também.
Como é implacável a sucessão de Reveillons
do Rio de Janeiro, como retornam os carnavais
que evacuam São Paulo! O calendário
tem uma persistência admirável.
Mas nós, nós éramos inenvelhecíveis.
Quais serão as tendências da moda
nos desfiles do inverno-inverno
de 2099? Ou será que caminhamos em verdade
para um verão-verão global? Cairão bem
à Terra uns meteoros? Estaremos todos macérrimos
(adeus, Academias de fitness e footnotes)
com umas virulências a mais? Clones
de Kate Moss
marcharão pelas passarelas? O look Mad Max
será o dernier cri
ou já seremos os últimos gritos dos Moicanos
de nós mesmos?
Que diferença faz, meu amigo, a esta altura
seremos já os mais elegantes esqueletos
de algum cemitério da cidade de São Paulo
e pouco importarão que texturas ou estampas
marcam o luto dos que já estarão ocupados
com o levíssimo fardo de esquecer-nos.
.
.
.
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6 comentários:
o look mad max É o dernier cri
eu já estou querendo mendigar modernamente faz umas cinco semanas, mas aí nesse meio tempo emagreci e quis pagar de gatinho.
LOVE YA :* amei, qse chorei, não procurei entender, todos viram
escrevê-lo foi como estar com as minhas patas uma vez mais na Rua dos Pinheiros, ouvindo Pizzicato Five, conversando com você sobre nossos problemas gigantescamente importantes.
acho que você quis dizer que não procurou "esconder", mas não "procurar entender" é o que um poeta mais implora a um leitor, obrigado e obrigado
r
deslumbrante.
que ato falho maravilhoso HAHAHAHA
acolhedor. e triste
Es ist ein schöner Text, aber irgendwie tut es doch weh (und wie!) ihn zu lesen... vor allem ese levísimo (¿no será más bien pesadísimo?) fardo für die anderen, die einen vergessen sollen.
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