§ – sobre Glenn Gould –
Genius Within: The Inner Life of Glenn Gould (2009).
Dirigido por Michèle Hozer e Peter Raymont, este documentário excelente foi lançado no Canadá em 2009, e nos Estados Unidos no ano passado. Traz muitas cenas do pianista e entrevistas com seus poucos amigos e as pessoas com quem ele trabalhou e conviveu. Talvez seja difícil de entender a revolução que ele significou para a música tendo nascido depois da revolução que ele causou. Mas é ainda impossível tirar os olhos deste homem em cada segundo que ele aparece na tela. Assisti ao filme com O Moço e depois ficamos ouvindo duas gravações de Gould, a de 1955 para as "Variações Goldberg - BWV 988" de Bach (gravação que o deixou famoso de imediato), e a de 1966 para a "Sonata Patética" de Beethoven. Recomendo muitíssimo o documentário.
Fiquei muito surpreso ao fim do filme, quando começam a rolar os créditos e percebo que um dos produtores é um amigo meu, Kelly Jenkins, que vive hoje em Toronto mas viveu por um tempo em Berlim.
Genius Within: The Inner Life of Glenn Gould tem todas as qualidades que faltam ao outro documentário que gostaria de comentar, este mais largamente.
:
:
§ – sobre Pina Bausch –
Pina (2011).
O Moço e eu estávamos esperando com muita ansiedade pelo filme, ainda que a ideia de ter Wim Wenders dirigindo-o nos desse calafrios. Fomos ao cinema na terça-feira e nosso medo se concretizou - Wenders compôs, em nossa opinião, uma pseudo-hagiografia kitsch para esta que foi uma das artistas mais espetaculares do pós-guerra. Ele o fez com respeito e admiração, mas seu sentimentalismo não permite que toque qualquer material sem diminuí-lo, justamente por sua tentativa desnecessária de engrandecê-lo. Pina Bausch por algum motivo convida a este tipo de abordagem hagiográfica, já o presenciei em outros documentários e entrevistas. Ela impõe um tipo de respeito que infelizmente gera esta mistificação. Isso realmente não me parece positivo... é um respeito sem lucidez. Duvido que seja galanteador receber este tipo de atenção. Talvez não seja impossível argumentar que o filme não é ruim, mas o que há realmente de bom no filme eu ousaria dizer que não se deve à direção de Wenders, mas à força do trabalho de Bausch e o talento de seus dançarinos.
Não tenho problemas com o sentimentalismo de Wim Wenders. Eu próprio tenho um lado cafona muito forte. Lembro-me de um lindo documentário sobre Julio Cortázar, com cenas de uma entrevista em que ele confessava ser muito sentimental e cafona, do tipo "que gosta de chorar em cinemas e sair dissimulando a cara". Eu sou do mesmo tipo. TODOS os meus amigos alemães consideram o filme Der Himmer über Berlin {Asas do desejo}, de 1987, uma coisa absurdamente kitsch e sentimentalóide. EU ADORO aquele filme. Sempre gostei, e já o vi muitas vezes. Também considero Paris, Texas (1984) um filme lindíssimo, praticamente perfeito. Mas as coisas realmente começaram a desandar para Wenders na década de 90, e o último filme dele que vi, Don't Come Knocking (2005), foi uma das experiências mais dolorosamente horríveis que tive em um cinema em toda a minha vida. É um dos PIORES filmes desta década que acaba de acabar, uma década, diga-se de passagem, com tantos filmes fenomenais.
Poderíamos dizer que os problemas do filme estão simbolizados no título: o filme quer ser "íntimo"... é Pina, a amiga de Wim... eu preferiria ter visto um filme que tivesse Bausch por título mais apropriado. É interessante compará-lo com o documentário sobre Glenn Gould: os diretores canadenses não fazem a íntima (como se dizia na São Paulo de dez anos atrás) com seu retratado, e conseguem dar aos espectadores um retrato muito próximo e caloroso, cheio de respeito lúcido pelo pianista, sem tentar mitificar ainda mais sua existência. É biografia, não hagiografia. Já o documentário do alemão sobre a alemã, todo baseado na intimidade dos que conviveram com ela, parece manter o espectador sempre a uma braçada de distância.
Mesmo assim, Pina vale pelo que mostra do trabalho da coreógrafa. Os seus dançarinos e colaboradores fiéis reencenam vários dos clássicos da alemã, há cenas de arquivo, e é assustador ver como aquela mulher criou realmente uma linguagem que pode ser posta lado a lado com algumas das mais assombrosas criações do pós-guerra europeu, da escultura de Giacometti ao teatro de Beckett, da escrita de Jabès ao cinema de Godard, da música de Berio à obra de Beuys.
Café Müller, de 1978, entre outras peças/coreografias, ocupa um espaço tão FÍSICO em nossa imaginação quanto qualquer romance, poema, composição musical ou obra de arte visual.
.
.
.
quinta-feira, 10 de março de 2011
Pequenas notas sobre dois documentários vistos recentemente
Marcadores:
glenn gould,
kelly jenkins,
pina bausch,
wim wenders
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Mais ou menos de mim
Projetos Paralelos
Leituras de companheiros
- Adelaide Ivánova
- Adriana Lisboa
- Alejandro Albarrán
- Alexandra Lucas Coelho
- Amalia Gieschen
- Amina Arraf (Gay Girl in Damascus)
- Ana Porrúa
- Analogue Magazine
- André Costa
- André Simões (traduções de poetas árabes)
- Angaangaq Angakkorsuaq
- Angélica Freitas
- Ann Cotten
- Anna Hjalmarsson
- Antoine Wauters
- António Gregório (Café Centralíssimo)
- Antônio Xerxenesky
- Aníbal Cristobo
- Arkitip Magazine
- Art In America Magazine
- Baga Defente
- Boris Crack
- Breno Rotatori
- Brian Kenny (blog)
- Brian Kenny (website)
- Bruno Brum
- Bruno de Abreu
- Caco Ishak
- Carlito Azevedo
- Carlos Andrea
- Cecilia Cavalieri
- Cory Arcangel
- Craig Brown (Common Dreams)
- Cristian De Nápoli
- Cultura e barbárie
- Cus de Judas (Nuno Monteiro)
- Damien Spleeters
- Daniel Saldaña París
- Daniel von Schubhausen
- Dennis Cooper
- Dimitri Rebello
- Dirceu Villa
- Djoh Wakabara
- Dorothee Lang
- Douglas Diegues
- Douglas Messerli
- Dummy Magazine
- Eduard Escoffet
- Erico Nogueira
- Eugen Braeunig
- Ezequiel Zaidenwerg
- Fabiano Calixto
- Felipe Gutierrez
- Florian Puehs
- Flávia Cera
- Franklin Alves Dassie
- Freunde von Freunden
- Gabriel Pardal
- Girl Friday
- Gláucia Machado
- Gorilla vs. Bear
- Guilherme Semionato
- Heinz Peter Knes
- Hilda Magazine
- Homopunk
- Hugo Albuquerque
- Hugo Milhanas Machado
- Héctor Hernández Montecinos
- Idelber Avelar
- Isabel Löfgren
- Ismar Tirelli Neto
- Jan Wanggaard
- Jana Rosa
- Janaina Tschäpe
- Janine Rostron aka Planningtorock
- Jay Bernard
- Jeremy Kost
- Jerome Rothenberg
- Jill Magi
- Joca Reiners Terron
- John Perreault
- Jonas Lieder
- Jonathan William Anderson
- Joseph Ashworth
- Joseph Massey
- José Geraldo (Paranax)
- João Filho
- Juliana Amato
- Juliana Bratfisch
- Juliana Krapp
- Julián Axat
- Jörg Piringer
- K. Silem Mohammad
- Katja Hentschel
- Kenneth Goldsmith
- Kátia Borges
- Leila Peacock
- Lenka Clayton
- Leo Gonçalves
- Leonardo Martinelli
- Lucía Bianco
- Luiz Coelho
- Lúcia Delorme
- Made in Brazil
- Maicknuclear de los Santos Angeles
- Mairéad Byrne
- Marcelo Krasilcic
- Marcelo Noah
- Marcelo Sahea
- Marcos Tamamati
- Marcus Fabiano Gonçalves
- Mariana Botelho
- Marius Funk
- Marjorie Perloff
- Marley Kate
- Marília Garcia
- Matt Coupe
- Miguel Angel Petrecca
- Monika Rinck
- Mário Sagayama
- Más Poesía Menos Policía
- N + 1 Magazine
- New Wave Vomit
- Niklas Goldbach
- Nikolai Szymanski
- Nora Fortunato
- Nora Gomringer
- Odile Kennel
- Ofir Feldman
- Oliver Krueger
- Ondas Literárias - Andréa Catrópa
- Pablo Gonçalo
- Pablo León de la Barra
- Paper Cities
- Patrícia Lino
- Paul Legault
- Paula Ilabaca
- Paulo Raviere
- Pitchfork Media
- Platform Magazine
- Priscila Lopes
- Priscila Manhães
- Pádua Fernandes
- Rafael Mantovani
- Raymond Federman
- Reuben da Cunha Rocha
- Ricardo Aleixo
- Ricardo Silveira
- Rodrigo Damasceno
- Rodrigo Pinheiro
- Ron Silliman
- Ronaldo Bressane
- Ronaldo Robson
- Roxana Crisólogo
- Rui Manuel Amaral
- Ryan Kwanten
- Sandra Santana
- Sandro Ornellas
- Sascha Ring aka Apparat
- Sergio Ernesto Rios
- Sil (Exausta)
- Slava Mogutin
- Steve Roggenbuck
- Sylvia Beirute
- Synthetic Aesthetics
- Tazio Zambi
- Tetine
- The L Magazine
- The New York Review of Books
- Thiago Cestari
- This Long Century
- Thurston Moore
- Timo Berger
- Tom Beckett
- Tom Sutpen (If Charlie Parker Was a Gunslinger, There'd Be a Whole Lot of Dead Copycats)
- Trabalhar Cansa - Blogue de Poesia
- Tracie Morris
- Tô gato?
- Uma Música Por Dia (Guilherme Semionato)
- Urbano Erbiste
- Victor Heringer
- Victor Oliveira Mateus
- Walter Gam
- We Live Young, by Nirrimi Hakanson
- Whisper
- Wir Caetano
- Wladimir Cazé
- Yang Shaobin
- Yanko González
- You Are An Object
- Zane Lowe
Arquivo do blog
-
▼
2011
(177)
-
▼
março
(13)
- Pequeno diário madrilenho, com notas sobre Córdova...
- Minúsculo relatório de poesia cordovesa
- Em Córdova, terra de Gôngora, participando do fest...
- "Elegia para a Rainha dos Epitalâmios" ou "The Day...
- Hoje à noite na SHADE inc: performance da francesa...
- A tristeza de perceber que à frente de seu tempo t...
- Ao contemplar as franjas de Louise Brooks
- É inaugurada hoje à noite em Belo Horizonte a most...
- "Carta do poeta no inverno berlinense a um amigo n...
- "Patrícia Galvão, desejosa de maremotos"
- Pequenas notas sobre dois documentários vistos rec...
- Alguns poemas memoráveis da última década: "Miscas...
- Fran Lebowitz para a presidência do planeta
-
▼
março
(13)
2 comentários:
Richtig interessant der heutige Post! Ich finde die Analyse der Unterschiede zwischen der Dokumentationen sehr angebracht. "Pina" ist mehr, anhand dessen was du erklärst, mehr eine subjektive Hommage als eine Dokumentation.
Me ha parecido muy interesante y coincido en la importancia del lenguaje desarrollado por Pina Bausch.
Gracias.
o documentário do gould é incrível... no programa de documentários da Cultura, o Cultura Documentários, de vez em quando passa (já assisti duas vezes por lá rsrs)
Postar um comentário