quinta-feira, 10 de março de 2011

Pequenas notas sobre dois documentários vistos recentemente

§ – sobre Glenn Gould –

Genius Within: The Inner Life of Glenn Gould (2009).

Dirigido por Michèle Hozer e Peter Raymont, este documentário excelente foi lançado no Canadá em 2009, e nos Estados Unidos no ano passado. Traz muitas cenas do pianista e entrevistas com seus poucos amigos e as pessoas com quem ele trabalhou e conviveu. Talvez seja difícil de entender a revolução que ele significou para a música tendo nascido depois da revolução que ele causou. Mas é ainda impossível tirar os olhos deste homem em cada segundo que ele aparece na tela. Assisti ao filme com O Moço e depois ficamos ouvindo duas gravações de Gould, a de 1955 para as "Variações Goldberg - BWV 988" de Bach (gravação que o deixou famoso de imediato), e a de 1966 para a "Sonata Patética" de Beethoven. Recomendo muitíssimo o documentário.




Fiquei muito surpreso ao fim do filme, quando começam a rolar os créditos e percebo que um dos produtores é um amigo meu, Kelly Jenkins, que vive hoje em Toronto mas viveu por um tempo em Berlim.





Genius Within: The Inner Life of Glenn Gould tem todas as qualidades que faltam ao outro documentário que gostaria de comentar, este mais largamente.

:
:


§ – sobre Pina Bausch –


Pina (2011).


O Moço e eu estávamos esperando com muita ansiedade pelo filme, ainda que a ideia de ter Wim Wenders dirigindo-o nos desse calafrios. Fomos ao cinema na terça-feira e nosso medo se concretizou - Wenders compôs, em nossa opinião, uma pseudo-hagiografia kitsch para esta que foi uma das artistas mais espetaculares do pós-guerra. Ele o fez com respeito e admiração, mas seu sentimentalismo não permite que toque qualquer material sem diminuí-lo, justamente por sua tentativa desnecessária de engrandecê-lo. Pina Bausch por algum motivo convida a este tipo de abordagem hagiográfica, já o presenciei em outros documentários e entrevistas. Ela impõe um tipo de respeito que infelizmente gera esta mistificação. Isso realmente não me parece positivo... é um respeito sem lucidez. Duvido que seja galanteador receber este tipo de atenção. Talvez não seja impossível argumentar que o filme não é ruim, mas o que há realmente de bom no filme eu ousaria dizer que não se deve à direção de Wenders, mas à força do trabalho de Bausch e o talento de seus dançarinos.






Não tenho problemas com o sentimentalismo de Wim Wenders. Eu próprio tenho um lado cafona muito forte. Lembro-me de um lindo documentário sobre Julio Cortázar, com cenas de uma entrevista em que ele confessava ser muito sentimental e cafona, do tipo "que gosta de chorar em cinemas e sair dissimulando a cara". Eu sou do mesmo tipo. TODOS os meus amigos alemães consideram o filme Der Himmer über Berlin {Asas do desejo}, de 1987, uma coisa absurdamente kitsch e sentimentalóide. EU ADORO aquele filme. Sempre gostei, e já o vi muitas vezes. Também considero Paris, Texas (1984) um filme lindíssimo, praticamente perfeito. Mas as coisas realmente começaram a desandar para Wenders na década de 90, e o último filme dele que vi, Don't Come Knocking (2005), foi uma das experiências mais dolorosamente horríveis que tive em um cinema em toda a minha vida. É um dos PIORES filmes desta década que acaba de acabar, uma década, diga-se de passagem, com tantos filmes fenomenais.


Poderíamos dizer que os problemas do filme estão simbolizados no título: o filme quer ser "íntimo"... é Pina, a amiga de Wim... eu preferiria ter visto um filme que tivesse Bausch por título mais apropriado. É interessante compará-lo com o documentário sobre Glenn Gould: os diretores canadenses não fazem a íntima (como se dizia na São Paulo de dez anos atrás) com seu retratado, e conseguem dar aos espectadores um retrato muito próximo e caloroso, cheio de respeito lúcido pelo pianista, sem tentar mitificar ainda mais sua existência. É biografia, não hagiografia. Já o documentário do alemão sobre a alemã, todo baseado na intimidade dos que conviveram com ela, parece manter o espectador sempre a uma braçada de distância.

Mesmo assim, Pina vale pelo que mostra do trabalho da coreógrafa. Os seus dançarinos e colaboradores fiéis reencenam vários dos clássicos da alemã, há cenas de arquivo, e é assustador ver como aquela mulher criou realmente uma linguagem que pode ser posta lado a lado com algumas das mais assombrosas criações do pós-guerra europeu, da escultura de Giacometti ao teatro de Beckett, da escrita de Jabès ao cinema de Godard, da música de Berio à obra de Beuys.

Café Müller, de 1978, entre outras peças/coreografias, ocupa um espaço tão FÍSICO em nossa imaginação quanto qualquer romance, poema, composição musical ou obra de arte visual.





.
.
.

2 comentários:

Anônimo disse...

Richtig interessant der heutige Post! Ich finde die Analyse der Unterschiede zwischen der Dokumentationen sehr angebracht. "Pina" ist mehr, anhand dessen was du erklärst, mehr eine subjektive Hommage als eine Dokumentation.

Me ha parecido muy interesante y coincido en la importancia del lenguaje desarrollado por Pina Bausch.

Gracias.

Bruno de Abreu disse...

o documentário do gould é incrível... no programa de documentários da Cultura, o Cultura Documentários, de vez em quando passa (já assisti duas vezes por lá rsrs)

Arquivo do blog