Eu costumava ver este rapaz toda vez que ia a um clube aqui de Berlim chamado Scala, que já fechou. Discotequei ali algumas vezes, funcionava em um prédio velho e teve o fim de quase todo clube berlinense dos últimos anos: foi obrigado a cerrar as portas porque os proprietários decidiram reformar o prédio e transformá-lo em morada de luxo. O rapaz sempre me chamava a atenção, não apenas por ser muito bonito e também diferente da loirice alemã por vezes homogênea demais, mas porque meu instinto dizia que havia mais que apenas looks ali. Nunca se sabe, é claro. Aconteceu várias vezes de tomarmos o mesmo bonde para casa, o que me levou a crer que morávamos no mesmo bairro. Na verdade, como descobriria depois, moramos em bairros fronteiriços, ele em Pankow, eu em Prenzlauer Berg. Depois de tanto nos vermos no mesmo clube e transporte público, puxei papo uma noite e o convidei para o evento às quartas-feiras que coorganizo. Daí em diante tornamo-nos amigos e tive com isso a sorte de conhecer um rapaz incrivelmente educado, além de inteligente e apaixonado (deveria dizer obcecado) por música.
Marius Funk nasceu em Berlim (antes da Queda do Muro, na então Berlim Ocidental) em janeiro de 1986, de pai mongol e mãe alemã, o que explica este rosto marcante. Cresceu e viveu toda a sua vida aqui, agora capital.
Costuma surpreender quando encontramos um berlinense, um nativo. Por causa do Muro, viver em Berlim não era exatamente considerado um luxo. Em geral encontramos hoje berlinenses, nascidos aqui, com mais de 50 anos. Com a migração para a cidade na década de 90 - após a Queda do Muro - há toda uma geração de meninos e meninas berlinenses chegando agora à maturidade, com cerca de 20 anos. Eu costumo brincar que você reconhece um/a berlinense da seguinte maneira: ou ele/a está carregando uma bengala, ou um skateboard. Ou seja, os berlinenses nativos (geralmente bem orgulhosos de o serem) são na maioria muito velhos ou muito novos. Na minha faixa etária (estou hoje nos meus mid-thirties), o que encontramos é o grande número de alemães que se mudaram para Berlim na década de 90 ou início dos anos 2000. Mais uma vez, eu costumo brincar que a Queda do Muro teve, entre suas consequências, o esvaziamento de até 65% do estado alemão de Baden-Württemberg, no sul do país, de onde tenho a impressão de que veio quase todo imigrante que conheço na cidade - inclusive o meu Moço, Jannis. Marius pertence a uma geração que nasceu e começou a crescer ainda na Berlim dividida, como outros amigos meus. E só quem viveu entre alemães sabe como um berlinense em geral diferencia-se dos outros. Não creio que eu conseguiria viver em qualquer outra cidade deste país. Se em alguns países a maior cidade é o epítome do que costumamos associar com o lugar (como Paris e França, por exemplo, ou Buenos Aires e Argentina), em outros a relação é contrária. Eu costumo dizer que há Berlim... e há a Alemanha - ainda que, infelizmente, Berlim esteja se tornando cada vez mais a capital mesmo da Alemanha, em todos os tristes sentidos.
Marius Funk é hoje uma de minhas fontes principais de música nova e também um dos meus DJs favoritos, sem mencionar que gosto muito, muito dele como amigo. Convido-o pelo menos uma vez por mês para tocar na SHADE inc, como é o caso de hoje à noite. Como passei a dedicar meu tempo quase integral à escrita e ao trabalho com vídeo, hoje quase não discoteco e estou bem próximo de aposentar-me como DJ, pois não tenho tempo para acompanhar o fluxo estonteante de música nova acontecendo. Os últimos movimentos que surgiram na Europa, como o dubstep e agora seus desdobramentos, começam já a atropelar-me. Foi por isso que sugeri a Marius que passasse a discotecar, pois sua paixão e o conhecimento sobre música pop que demonstrava eram realmente incríveis. Faz agora um par de anos que passou a tocar em nosso evento com frequência. Desde então, sua carreira tem seguido bem rápida e já foi convidado a tocar em dois grandes festivais da Alemanha.
Ele está agora preparando suas primeiras produções pessoais de música, mas se recusa a mostrá-las até que estejam prontas. Outra característica dele: um perfeccionismo por vezes enlouquecedor.
Na semana passada, Marius decidiu começar uma página onde fará sugestões diárias de música nova. A quem interessar o que está acontencendo na Europa, mas não só, recomendo muitíssimo uma visita diária a sua página SongTreat:
SONGTREAT: PÁGINA DE MARIUS FUNK PARA A APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DE MÚSICA NOVA
A propósito, seu nome - Marius Funk - não é pseudônimo ou codinome de artista. "Funk", que em alemão é usado para o campo semântico de "rádio", é realmente seu sobrenome. Eu sempre achei muito engraçado, de tão apropriado. Pedi a Marius que fizesse uma listagem de 15 bandas (e suas respectivas canções favoritas) que em sua opinião deveríamos acompanhar. Seguem abaixo as 15 escolhidas.
QUINZE BANDAS E CANÇÕES EXCEPCIONAIS, SELECIONADAS POR MARIUS FUNK
§ - Teengirl Fantasy - "Cheaters"
§- Jozif - "Suddenly Somethin'"
§- Helios - "Woods And Gives Away"
§- The Kilimanjaro Darkjazz Ensemble - "Embers"
§- Altrice - "Modern Song"
§ - Portugal. The Man - "The Sun"
§ - Wolfgang - "Back To Back" (acoustic version)
§ - Jeniferever - "A Ghost In The Corner Of Your Eye"
§ - Onra - "The One" (feat. T3 from Slum Village)
§ - Hard Mix - "Now Her"
§ - The Magician - "Magic Tape Nine" (his latest monthly mix)
Magic Tape Nine by TheMagician
§ - Under Byen - "Det Er Mig Der Holder Træerne Sammen"
§ - Midland - "Leitmotif"
§ - Anoraak - "Nightdrive With You" (Saycet Remix)
§ - Totally Enormous Extinct Dinosaurs - "Waulking Song"
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