Bernadette Mayer nasceu na cidade de Nova Iorque, no bairro do Brooklyn, em 1945. Ela estreou em livro, creio, com Ceremony Latin (1964), e ficou conhecida com suas plaquetes de poemas publicadas durante a década de 70, especialmente pela editora Angel Hair, dirigida por Anne Waldman e Lewis Warsh. Seu trabalho, porém, começou a circular através de sua revista 0 to 9 no fim dos anos 60, revista que ela editou em colaboração com o então poeta, mais tarde performer e videasta, Vito Acconci (n. 1940).
Foi através desta associação com Acconci que a descobri há alguns anos. Na época em que eu escrevia os poemas da segunda parte de Carta aos anfíbios e todos os d´a cadela sem Logos, por causa de minha obsessão por trabalhar na fronteira das dualidades corpo/mente, concreto/abstrato, corporal/espiritual, além do início do meu interesse pelo vídeo como meio poético para a poesia oral e em performance, passei a pesquisar intensamente o trabalho de performers-videastas americanos que usavam textos em seus vídeos, como por exemplo Martha Rosler, Gary Hill e Vito Acconci. Este último iniciara sua carreira como poeta conceitual, antes de dedicar-se ao vídeo e à performance, passando a ser mais conhecido por estes trabalhos e não como escritor. Esta sua metamorfose me interessava muito. O volume Vito Acconci Studio, no qual leria pela primeira vez sobre Bernadette Mayer, foi publicado como catálogo de uma exposição no MABCA - Museu de Arte Contemporânea de Barcelona, e traz alguns dos textos de Acconci e também reproduções de páginas da revista 0 to 9.
Confesso ter perdido muito do meu interesse inicial por Vito Acconci, mas meu interesse por Bernadette Mayer apenas cresceu. Seu trabalho vai do puramente conceitual à prosa fluida. No vídeo abaixo, ela oraliza seu texto "Eve of Easter", em 1978. O texto seria publicado no livro The Golden Book of Words (Lenox: Angel Hair, 1978). Mayer não é poeta sonora, nem faz piruetas vocais. Mas trata-se de uma leitura muito elegante, que me parece vivificar o texto. Eu, que ando tentanto aprender a oralizar meus próprios textos sem fazer muita voz de reza, gosto bastante do vídeo e da leitura.
Véspera de Páscoa
Milton, que forçava suas filhas ágrafas
A ler para ele em cinco línguas
Até receberem a notícia que ele se casaria de novo
E disseram que prefeririam ouvir que ele morrera
Milton que transforma até mesmo Paradise Lost
Em uma autobiografia, eu tenho três
Bebês esta noite, todos estão dormindo:
Rachel a tataraneta
De Herman Melville dorme na cama
Sophia e Marie estão dormindo
Sophia homônimo das mulheres
De Lewis Freedson o acadêmico e Nathaniel Hawthorne
Marie o nome mais velho de minha mãe, estas três meninas
Em repouso na escuridão, eu fiz a escuridão luzente
Eu roubei imagens de Milton para curar o tenebroso opaco
Para tornar o quarto um globo sob esta rouca
Lua de março, eclipsada só à luz do dia
Corpos de bebês em respiração pesada
Filhas e descendentes na presença dos
Grandes, Milton e Melville e Hawthorne, todos falando
Ao mesmo tempo, eu apenas as olhei todas fundidas
Cada uma parte semita, de uma raça sempre em guerra
O restante de sua graça herdada
Dentre nórdicos, alemães e ingleses, escritores na paz
Apressando judeus em guerra para a democracia quando em verdade
A paz está à janela implorando admissão
Com as hordas em meio ao ar
Frio demais para esta época do ano,
Véspera de Páscoa e a chocante ideia da ressurreição
Algum dos bebês mexe-se agora, faminto por um ovo
É a bebê Melville, pronta para a gritaria
A Melville chupa seus dedos como consolo
Ela faz um som de grunhido
Bebê Hawthorne ainda em sono profundo
A que assemelha-se a minha mãe está apagada
A Melville ainda que a menor é a que mais quer
Porque não vive em verdade aqui
Hawthorne vai querer ser amamentada quando acordar
Melville chupou um pouco e logo cochilou novamente
Agora Hawthorne está se movimentando, a mais faminta
Mas talvez a mais seduzida pela escuridão no quarto
Eu posso escutar Hawthorne, sei que agora está acordada
Mas será que se moverá, perturbando o sono plácido
De Melville e insistindo em despertar-nos a todos
Enquanto isso o restante das pessoas de Lenox
Sobem e descem as ruas de carro
Agora Hawthorne quer comer
Todas elas veem a luz à qual escrevo, Hawthorne suspira
A casa está quieta, eu escuto Melville e seu jogo
Eu nunca troquei as fraudas de um garoto
Acho que vou pegar Hawthorne e amamentá-la pelo prazer
De cortar em meio à escuridão antes que seu barulho comedido
Estimule os garotos, cozinharei um peixe
Mantendo a postura na presença
De intrépidos descendentes, obstinados seus pais
Olham-me e brindam tinta
Eu devolvo o olhar para as filhas como quem pisca
Véspera de Páscoa, eu herdei este
Sono pacífico dos filhos de homens
Rachel, Sophia, Marie e novamente eu
Bernadette, toda coração eu vivo, toda crânio, toda olho, toda ouvido
Eu perdi o preconceito do paraíso
E acabei aqui, cuidando dos bebês destes caras
(tradução de Ricardo Domeneck)
Bernadette Mayer nos últimos anos tem sido publicada pela importante editora heróico-modernista New Directions, que primeiro lançou A Bernadette Mayer Reader (New York: New Directions, 1992), seguido de trabalhos como Proper Name & other stories (1996), a reedição de Midwinter Day (1982/1999), Scarlet Tanager (2005) e o seu mais recente, Poetry State Forest (2008).
Sob a força desta leitura-em-vídeo, procurei novamente trabalhos dela na Rede. Passei a manhã com Poetry (1976), que traz desde textos mais conceituais a textos em prosa e sextinas, do qual extraí e traduzi o poema abaixo.
.......................O porto
............Nós contamos a eles os mitos de outros
............Sentados ao redor da velha, imponente nau
............E à mesa da nau, que fora despachada
............Dalgum porto distante.
............O despenseiro chegou em busca das cartas
............À espera de notícias de um porto próximo
............Mas, como o vinho que bebêramos cedo demais,
............Nossos corações estavam com a nau
............Onde afinal nossa mesa fora posta.
............Parte de nossa atenção concentrava-se
............Na tempestade a flagelar-nos como se a chuva
............Pudesse sobrepujar a presença de outros
............E da velha devoção no discurso do capitão.
............O capitão preferia antigos modelos de exórdio
............Àqueles que eram curtos
............E interceptara a carta do despenseiro
............Durante o seu próprio discurso inicial,
............Abreviado com loas à companhia dona da nau.
............Ele acusou-nos de sermos velhos e alcoólatras
............E de deixarmos bigodes que se enroscavam
............No sal do mar em que navegávamos
............Se ao menos pudéssemos deixar o porto.
.......................(tradução de Ricardo Domeneck)
Clique na imagem para ler o original
Se você não conhece a incrível página Eclipse, que mantém arquivos em pdf dos livros do início de carreira de vários poetas norte-americanos da década de 60 e 70, conheça-a já. A página declara apresentar: "exemplars of the new trobar clus, adventures in diminished reference, lost classics of modernism, écriture actuelle, hard-core composition, ephemeral memos filed by the Research Division of the Bureau of Resistance, and a series of sacrifices in which the victims are words.", heroicamente editada por Craig Dworkin.
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