Cheguei ontem a Barcelona, onde apresentei meu trabalho videopoético à noite no festival ReVox (visite a página do festival), que conta este ano com a participação do coletivo Décade ::: uma colaboração entre o poeta sonoro francês Anne-James Chaton, o artista sonoro alemão Alva Noto e o guitarrista inglês Andy Moor, e ainda dos poetas vocais e sonoros: Jelle Meander (da Bélgica), Albert Balasch (da Catalunha, que se apresentou com o músico Hans Laguna) e Peru Saizprez (do Peru, vive em Madri), além de moi.
A apresentação em Barcelona foi no centro cultural Arts Santa Mònica, que no momento abriga também uma exposição sobre o compositor de vanguarda catalão Josep Mestres Quadreny, que colaborou em trabalhos poético-visuais, sonoros e inclassificáveis com Joan Miró, Joan Brossa, Antoni Tàpies e outros. Amanhã seguimos todos para Madri, onde repetimos as performances no Museo Reina Sofía.
Meu setlist de ontem foi:
1- "Texto em que o poeta celebra o amante de vinte e cinco anos" - oralização do texto, com tradução de Cristian De Nápoli para o castelhano.
2 - "Mula" - vídeo, com performance vocal minha sobre peça sonora, uma colaboração com o fenomenal duo Tetine.
3 - "Eustachian Tube in Staccato" - vídeo, com performance vocal minha sobre peça sonora, uma colaboração com o talentosíssimo músico britânico Joseph Ashworth.
4 - "X + Y: Uma Ode" - vídeo, com oralização ao vivo.
5 - "Six songs of causality" - vocalização permutacional-acumulativa dos seis textos, com apresentação visual.
Qual foi o hit? Invariavelmente recebo os maiores elogios pelas "Six songs of causality", e é por isso que sempre termino com elas, talvez minha pecinha mais redondinha conceitualmente.
Mas o que mais me divertiu foi oralizar um dos meus textos mais recentes, que se chama "X + Y: uma ode", um poema que me divertiu horrores enquanto o escrevia. Talvez possa dizer que se trata do poema mais viado da literatura brasileira? Não, acho que este Oscar goes to Roberto Piva em algum de seus livros. Mas aqui está o texto, parte da minha busca por uma poética não tanto concreta, densa ou concisa, mas sim tesa. Ah! Uma poética leve e tesa, que sonho seria atingi-la! Que sonho! Tesa como uma ereção duradoura! Oh, illusion! oh, bliss!
X + Y: uma ode
An refert, ubi et in qua arrigas?
Suetônio
Houvesse nascido
mulher, já teria dado
à luz sete
filhos de nove
homens distintos.
Agora, vivo entretido
com as teorias
a explicarem meu gosto
por odores específicos,
certa distribuição de pelos
nas pernas alheias,
os cabelos na nuca
e no peito
sem seios, ainda que aprecie
certas glândulas mamárias
de moços e rapazes
com aquela dose
saudabilíssima
aos meus olhos de hipertrofia.
Medito sobre as conjecturas
de terapeutas,
os relatos de uma Persona
partida, Édipo subnutrido,
sem modelo
na infância de um lendário
Laio
exemplar, lançando-me
a uma suposta
busca entre amantes
por mim mesmo.
Tentei, sem o menor
sucesso,
por dias induzir-me à ereção
diante do espelho.
Concluí não ser tão
eréctil meu ego.
Ouvi com atenção
a fórmula
sobre pai ausente e mãe
dominante a gerar rainhas
de paus, espadas e copas
lassas e loucas,
mas, apesar do meu histórico
de progenitora histérica
e procriador estóico,
meus irmãos
tão afeitos e afoitos
diante dos clitórides
embromam a estatística.
Li todas as reportagens
sobre a possível queerness
na boutique do código
genético, esta quermesse
das afinidades seduzidas,
e ri com o amigo
que certa vez, em chiste,
nomeou-me dispositivo
biológico
de uma Natureza em estresse,
medicando o hipercrescimento
populacional. Não mentirei dizendo
que não temo e tremo
com o perigo do inferno.
Cheguei, contudo, à conclusão
de que minha passagem
só de ida
ao Hades
não se dá
apenas pela inclinação
algo obcecada
de minha genitália
pelo caráter heterogêneo
dos vossos gametas.
Houvesse
nascido fêmea,
já teria dado à luz onze
filhotes de treze
machos diferentes,
e, de puta,
assegura
o Vaticano (e mesmo Hollywood),
não se conhece ascensão,
tão-somente queda.
Portanto, poeta, pederasta e puta,
sigo com meus olhos pela rua
cada portador
desta combinação gloriosa
de cromossomas
X e Y,
chamem-se Chris ou Absalom,
com suas espaçadas proporções
entre os buracos
do crânio, a linha que se forma
entre orelhas e ombros,
as asas de suas omoplatas
e a coifa dos rotadores,
as simetrias volubilíssimas
entre as extremidades
excitantes e excitáveis
como nariz, pênis e dedos,
o número de pelos
entre o umbigo
e ninho púbico,
o formato dos dentes
e seu espelhamento
em diâmetro
nos pés e suas unhas.
Se andam como comem,
se bocejam como riem,
se bebem como tossem,
se fodem como dançam.
A absoluta falta de mistério
em alguns deles, incapazes
da dissimulação famosa
de certas personagens
literárias femininas
do século XIX.
Neles, é oblíqua
somente a ocasional
ereção inconveniente.
Constrangem-me
estas confissões,
mas cederia certos direitos políticos
por algumas dessas cristas ilíacas
já presenciadas em praias, ao sol,
e abriria mão de uma ida às urnas
este inverno por esta ou outra nuca.
E veja só como o planeta
insiste na demonstração empírica
dessa abundância de músculos
e seus reflexos
cremastéricos:
neste exato momento,
enquanto escrevo este textículo,
entra no café, em pleno Berlimbo,
um desses exemplares de garoto
canhestro e canhoto,
o boné cobrindo meio rosto,
prototipagem de barba
e bigode, calças
que me catapultam a fantasias
com skateboards como props,
sobrancelhas feito caterpillars
sitiando os olhos com promessas
de delícias e desfaçatez épicas.
Seus tênis são beges;
ao tirar o suéter, vê-se
a sua escala de Tanner.
Sua Calvin Klein.
Bege fico eu, adivinhando que pele
cobre seus joelhos, seus calcanhares.
Sonho o sexo biônico e homérico,
algo entre Aquiles e Pátroclo,
interpretados em nosso mundo
por Brad Pitt e Garrett Hedlund,
potros xucros como búfalos
ou bárbaros.
E este mundo está cheiíssimo
dessas distrações quase sádicas
para meu masoquismo
voluntarioso e em vício,
que impedem que componha
a minha Divina Commedia,
meu Paradise Lost.
Perdoe, Sr. Cânone,
esta minha tosca e parca
contribuição lírica à safra
de seus contemporâneos,
mas não me catalogue
entre as farsas, sátiras.
Pois não é, consinto, culpa
das massificações capitalistas
esta minha attention span
pouco renascentista,
mas desta explosão de cântaros
plenos de testosterona púbere
a ir e vir nos espaços públicos.
Quando passam, petiscos,
finger food em arrogância
cocky e garbosa, murmuro
na cavidade oca
da boca:
"Deviam ser proibidos
seus exageros de lindos".
Meu fim será nestes botecos
do Berlimbo,
entupindo-me de café preto
e esperando suas ocasiões
para escrever poemas
que vos celebrem, atores
principais deste longo pornô
em que me vi concebido, gerado
e expelido, coadjuvante
contente e dublado.
Agradeço-vos a oportunidade
de fazer do advérbio sim
uma interjeição obscena.
Aos outros, juro que não se trata
de encômio, louvor ou gabo.
Quisesse eu fazer apologia,
talvez dissesse
haver mais elegância
em "Sê meu erômenos
e eu serei teu erastés"
do que, ao cangote,
"Mim Tarzan, você Jane".
Não busco novos adeptos
que me façam concorrência.
Boys will be boys,
há quem diga, e, ora,
não vou dizer que espero
de todo moço
que seja Mozart
ou Beuys.
Haverá os momentos de caça
e rendição felizes, as poucas
vezes de sorte
em que seremos camareiros
de algum moço pasolínico,
com quem se poderá, enfim,
fazer o cama-supra, meia-nove
e então discutir no pós-coito
outros conceitos hifenizados
ao som de Cocteau Twins,
listar as guitarras de 1969,
nosso horror a Riefenstahl,
a obsessão por Fassbinder,
e oxalá sentir em meio a tal
loa uma nova ereção
cavucar
as malhas entre as dobras
do edredão
enquanto lemos poemas de Catulo,
de Kaváfis.
Quando chegarem os bárbaros,
me encontrarão na cama;
que venham porém armados,
pois hei de estar acompanhado,
e em riste as nossas lanças.
Berlim, 25 de outubro de 2010
.
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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
Em Barcelona, participando do festival ReVox, no qual estreei um dos poemas mais viados de toda a Literatura Brasileira
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5 comentários:
Fico pensando que algumas coisas caem bem a certas vozes. Mesmo cheio dessas impressões que nos 'martirizam' em São Luís ou Berlimbo, este poema não poderia ter sido feito por mais ninguém que Ricardo Domeneck. Pois é, obrigado por este exemplar de nível, capaz de descrever decentemente o que muito de nós sentimos.
Lindo poema, Domeneck.
Não achei que seria tão viado, mas efetivamente, é muito viado, até pra vc. Bom, evidentemente isso não é ruim, ao contrário.
Só achei o finalzinho muito intelectual, no sentido de construído, a rima com edredão e depois a referência a Catulo, e embora a sequência toda sobre o Kaváfis seja engenhosa, acho que destoa do resto todo do poema. Mas é claro, é só uma primeira leitura.
Há algumas outras passagens valiosíssimas, no entanto. Ponto pra sua est-É-tica.
Eu diria que o poema, sem crocodilagem, é do caralho! Parabéns, este poema é sensacional. Li, reli e é impressionante o fôlego, a leitura polemiza a voz.
sim... esse é o poema mais gay que já li até hj. não me lembro de nda do piva que seja tão gay, inclusive. aliás, vc se lembra daquele poema do ginsberg que é uma brincadeira com catulo? "malest cornifici tuo catullo". seus poemas já postados por aqui para o seu "moço" me lembra muito esse ginsbergcatulo.
vou me despedindo por aqui, dizendo o seguinte: sim, o seu trabalho, e os escritos de john cage, e a poesia de frank o'hara, e um monte das coisas que vc traduziu e mostrou, e as discussões sobre a historicidade, e afirmação do contexto, contribuem e vão contribuir ainda mais para a minha prática/leitura da poesia ou seja lá o que for. obrigado.
aue, puerilis Musae noue poeta. osculum Nux tibi mandat.
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