terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A primeira grande retrospectiva da obra de Gil J. Wolman

Está em exibição no Museu de Arte Contemporânea de Barcelona, o MACBA, talvez a primeira grande retrospectiva do trabalho do poeta e artista francês Gil J. Wolman (1929 - 1995), sob o título Gil J. Wolman - Eu sou imortal e estou vivo, que permanece em exposição até fevereiro de 2011. Foi muita sorte estar em Barcelona a tempo de visitá-la, sou admirador ferrenho do homem.


Mais mencionado que realmente conhecido, esta retrospectiva e seu ótimo catálogo finalmente põem em circulação mais ampla e mostram a um público contemporâneo o trabalho realmente inovador e brilhante de Gil J. Wolman, inclassificável, numa rebelião contra os gêneros estanques que claramente faz de Wolman um precursor incontornável de todos os poetas e artistas contemporâneos transitando entre gêneros.

Ao mesmo tempo artista, poeta e cineasta, sua obra é uma das contribuições mais inteligentes à pesquisa sobre a materialidade da linguagem no pós-guerra, retomando muito da pesquisa dos dadaístas, principalmente.

Gil J Wolman, Sem título (Mao), 1967


A mostra traz muitos dos trabalhos visuais, colagens e instalações fotográficas, assim como dá ao público de Barcelona a chance de presenciar (não se trata mais de "assistir") o lendário "filme" de Wolman, chamado L´Anticoncept (1952).

Ao mesmo tempo cinema e negação do cinema, instalação sonora e poesia vocal, L´Anticoncept é um dos trabalhos mais interessantes do cinema léttriste. Feito para ser projetado contra uma esfera, negando o bidimensional da tela comum, L´Anticoncept não tem imagens, apenas flashes de luz e um potente poema/ensaio vocal. Foi mostrado pouquíssimas vezes. Encontrei um excerto na Rede, com tradução para o português:


Excerto do filme L´Anticoncept (1952), de Gil J. Wolman.

Wolman também criou uma poesia sonora extremamente original, na qual abandona o texto e escrita, voltando-se para o elemento mais vital e primordial da poesia: a respiração, tornando-se precursor de toda a pesquisa de Henri Chopin, por exemplo, ou de outros artistas que gosto de chamar de biominimalistas, como a alemã Eva Hesse (1936 - 1970) e o brasileiro José Leonilson (1957 - 1993).


Gil J. Wolman - Mégapneumes by Modo de Usar & Co.
Poema sonoro de Gil J. Wolman, dos "Mégapneumes".

Ouvindo um poema sonoro como este de Gil J. Wolman, penso mais uma vez na distinção que fiz aqui há algum tempo, em um ensaio, entre o artista como artesão e o artista como interventor.

Em março de 2008, publiquei na franquia eletrônica da Modo de Usar & Co. uma postagem dedicada a ele, com um de seus poemas sonoros e a tradução de um fragmento de um de seus poemas-roteiro. Reproduzo-a abaixo, encerrando esta postagem com um vídeo do próprio MACBA sobre a retrospectiva.


Gil J. Wolman (1929 - 1995)
Ricardo Domeneck, especial para a Modo de Usar & Co.
9 de março de 2008.

Nasceu e morreu em Paris. Poeta, pintor e cineasta, seu trabalho mais conhecido (ou citado, seria melhor dizer) é o filme L´Anticoncept de 1952, um dos trabalhos de recusa mais radicais do cinema, mesmo dentro de um movimento como o Lettriste parisiense (do qual fez parte por dois anos, desligando-se do grupo para formar a Internacional Letrista e mais tarde a Internacional Situacionista, da qual seria expulso por Guy Debord), em que tais trabalhos de discrepância entre imagem e som (ou mesmo abandono completo da imagem) foram norma e alvo de pesquisa, como em filmes de Isidore Isou (Traté de Bave et d`Eternité, 1951), Maurice Lemaître (Le Film est déjà commencé?, 1951), Guy Debord (Hurlements en faveur de Sade, 1952), François Dufrêne (Tambours du jugement premier, 1952) e do próprio Wolman. Alguns destes filmes poderiam ser vistos como o elo entre o cinema da primeira metade do século e os filmes experimentais mais conhecidos e reconhecidos do pós-guerra, de cineastas como Jean-Luc Godard ou Stan Brakhage.

Outra contribui
ção de Gil J. Wolman surgiu no terreno da poesia sonora com seus “Mégapneumes”, em que Wolman abandona a língua por uma poesia da respiração, levando a extremos radicais o que um poeta como Charles Olson defendia à mesma época nos Estados Unidos, ou seja, uma poesia baseada não mais na métrica, mas no fôlego do poeta ("a man on his feet talking").

Os poemas sonoros de Wolman teriam um impacto determinante sobre alguns poetas do pós-guerra, especialmente sobre Henri Chopin (1922 – 2008), que levaria a pesquisa iniciada por Wolman em seus mégapneumes a outras conseqüências, com o uso de gravadores e fitas magnéticas. Tal influência foi reconhecida por Chopin que, apesar de mais velho que o contemporâneo parisiense, homenagearia Gil J. Wolman no livro Poesia Sonora Internacional incluindo-o entre os mestres da primeira metade do século XX, como Pierre Albert-Birot, Hugo Ball, e Raoul Hausmann, por exemplo.

O trabalho com a linguagem em roteiros de filmes como L´Anticoncept viria a influenciar também poetas sonoros textualistas como Bernard Heidsieck, ainda que este mesmo roteiro declare: "O TEMPO DOS POETAS ACABOU. EU AGORA DURMO."

Em uma das páginas de L´Anticoncept, com o espa
çamento visual cobrindo com parcas palavras a página de margem a margem como em certos poemas de Pierre Albert-Birot, lemos:




O roteiro-poema, com cerca de 15 páginas, termina com as palavras:
“renova as situações passadas / a vida não é coisa retrospectiva”.

Abaixo, o poema sonoro "La Mémoire", um dos "mégapneumes" de Gil J. Wolman:





"o anticonceito é o título de um filme que concluí a 25 de setembro de 1951
projetado no palácio de chaillot a 11 de fevereiro de 1952 o filme será proibido
pela censura e apresentado no festival de cannes em s
essão fechada
neste filme oponho a uma idéia significada e definida
a indefini
ção de uma idéia significativa
eu escrevo
o tempo dos poetas acabou eu agora durmo
isto é
já n
ão respondo por mim
passo a vez
isto é
meu trabalho me escapa
durmo para escapar do trabalho
mais tarde escreveremos sobre os muros
jamais trabalhem
eu escrevo
o anticonceito é a utiliza
ção ao máximo de cada um dos elementos internos que vírgula constituídos vírgula formavam o conceito
isto é
para wolman a separa
ção não é de ontem"

Gil J. Wolman


(tradução, nota e preparo do vídeo/áudio: Ricardo Domeneck)




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Vídeo do MACBA sobre a exposição:




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