O moço é experimentado em ficção científica. Seu escritor favorito é o próprio Stanislaw Lem, que eu conhecia apenas como autor do livro que gerara o grande filme de Tarkovski, Solaris. Sempre soube muito pouco sobre ficção científica, tinha meus preconceitos. O moço explicou, definiu, catalogou. Contou-me dos irmãos Boris e Arkadi Strugazski, de Ursula K. Le Guin (que, descobri mais tarde, escreve belos poemas), do grande Philip K. Dick, que foi colega de quarto de Jack Spicer, sim, o poeta que acreditava que o poeta era apenas um rádio, recebendo sinais de "fora", do que ele mesmo chegou a chamar de "vozes marcianas", colega de quarto do Dick a quem eu geralmente me referia apenas como "o autor do livro que gerou o filme Blade Runner", a partir da obra com aquele título de que eu tanto gosto e do qual o moço não gosta, Do Androids Dream of Electric Sheep?.
Por sua vez, o moço não lia nem gostava de poesia. Tinha lá seus preconceitos. Foi então que expliquei, defini, cataloguei. Falei de Frank O´Hara e do colega de quarto do "seu" querido Philip K. Dick, o "meu" Jack Spicer. O moço ama William Burroughs, leu tudo, mas jamais lera os poemas dos seus companheiros Beats. Mostrei-lhe o Ginsberg que ele "conhecia", mas não havia lido, o próprio Kerouac. Dei-lhe volumes de poemas de Bertolt Brecht, de H.C. Artmann, de Christian Morgenstern, de Hans Arp. Mostrei a ele a tradução para o alemão de poemas de Carlos Drummond de Andrade, de João Cabral de Melo Neto.
Mas a grande surpresa viria com sua descoberta, em minha "biblioteca", dos livros de John Cage com seus poemas. Alugamos documentários em que Cage oralizava seus textos e o moço ficou fascinado. Assistindo aos vídeos de Andrew Culver e Frank Scheffer reunidos em "John Cage: From Zero", o moço exclamou durante uma das leituras de Cage: "Ah! Isto é incrível, isto é ficção científica!"
Teria ficado pasmo com a afirmação, mas conheço o moço há algum tempo e o moço já explicou, definiu, catalogou. Sucintamente, na rua, disse certa vez que o interessante na ficção científica estava na tentativa dos autores de pensar em possíveis maneiras com que a humanidade poderia se desenvolver, analisando suas conseqüências, seja no aconselhamento utópico ou no diagnóstico distópico. Naquele momento, chamar de John Cage de "ficção científica", eu confesso, fez sentido para mim. Aconselhamento utópico, diagnóstico distópico: política, futuro. Nada mais histórico que a ficção científica? Como imaginar nestes termos o "Jetztzeit" de Walter Benjamin, a "agoridade" de Haroldo de Campos?
Desde que conheci o moço, fico querendo escrever um poema-de-ficção-científica para ele. Algo que ele possa ler, gostar. O que seria um poema-de-ficção-científica? Penso em Cage, penso no poema "The Image of the Machine", do George Oppen, com os versos:
The machine stares out,
Stares out
With all its eyes
Thru the glass
With the ripple in it, past the sill
Which is dusty—If there is someone
In the garden!
Outside, and so beautiful.
Talvez como uma canção do Kraftwerk?
Algo como as pinturas do alemão Konrad Klapheck?
Tive uma idéia este mês, vejamos se conseguirei agradar o experimentado moço.
§§§
Stupid to say merely
That poets should not lead their lives
Among poets,
They have lost the metaphysical sense
Of the future, they feel themselves
The end of a chain
Of lives, single lives
And we know that lives
Are single
And cannot defend
The metaphysic
On which rest
The boundaries
Of our distances.
We want to say
‘Common sense’
And cannot. We stand on
That denial
Of death that paved the cities,
Paved the cities
Generation
For generation and the pavement
Is filthy as the corridors
Of the police.
George Oppen
in Of Being Numerous, de 1968, ano
em que é lançado 2001: A Space Odyssey, de Stanley Kubrick.
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