Damien Spleeters é um jovem poeta belga, nascido na pequena vila de Montignies-sur-Sambre, em 1986. Publicou os volumes de poemas Amen (2005) e ouroboros (2008), o romance Transere (2006) e a peça de teatro La Prophétie (2008), todos lançados em Bruxelas, pela Maelström éditions. O poeta vive entre Bruxelas e Paris.
Conheci Damien Spleeters em 2006, quando recebi um convite para o festival organizado por sua editora, que ocorreria em Bruxelas em maio daquele ano. Com o convite, vieram alguns vídeos de poetas que participariam do evento. Entre eles, o vídeo de um poeta muito jovem, fazendo uma leitura que chamou minha atenção por sua ênfase na corporalidade da escrita e da performance. No vídeo, via-se apenas um jovem (muito bonito, diga-se de passagem) apresentar-se como Damien Spleeters, segurando uma máscara de oxigênio à boca, sem sabermos se a leitura já havia começado, se o poeta estava realmente doente, se aquilo tudo não passava de encenação e performance. Obcecado como sou pela busca da corpORALIDADE (usando a grafia de Ricardo Aleixo) do poeta, fascinei -me imediatamente pela criatura belga desconhecida.
Por coincidência, eu estaria na Bélgica no fim-de-semana do festival, pois havia sido convidado para apresentar-me como DJ em Antuérpia, e segui na manhã seguinte para Bruxelas, onde conheci Damien Spleeters. Desde então, mantivemos contato, troca de informações e organizamos uma leitura juntos em Berlim, em agosto de 2008, com a alemã Odile Kennel e a espanhola Sandra Santana.
Damien Spleeters alinha-se à tradição bárdica da poesia, a que foi mantida viva no pós-guerra por comunidades como a dos Beats americanos (Allen Ginsberg, Diane di Prima, Gregory Corso e os outros, mais ou menos conhecidos) , além de poetas que, se não se alinhavam exatamente ao bárdico, mantiveram a performance do poeta desperta, como o Grupo de Viena (Gerhard Rühm, Konrad Bayer, etc) ou os Lettristes parisienses. Na década de 70 alemã, havia Rolf Dieter Brinkmann e, hoje em dia, Michael Lentz e Nora Gomringer.
No início do século XX, estas preocupações foram reavivadas pelos poetas do Cabaret Voltaire (Hugo Ball, Tristan Tzara, Hans Arp) e outros poetas ligados à revista DADA, como Kurt Schwitters, religando-se a tradições negligenciadas pela história da literatura e o cânone de papel. Damien Spleeters pertence a uma tradição da poesia francófona que tem no trabalho do francês Serge Pey, por exemplo, um de seus representantes contemporâneos potentes. Aos 23 anos, Damien Spleeters é hoje um dos mais ativos poetas belgas jovens.
Para um brasileiro educado na poesia átona e tímida-em-performance de Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, ou mesmo entre aqueles que escreveram poemas-para-vozes, como Joaquim Cardozo, João Cabral de Melo Neto e Augusto de Campos, com nossa fobia pelo teatral-discursivo, é difícil compreender as escolhas de poetas como Damien Spleeters. Apesar de uma intercessão-pela-performance como a dos poetas da comunidade dos Tropicalistas (penso tanto em Caetano Veloso como em Torquato Neto), os poetas brasileiros mantiveram-se extremamente tímidos. Isto traz aos poetas brasileiros forças e fraquezas. Confesso que me intriga como o "país do carnaval" deixou de gerar uma tradição realmente forte e ampla de performance, seja entre "poetas" ou "artistas".
Apenas algumas das questões que o trabalho de jovens poetas como Damien Spleeters levanta na minha cachola.
Na semana que vem começa o festival Soirées Babel: OFF Festival, em Bruxelas, organizado por Spleeters, onde devo apresentar uma de minhas performances vídeo-textuais. Dividirei o palco com outros poetas que respeito, jovens europeus, aliados e cúmplices, como o catalão Eduard Escoffet, a americana/austríaca Ann Cotten e a alemã Monika Rinck.
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POEMA DE DAMIEN SPLEETERS oralizado no vídeo acima:
(clique sobre a imagem para aumentá-la)
2 comentários:
Ricardo,
Você esqueceu as "artimanhas" e as performances do grupo Nuvem Cigana? Não é uma "tradição realmente forte", mas parece uma intersecção real entre a poesia e a performance, dentro da poesia brasileira.
Caro,
não conheço o suficiente sobre o trabalho desta comunidade (os poetas da "Nuvem Cigana") para emitir uma opinião concreta. Respeito o trabalho de Chacal e ele é, sem dúvida, um representante do trabalho que, mais tarde, foi retomado com força por poetas como Philadelpho Menezes, Ricardo Aleixo, Arnaldo Antunes, Marcelo Sahea, Henrique Dídimo, Márcio-André, Gláucia Machado, Eduardo Jorge, Rodolfo Caesar, Marcelo Noah, Paulo Scott, para citar alguns, os que estão no meu campo de visão. Certamente, há outros. Portanto, não quis pintar o quadro de um "deserto performático" no Brasil. Mas creio que há muito pouco, se comparamos com os Estados Unidos, ou mesmo a Alemanha.
Penso no trabalho de Arthur Bispo do Rosário, Hélio Oiticica e Lygia Clark como instantes corporais... ou, hoje em dia, penso em Janaina Tschäpe... mas a arte brasileira não gerou uma tradição em performance.
Quanto aos poetas da década de 70, infelizmente aquela "estética do desbunde" não colaborou com a criação de uma pesquisa sistemática e séria das possibilidades do corpóreo na poesia... o que viria a ser feito apenas no fim da década de 80, por poetas como Menezes, Aleixo e Antunes.
Os poetas da década de 70 muitas vezes descuidaram da escrita em nome da performance, e isso é um problema sério na poesia oral brasileira. A performance não pode ser desculpa para o descuido na escrita. Poetas sempre privilegiam um aspecto ou outro, mas o equilíbrio verdadeiramente verbivocovisual (os concretos descuidavam do "voco", por exemplo) precisa ser o objetivo, a meta.
Abraço,
Domeneck
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