Um poeta brasileiro que mora na Bahia me perguntou se a situação que descrevo na última postagem, sobre a relação tumultuosa entre poetas literários e poetas orais, é diferente na Europa, e também pediu minha opinião sobre os motivos de tal dualidade no Brasil. Achei que nosso diálogo valia como extensão do texto anterior:
A separação entre poesia escrita e poesia cantada, o preconceito dos literatos (que associam oralidade com analfabetismo), o provincianismo insolente da intelligentsia brasiliana: tudo isso, unido ao complexo de inferioridade latino-americano (onde há uma tradição oral tão forte), gera o quadro triste de um cânone literarizante, que exclui outras possibilidades para a poesia. É claro que há muitos e muitos casos de exceção, e nós temos uma poesia literária excelente. Os próprios poetas brasileiros que trabalham com a oralidade não colaboram, pois muitas vezes usam a performance como desculpa para se descuidarem na composição do texto.
A situação na Europa, porém, não é muito diferente. Há preconceitos contra a oralidade (e a Europa mantém uma tradição oral forte) e a intelligentsia é tão provinciana quanto a latino-americana, por motivos distintos. Poetas-performers também são muitas vezes invisíveis. Penso no exemplo gritante de Bernard Heidsieck, um dos maiores poetas franceses do pós-guerra, mas completamente desconhecido, mesmo na França, por escrever "textos-para-performance" e publicar livros (incríveis) que incluem os poemas em performance.
A marginalização da oralidade em meio a uma cultura literária é algo que ensaístas como Paul Zumthor combateram, mesmo em território europeu. Talvez devesse dizer: principalmente em território europeu, já que herdamos os preconceitos deles.
Não é questão de esperar que todos os poetas se interessem pelo trabalho vocal, oral ou sonoro, é totalmente legítimo que um poeta queira ESCREVER, ser um poeta-escritor.... a tradição da poesia literária é bela e legítima. Subscrevo-me a ela, considero-me um poeta trabalhando muitas vezes na fronteira entre a escrita e a oralidade, mas seria saudável que os literatos se livrassem de seus preconceitos.
Eles se divertiriam muito mais.
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2 comentários:
Olá Ricardo,
Gostei muito deste post! ótimo pq aprendi coisas interessantes e me questionei sobre o que vc escreveu, o que torna tudo mais bacana.
Divagando sobre a questão da oralidade na poesia dos dois posts "uma pergunta, uma resposta" e "jovens poetas europeus", me veio a mente que uma das razões prováveis a essa "timidez" dos poetas brasileiros com relação a oralidade, além do que você já mencionou, está ligada fortemente a imagem do índio. Os intelectuais do séc XIX em meio à urgência do modernismo, o que mais queriam era uma dissociação da imagem indígena como identidade nacional. e por isso a oralidade ( algo extremamente primitivo e selvagem) era um código "proibido" para a modernização não só do Brasil como da América Latina. Inclusive positivistas conservadores faziam questão que a oralidade fosse deixada de lado e os índios incorporassem os costumes e educação europeus/civilizados. o que resultaria numa suposta modernização mais acelerada.
se pararmos para pensar, a oralidade na poesia brasileira vem principalmente do norte do país, o que justifica uma natureza menos engajada com as metrópoles do sudoeste do Brasil.( que se "civilizaram" mais cedo)
Um abraço e valeu por esse ótimo post!
Maira
Maíra,
eu me pergunto se grande parte do problema está na maneira como nós associamos escrita com civilização e oralidade com o primitivo. Nós ainda segregamos certas áreas importantíssimas do nosso conhecimento, por fazermos uma lista hierárquica daquilo que pode ser "apropriado" conhecer ou não. A tradição da poesia oral e a da poesia escrita se misturam e fertilizam o tempo todo. Eu mesmo busco tomar cuidado para nao gerar uma oposição entre elas, o que pode acontecer muito facilmente.
Mudanças culturais se refletem nas práticas artísticas e não aceitá-las faz com que a gente perca tanto, tanto. Mas é nossa atenção que perde, pois as formas poéticas sobrevivem. Apesar da hegemonia crítica da poesia literária, a maioria do público seguiu apreciando a poesia oral, sem interrupção qualquer.
Beijos!
Domeneck
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