Uma das vantagens e aspectos mais interessantes para o poeta jovem que está começando a construir sua própria est-É-tica é a de poder escolher seus próprios heróis, suas próprias referências poéticas, estejam elas no cânone ou não. Geralmente, elas estão à margem, pois um poeta jovem se cansa das escolhas alheias, que já chegaram a seus becos-sem-saída quando o poeta jovem está iniciando seu trabalho.
Será que ainda se pode mamar na teta seca de João Cabral de Melo Neto, por exemplo, depois de tantos poetas terem sugado o deserto às avessas cheio de pedras e cabras das glândulas poético-mamárias do pernambucano? Até quando vamos aguentar poemas a elogiar a secura, até fazer dela a única razão para sua própria esterilidade? Um único poeta como parâmetro de qualidade? Isto não seria coisa de província, esta mania por um Grande Poeta Nacional?
Não me entendam mal, não estou apenas tentando ser "controverso", eu amo a poesia de João Cabral de Melo Neto, ainda que escolha concentrar-me em outros aspectos de seu trabalho, como sua relação com a oralidade em seus poemas-para-vozes, o metafórico poderoso de um texto como "O cão sem plumas" e a poética-da-hesitação de "Uma faca só lâmina". Mas jamais poderei compartilhar do desgosto ranzinza de Cabral pela música ou sua aversão quase patológica a qualquer sombra de lirismo. Que frescor ele próprio encontra no livro Sevilha andando (1990).
Confesso que tenho, como qualquer poeta mais jovem, um gosto especial em descobrir aqueles poetas esquecidos, negligenciados. Lembro-me do entusiasmo ao ler poetas como Orides Fontela e principalmente Hilda Hilst, antes que se tornassem mais conhecidas. Era como carregar um segredo brilhoso, solar, uma espécie de seita consigo mesmo. Espalhava os livros de Hilda Hilst entre meus amigos na USP, em 1998 e 1999, me alegrava imensamente ao ver Hilst tornando-se uma referência importante para outros jovens da minha idade, gente que eu via crescendo e se tornando artistas que eu hoje respeito.
Um destes meus heróis escolhidos é o americano Kenneth Patchen. Nem tudo em seu trabalho interessa talvez ao jovem poeta contemporâneo... mas que energia em livros como The Journal of Albion Moonlight (1941), em muitos de seus poemas oralizados e escritos, em seus picture poems.
Explico o porquê em uma postagem para a franquia eletrônica da Modo de Usar & Co..
Você já escolheu seus heróis?
Meu mãedeuma inclui (no século XX):
Murilo Mendes,
John Cage
e Ludwig Wittgenstein,
(que me ensinaram a pensar por conta própria - e a pagar a conta)
......................bem lá no alto da lista,
mas ainda
Hans Arp, Gertrude Stein, Ghérasim Luca, Frank O´Hara, Hilda Hilst, Tristan Tzara, Clarice Lispector, Edmond Jabès, Kate Bush, Henri Chopin, Lygia Clark, Rosmarie Waldrop, Hugo Ball, Kenneth Patchen, Mircea Eliade, Ernest Becker, Susana Thénon, Jack Spicer, Patti Smith, Guy Debord, Arthur Bispo do Rosário, John Ashbery, H.C. Artmann, Orides Fontela, Louise Bourgeois, Mina Loy, Roland Barthes, Eva Hesse, José Leonilson, Björk, Nick Drake, Torquato Neto, etc, etc, etc.
§
First Will and Testament
Kenneth Patchen
I here deliver you my will and testament, in which you
will find that what I am is not at all what I would: I
make no demand that you be just in weighing it, for I
know that you will be so for your own sake; but I do
charge you by the religion of poetry itself not to sneer
at some things which may seem strange to you, for I
have burnt no house but my own and nobody will
force you to warm yourself at its heat.
Aqui entrego a vocês meu testamento, no qual
descobrirão que o que sou não é por certo o que seria: eu
não exijo que sejam justos ao ponderar sobre ele, pois eu
sei que o serão para o seu próprio bem; no entanto, eu
comando pela religião mesma da poesia que não zombem
daquilo que possa lhes parecer estranho, pois eu
não queimei casa alguma além da minha e ninguém
há-de forçar que vocês se aqueçam em seu fogo.
(tradução de Ricardo Domeneck)
§
Picture poem by Kenneth Patchen:
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