segunda-feira, 16 de março de 2009

Pequeno relatório de viagens: Dubai

Dubai foi uma das experiências mais malucas da minha vida. A organização do festival esbanjou dinheiro, mas não exatamente... organização. Fomos muito bem tratados, hospedados em um hotel cinco estrelas, com ótimos restaurantes, mas em todos nós resistia a sensação de que tudo não passava de um evento para a imprensa (a ocidental, obviamente), para mostrar que Dubai "também é cultura", ou algo do gênero. Restou-nos a tentativa de tirar o melhor proveito da situação, encontrando poetas que não conhecíamos ou tendo o prazer de rever poetas com que já havíamos lido em outros festivais.

O mais interessante foi poder passar alguns dias na companhia do grande poeta esloveno Tomaž Šalamun, um dos cavalheiros mais generosos que já conheci no mundo poético europeu. Fazemos aniversário no mesmo dia (4 de julho, assim como meu caro Carlito Azevedo) e nos conhecemos no Festival de Poesia de Berlim, em 2008, um dia antes de nosso aniversário. Mantivemos contato e ele é definitivamente um dos poetas mais interessantes (e famosos) da Europa hoje. Presenteou-me com três de seus livros, em tradução para o inglês: sua bombástica estréia, o livro Poker, de 1966, que causou grande rebuliço na literatura do leste-europeu, na década de 60; um New and Selected Poems; e um de seus últimos títulos traduzidos para o inglês, chamado There´s the hand and there´s the arid chair; tenho o projeto de traduzir alguns de seus poemas do esloveno, com a ajuda de meu amigo Dražen Dragojević, um artista visual esloveno que mora em Berlim. É absurdo que não haja poemas de Tomaž Šalamun (n. 1941) traduzidos no Brasil... tão absurdo, por exemplo, quanto não haver volumes de Paulo Leminski ou Roberto Piva (contemporâneos de Šalamun) acessíveis na Europa. A ignorância mútua será nosso fim.

To a Golem
Tomaž Šalamun

Lost in thought,
you came to watch me.
I’m like an olive branch – your face.
Houses are on fire in the sun.
The bridge is pasted together stone by stone
and the sky keeps gnawing.
The hands are seizing me.
I hear the motioin of soft nibs.
Smoke rises out of me.
I evaporate into you, tasting your
fruit, passerby.
The sheep scratches herself on the rock,
the windows are wiped in a dream.
Sweet rehearsing pours over me.
I’m folding your door latches.
I shuck the black, silky
festive hall of your warm breath,
the impermanence of your life.

(translated by Charles Simic)

§

Com Wole Soyinka, o prêmio Nobel nigeriano, troquei algumas palavras antes de lermos na mesma noite (sorte minha, pois me garantiu o público que veio ouvir uma das estrelas do festival). Outro cavalheiro. Não conheço bem sua poesia, mas sua presença impoe respeito, com um trabalho que me pareceu bastante potente, ainda que distante daquilo com que nos acostumamos a prezar nos últimos anos no Brasil. Wole Soyinka nasceu em 1934.

Season
Wole Soyinka

Rust is ripeness, rust.
And the wilted corn-plume.
Pollen is mating-time when swallows
weave a dance.
Of feathered arrows
Thread corn-stalks in winged
Streaks of light. And we loved to hear
Spliced phrases of the wind, to hear
Rasps in the field, where corn-leaves
pierce like bamboo slivers.
Now, garnerers we,
Awaiting rust on tassels, draw
Long shadows from the dusk, wreathe
The thatch in wood-smoke. Laden stalks
Ride the germ's decay-we await
The promise of the rust.

§

Outro poeta que tive o prazer de conhecer em Dubai foi o chinês Yang Lian, um dos fundadores da revista Jintian (Hoje, em português), que causou tantas mudanças poéticas na China, reunindo, além de Yang Lian, poetas como Bei Dao, Mang Ke, Duo Duo e Jiang He. Alguns deles, como Bei Dao, foram publicados no volume de poesia chinesa contemporânea recentemente editado no Brasil. Yang Lian nasceu em 1955 e vive hoje em exílio em Londres. Outro cavalheiro generoso.

Ten years
Yang Lian

Time passes like a fish swimming towards its own flavour
Cliff not under your feet.......Years
Emptier than a word.......Sea wall
Sharp nipples suckling the storm
Rocks are not there.......You are turned like a brass screw and rust
In the armpits of sparkling waves.......Epitaph of a sunken ship
A name swathed in fish scales
Sloughs off fleshy curves.......Art of cloistering jellyfish

This blank expanse called water.......Turns sweet
Is called old.......Sunlight with the pull of a magnet
Ten summers in your lungs
Trims back.......The black water level in a haemorrhaging garden
Reflections in the harbour dance upside down
Trying to remember.......A nature like yours someone had left behind
Gulping down a glass of sour self-brewed beer in the kitchen
Like pouring it into the sink.......The graduate skeleton spits out
another zero

(translated by Mabel Lee)

§

Eu já conhecia o nome do poeta irlandês Matthew Sweeney, sua fama, algo de sua poesia. Ele mostrou-se muito mais agradável que sua reputação. Sua leitura causou certa celeuma, com poemas tocando na questão palestina. Belo companheiro para a mesa do restaurante e o copo de vinho. Matthew Sweeney nasceu na pequena cidade irlandesa de Donegal, em 1952.



Sanctuary
Matthew Sweeney

Stay awhile. Don't go just yet.
The sirens are roaming the streets,
the stabbing youths are out in packs,
there's mayhem in the tealeaves.
You're much better off staying here.
I have a Bordeaux you'll like,
let's open it. (I've a second bottle, too.)
And a goat's cheese to fast for,
and a blue from the Vale of Cashel —
and the source of the bread stays secret.
Was I expecting you to stay?
No, I always eat like this.
Hear that — wasn't it a gunshot?
Come closer, turn the music up.
Maybe we should dim the lights.
Let's clink our glasses to each other
if no better toast comes to mind.
I told you you'd ooh! at the cheese —
here, have some more. A top up?
You're the kind of girl I like.
Listen, that was definitely a bomb.
Maybe the civil war has started,
the one they've all been promising.
Well, there's nowhere to go now,
so let's kill the lights and retire.

§

Seria impossível escrever sobre todos os poetas aqui, de uma só vez. Tentarei, nas próximas semanas, traduzir alguns deles para o português, encontrar mais informação sobre outros, como a grande dama do festival, a suíça Ilma Rakusa, ou os jovens Aleš Šteger (Eslovênia), Elisa Biagini (Itália), Raphael Urweider (Suíça), Elena Fanailova (Rússia).

Gostaria de poder dizer algo sobre os poetas árabes presentes, mas a tradução para o inglês de seus poemas não me pareceu confiável. Quero, porém, seguir o trabalho do poeta Saad Alush, nascido em 1979 no Kuwait.

2 comentários:

tavinho paes disse...

QUAL O POEMA QUE VOCÊ LEU NO EVENTO!!! Diga-se de passagem, muito chic e interessante ... saiba que a poeta PATRICIA CARVALHO-OLIVEIRA já esteve dois anos consecutivos por lá, num evento que o mesmo sheik realiza ... e, segundo ela, sempre com muito jazz e muita gente interessante!!!

Ricardo Domeneck disse...

Caro,

eu li textos do livro "a cadela sem Logos" e poemas recentes inéditos. Esta foi a primeira edição do festival, mas como os príncipes de Dubai são poetas, imagino que organizem outros eventos com alguma freqüência. Não conheço esta poeta que você mencionou, vou dar uma olhada.

Abraço,

Domeneck

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