domingo, 20 de julho de 2014

Traduzindo Alejandro Crotto (Buenos Aires, 1978)

Considero Alejandro Crotto um dos melhores poetas latino-americanos da minha geração. Seus dois livros, Abejas (2009) e Chesterton (2013) são de uma beleza luminosa. Reproduzo abaixo minha postagem sobre ele, preparada para a Modo de Usar & Co. 



Alejandro Crotto é um poeta contemporâneo argentino, nascido em Buenos Aires em 1978. É formado em Direito e Literatura. Estreou com o volume Abejas (Buenos Aires: Bajo la Luna, 2009), ao qual seguiu-se Chesterton (Buenos Aires: Bajo la Luna, 2013).


No vídeo acima, o poeta lê em Nova Iorque, ao lado de Mirta Rosenberg (Rosário, 1951), com apresentação de Ezequiel Zaidenwerg (Buenos Aires, 1981).

Com um trabalho formal e métrico firme e sutil, que jamais se impõe à naturalidade da fala, sua poesia expõe com frequência sua crença na sacralidade da matéria, dos corpos vivos, em uma mística delicada da imanência que o une à poesia de autores como Umberto Saba, que o argentino também traduziu de forma bela.


 


O poeta mantém o excelente blogue de traduções Words Words Words, no qual publica suas versões para o castelhano de poetas tão diversos quanto Lucrécio, Guillaume Apollinaire, Pier Paolo Pasolini, Ezra Pound, e mais.

Um dos escritores mais discretos da cena contemporânea, eu o respeito, pessoalmente, como um dos melhores poetas da minha geração. Seus dois livros são pequenas joias.

--- Ricardo Domeneck

§

POEMA DE ALEJANDRO CROTTO

As pombas

É preciso vestir rápido as meias
porque o piso de pedra está frio; na cozinha
tomamos leite no café, pão com manteiga e mel,
então saímos para caçar pombas
com nossa arma de ar comprimido,
meu irmão e eu, com menos de onze anos
e com botas sete léguas, camisa grossa xadrez e projéteis
no bolso – dois ou três,
os próximos a usar, vão é na boca.
Vamos deixando trilhas na geada que começa a derreter-se,
vamos atentos entre os galhos dos plátanos,
os altos eucaliptos, nogueiras, as casuarinas,
os choupos do haras, a piscina,
um tiro cada um, caminhando,
apontando vez em quando as copas do outono.

Depois, atrás da lavanderia, entre pomares,
as depenamos, limpamos suas tripas:
segurando na esquerda seu peso frágil,
vamos tirando penas com a outra,
as mais longas e duras na cauda e nas asas,
as simples do peito, as curtinhas
e escuras das costas, as mais suaves
na frente, debaixo das asas na axila;
vão caindo nas ervas enleadas na direção do vento,
grudadas nas nossas mãos, suspensas no ar
quando se torvelinha de repente;
depois vamos esvaziando o corpo, muito menor
agora em relação à cabeça: primeiro o bucho,
às vezes com sementes de girassol intactas que se podem comer,
apenas azedas, e enfiando com força os dedos para cima
onde termina o esterno, girando-os
dentro do corpo ainda quente, agarrando e jogando para baixo,
arrancamos os longos intestinos e o papo, tiramos os pulmões
como uma esponja rosa grudada às costelas,
os rins, o fígado, o quieto coração,
que os cachorros pegam sem que cheguem
ao chão; na torneira lavamos as pombas
e cortamos suas cabeças, amarramos
subindo a um banquinho a pata a um arame até a noite.

As mãos queimam com o frio da água,
brilham os corpos no ar, ao sol; a vida
é material, e a matéria
é difícil, sagrada.

(tradução de Ricardo Domeneck)

:

Las palomas
Alejandro Crotto

Hay que ponerse rápido las medias
porque el piso de piedra está frío; en la cocina
desayunamos leche, pan con manteca y miel,
después salimos a cazar palomas
con nuestro rifle de aire comprimido,
mi hermano y yo con menos de once años
y con botas de goma, camisa gruesa a cuadros y balines
en el bolsillo —dos o tres,
los próximos a usar, van en la boca.
Vamos dejando huellas en la helada que empieza a deshacerse,
vamos alerta entre las ramas de los plátanos,
los altos eucaliptos, el nogal, las casuarinas,
los álamos del haras, la pileta,
un tiro cada uno, caminando,
señalando de a ratos las copas del otoño.


Después, detrás del lavadero, entre frutales,
las desplumamos y las destripamos:
sosteniendo en la izquierda el peso tibio
vamos sacando plumas con la otra,
las más largas y duras en la cola y el ala,
las fáciles del pecho, las cortitas
y oscuras de la espalda, las más suaves
en el flanco, debajo de las alas en la axila;
van quedando en los yuyos enredadas hacia el lado del viento,
pegadas en las manos, suspendidas del aire
cuando se arremolina de repente;
después vamos vaciando el cuerpo, mucho más chico
ahora en relación a la cabeza: primero el buche,
a veces con semillas de girasol intactas que se pueden comer,
apenas agrias, y metiendo con fuerza los dedos hacia arriba
donde termina el esternón, girándolos
dentro del cuerpo todavía caliente, agarrando y tirando para abajo,
arrancamos los largos intestinos y la panza, sacamos los pulmones
como una esponja rosa pegada a las costillas,
los riñones, el hígado, el quieto corazón, 
que los perros atrapan sin que toquen
el suelo; en la canilla lavamos las palomas
y les cortamos la cabeza, las atamos
subidos a un banquito de la pata a un alambre hasta la noche.

Las manos queman por el frío del agua,
brillan los cuerpos en el aire, al sol; la vida
es material, y la materia
es difícil, sagrada.



§



No vídeo abaixo, Ezequiel Zaidenwerg lê um poema
de Alejandro Crotto. Gravado no México em 2011. 




§

Abaixo, uma tradução de Pádua Fernandes para um dos poemas de Abejas (2009).


Carregada
Alejandro Crotto

Inteiramente grávida avança na primeira luz do dia.

De repente para
e tensa agarra-se com as mãos, olha o céu,
bufa várias vezes.

Forte, carregada,
retoma decidida seu caminho
e no qual passa sua iminente queda.

(tradução de Pádua Fernandes)



.
.
.


Nenhum comentário:

Arquivo do blog