Não estivesse enfiado até o pescoço em leitura sobre a prática da Zoopoética, teria ouvido este cordeiro balindo hoje à noite?
"Ovelha e cordeiro" (1560), de Jacopo Bassano (1510-1592)
no campo bale
um cordeiro
não só
um espééécime
de Ovis aries
mas um cordeiro
um cordeiro único
um cordeiro individual
balindo sozinho
seu balido individual
seu balido único
voz reconhecível
por pai e mãe
ele o filhote
com data de nascer e morrer
de um carneiro de uma ovelha
com data de nascer e morrer
um eu-espééécie
uma espééécie de eu
um indivíduo
que bale
um corpo
que bale
é uma língua
mais
que estrangeira
ééé-me
uma língua
alienígena
é um beeerro
ou pareeece-me
um beeerro
aos meus ouvidos
à minha língua
eu
um espééécime
de Homo sapiens
um eu-espééécie
tambééém eu
e eu
queeero ouvir
e socorrer
este outro eu
separados
e unidos
nós
nos
nós
dos geeenes
com
-partilhados
ouço o cordeiro
o cordeiro único
o cordeiro individual
não o Cristo
que insiste
eeem identificar-se
com este cordeiro
eeem minha cabeça
mas este cordeiro
balindo sozinho
no campo
que beeerra
do frio
que se abate
sobre suaminha
sobre minhasua
peeele
queeem-deeera eu
pudeeesse agora
aninhar os meus pelos
contra os seus cabelos
e
beeerro eu seu beeerro
enquanto ele diz-me
beeeeeem peeeeerto!
beeeeeem peeeeerto!
§
Starnmeer, fazenda da residência artística Buitenwerkplaats, enquanto no pasto da fazenda vizinha (separado de onde estou por um canal) um cordeiro bale alto há cerca de uma hora.
.
.