Dia 8 de março foi aniversário de Maria Gomes de Oliveira, a Maria Bonita, degolada ainda viva pela polícia em 1938, na emboscada ao grupo de Virgulino na Grota de Angicos. Esse texto é da minha pequena série de monólogos de mulheres (históricas ou míticas) do meu novo livro, que pretendo lançar no segundo semestre.
O que passa pela cabeça de Maria Bonita
Segui o que ditou meu peito
sob os seios
ao lado de meu homem.
Quando rola, cabras, a cabeça
deixa de ter sexo. Pescoço
acima, é o mesmo
o número de buracos, a não
ser que bala e pólvora
nos tornem
uma vez mais diferentes.
Se carrego menos
sangue que meu homem,
ele jorra da mesma cor,
meu corpo
mais parecia a cachoeira
de onde nasci.
Torto não se endireita,
nessa terra, sem sangue.
Quando Deus não quer,
erra-se o alvo. Até você
aparecer na mira de Deus.
Gostava mesmo era de dançar
um maxixe sobre suas covas,
mas deixaram meu corpo
regado a creolina
entre os urubus.
Minha cabeça ainda
gritava agora há pouco
na Grota de Angicos,
mas logo estava calma
na escadaria
da prefeitura de Piranhas.
Virá o dia, claro
como a manhã do sertão,
em que as cabeças certas
darão adeus a seus pescoços
e não haverá degraus
suficientes nesta República
para exibi-los.
Por ora comemoram
todas as anônimas
no meu aniversário.
Meu nome é Maria Gomes de Oliveira
e perdi a cabeça duas vezes na vida,
uma delas na garupa de Virgulino.
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