sábado, 6 de setembro de 2014

"Segundo São Lucas", poeminha escrito em Salvador


Segundo São Lucas

Meus planos eram só
lavar os pés
na Baía de Todos-os-Santos
após tê-los enfiado na jaca
à noite de Santo Antônio anterior,
solteiro que nem milagreiro
ajuda. A caminho da compra
de um Lucky Strike,
tu passaste dentro de tua sunga
laranja. Pensei em Frank O´Hara,
"how terrible orange is, and life"
mas o sol incidia na tua fruta,
e laranja e vida
se me assemelharam
coisas gloriosas.
Que lucky
strike, isso.
Te vi descer à areia
e lançar-te às águas
e nada amuado
me pus à murada
para melhor contemplar
tua antítese de Botticelli.
Do nariz às panturrilhas,
passei mal na crista-ilíaca.
Barroco é isso, meus filhos.
Ê, perfeito até nos calcanhares.
Se tivesses guerreado na Ilíada,
terias sobrevivido a Aquiles
e então velejado com Ulisses,
deixando boquiabertas,
pasmas de mudez as sereias.
Santa Maria e São Diogo
dos Fortes, valei-me.
Emergindo gigante
feito Itaparica, vi a tatuagem
na tua região
ântero-lateral, oh! grande dorsal,
"Lucas & ______",
mas não pude ler o segundo.
Provável, uma tua concubina.
Mas se certo julgo pela forma
obsessiva
com que ajeitavas a sunga,
alisavas o tanque de quem-dera
minhas roupas sujas
e apalpavas a própria bunda,
numa demonstração pública
de amor-próprio merecidíssimo,
começaste com teu nome.
Eu também estava todo
entimesmado. Por tanto,
ah! Lucas, qual a cartilha
que rezas? Diz-me
o abecedário
do teu Evangelho.

§

Salvador, 6 de setembro de 2014.

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