quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Nostalgia de Cecília como se de água limpa




Como ela era bela. Hoje à noite me bateram saudades de a ler, mas daquela maneira mansa com que a líamos quando adolescentes, quando aquilo era a pureza. Era uma forma de lavar as mãos. Até isso perdemos. Sabemos hoje que somos sórdidos demais. Não a merecemos. Eu queria poder lê-la esta noite sem culpa, sem a sensação de que agora seria como lavar as mãos feito Pôncio Pilatos. Não sei se vão me entender. Eu queria apenas aquela sensação, de novo, de água fria correndo nas mãos. Quando a lia sem saber que éramos sórdidos. Boa noite.

Reinvenção
Cecília Meireles

A vida só é possível
reinventada.

Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo - mais nada.

Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.

Não te encontro, não te alcanço.
Só - no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só - na treva,
fico: recebida e dada.

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

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segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Qual é a diferença entre um crítico e um crítico?

Qual é a diferença entre um crítico que lê em 2015 com os parâmetros de 1956 e um crítico que lia em 1956 com os parâmetros de 1922? Ou, ainda, entre estes e um crítico que lia em 1922 com os parâmetros de 1881? Qual era mesmo aquela história do santo-de-altar que dizia que boa poesia nenhuma se escreve com os métodos dos 20 anos de antanho? Aplica-se só à poesia ou à crítica, também? Se tudo o que se escreve hoje não presta (e a maioria certamente não presta - grandessíssima novidade, tomem aqui a coroa de louros pela inusual capacidade de percepção estética), o que garante aos senhores que isso dizem, que não estão cometendo o mesmo erro dos que também disseram isso tanto em 1956 como em 1922, saudosos dos poetas de vinte anos antes? Que poeta hipotético é este que parecem ter em mente, e que deveria estar escrevendo em vez dos que hoje escrevem? Cruzamento de Drummond com Cabral, pitadinhas de Murilo, glace de Campos? Se conhecem a obra deste poeta hipotético tão intimamente, por que não o são? A um autor que acabou de escrever o "Poema de sete faces", culpa-se-lhe não ter escrito ainda "A Máquina do Mundo"? Ah, perguntas, perguntas.

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