quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Nostalgia de Cecília como se de água limpa




Como ela era bela. Hoje à noite me bateram saudades de a ler, mas daquela maneira mansa com que a líamos quando adolescentes, quando aquilo era a pureza. Era uma forma de lavar as mãos. Até isso perdemos. Sabemos hoje que somos sórdidos demais. Não a merecemos. Eu queria poder lê-la esta noite sem culpa, sem a sensação de que agora seria como lavar as mãos feito Pôncio Pilatos. Não sei se vão me entender. Eu queria apenas aquela sensação, de novo, de água fria correndo nas mãos. Quando a lia sem saber que éramos sórdidos. Boa noite.

Reinvenção
Cecília Meireles

A vida só é possível
reinventada.

Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo - mais nada.

Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.

Não te encontro, não te alcanço.
Só - no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só - na treva,
fico: recebida e dada.

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

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