terça-feira, 6 de agosto de 2019

Carta a André Capilé no fuzuê de um toró




Nessa cambada,
que parentesco fora do sangue
nos une, songos

que somos nessa terra grande
das mil zangas?
Zune ao redor o grão-muxoxo

de marimbondos,
enquanto nos emperiquitamos
nessa vida-a-jiló,

nossa pobreza nas quitandas,
nós, uns moleques.
Curingas em preto-e-branco.

E algum antepassado
meu terá ferido ancestral teu,
pele, couro e pelouro?

Bagunça o cochilo essa ideia,
me sinto qual titica
a pensar em crimes que herdei.

Ou jamais hemos nós
de saber em que parte da carne
carregamos o algoz?

O algoz-pai que agua
a nossa tinta, o dendê na ginga?
Dóem pés-na-bunda,

chafurdar qual minhoca na farofa
da dor nacional.
Doar nosso fubá, nossa canjica,

as babas do quiabo nas bibocas.
Nenhum cafuné
exigimos de cidadãos, só aluguel

para o cafofo pago, paz na roça.
O abuso da cachaça,
já sabemos, é culpa toda nossa.

Seguimos. Ninamos
traumas como a filhos que um dia
enfim se emancipem.

Examinamos sem dedo e aliança
o campo comum
da batalha, maxixe do cangaço.

Por ti às vezes me candomblo,
macotas no toró
de línguas-fantasma sem plural.

Nesse nosso dengue anti-capanga,
capenga, o samba nosso.
Parentes, até o beleléu, sem igual.

*

Berlim, 02 de agosto de 2019. Retrato de André Capilé por Vinicius Vargas.

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