[Quero me enterrar aos monges]
Quero me enterrar aos monges, sentir o cheiro da bata, da inhaca e da sandália surrada, engolir balidos couros, da crosta ao calcanhar, a cada passo os dedos alargados afundando minhoquinhas;
persigo cada uma,
dedinhos de pés e fios encaracolados a terra seca tamisada
sálvia murta penugem e caramujos na cóclea de ouvidos hirsutos
o Monte Athos do agreste acantos e espinhosas
suculentas
a silhueta dissipa míope a muxiba
fimose da cobra esturricada.
O Aprendiz de Feiticeiro desejava a picada selvagem e a catinga das virilhas dos anacoretas, a quem décadas austeras proibiram abluções de qualquer sorte, por medo do desejo.
E esse deus sujo se revela mais puro que qualquer assepsia pregressa.
Nem mesmo um herói sob o Sol de Satã existe; verdade, já não mais está. Mas creio nele, sim, este é o prodígio,
um homem de fé que não seja o idiota,
um pé-de-cabra não brilhante nem paspalho
abobado iluminado
com o diabo trava batalha
não como aqueles
das histórias da carochinha
fiapos nas tripas de novelos em bofes regadas.
Não existem separadamente: Deus e diabo habitam
tentam as mesmas pessoas
nos mesmos lugares.
Apenas nunca vou conhecê-los, nem a um nem a outro. Cedo fui mutilado do divino, cegado, ensurdecido, emudecido, por Deus intocado,
exposto aos olfatos mais elaboradamente simples
melhor teria sido anosmia da napa morta
o cheiro de couro mofado
dejeta assepsia
ao corpo inerme proibida qualquer relação mística
– palavra tão puída, e não prostituída;
as putas estão com Deus –
e o gosto de cada som – ínfimo, é verdade, – não deixa de tocar o êxtase, como estelares
pretendem
poetastros
veem poeira morta
acho que a eles amo.
Resta apreciar como categoria lá do marfim entalhada, uma torre, o javali castrado, sublime onania,
a santa furada no pelo, do monge pelado o escalpo
ao longe, um navio a afundar.
Castigo? O regozijo é gozo lapado na arte.
Só fui entender, com muito retardo, que o pincel – e tão somente o pincel manejado por Deus –, é para ser sentido a cada golpe de tinta encharcado; e que na ponta cabeluda o pintor pode esboçar um jumento.
Sem Arte, pode-se chegar a Deus,
sem nome nem forma nem ideia
Ele é tudo e tudo é Ele
E Deus sendo demônio é caminho pedregoso a mula empaca
defronte
falo de serpente
por isso mais fácil.
Senda a pé, descalço, Deus habita a beleza árida do estéril e até mesmo a urucubaca.
Não se avexasse tanto com a Luz, a melatonina se assemelharia a Ele. O repouso promissor dos anjos custa caro, liberto do tempo e do vencimento,
que nem pacto com diabo
se um dia é atormentado
o hormônio recompensa
espelho a contrario
e as preocupações se deformam de ponta cabeça.
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Régis Mikail é um escritor e tradutor brasileiro, nascido em São Paulo em 1982. Publicou o romance Onofre (Editora Deep, 2021).
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