Festival de poesia de Berlim se dedica à poesia lusófona
por Rodrigo Rimon / Deutsche Welle
Em sua nona edição, um dos maiores festivais de poesia da Europa se dedica à produção lírica dos países lusófonos, misturando a poesia ao grafite e à música, e colocando Arnaldo Antunes e Chico César no mesmo palco.
Em sua nona edição, o poesiefestival berlin – segundo a organização, o maior da Europa, com mais de 10 mil visitantes a cada ano – se dedica de 5 a 13 de julho à poesia do mundo lusófono. Serão nove dias (e noites) de recitais, workshops, performances e debates, mas também de confrontos lingüísticos e intercâmbios literários entre representantes de países com bagagens históricas e sociais muito distintas.
A graça do evento Weltklang (Som do mundo), com que a organização inaugura o festival na noite deste sábado (05/07), é que poetas contemporâneos de dez nações, todos eles consagrados em seus países de origem, apresentam suas produções literárias no idioma original, sem traduções simultâneas, ressaltando apenas o aspecto sonoro da poesia.
Nesta noite, o brasileiro Arnaldo Antunes encontrará o português Manuel Alegre, mas também Tomaž Šalamun (Eslovênia), Hiromi Ito (Japão), Israel Bar Kohav (Israel), Inger Christensen (Dinamarca) e Manuel Alegre (Portugal), entre outros.
Poesia + som
O ex-Titãs também dividirá o palco com Chico César para um show que já está sendo considerado pela mídia alemã como o ponto alto do evento. "Imponderáveis demais são os dois rebeldes poéticos, que dificilmente podem ser reduzidos a uma linha comum", antecipa o jornal Tagesspiegel, de Berlim.
A tão óbvia quanto complexa ligação entre poesia e som também será trabalhada no projeto e.poesie, com o qual o festival apresenta cinco compositores de música eletrônica que criaram paisagens sonoras com base em textos de poetas contemporâneos.
O princípio é simples: cada compositor escolheu um poeta cuja linguagem o impressiona e, através de uma cooperação que se estendeu por meses, inseriu as estrofes em um contexto sonoro. Entre outros, o americano Sidney Corbett musicará textos do alemão Johannes Jansen, e o tcheco Vit Zouhar, do austríaco Peter Waterhouse.
Dois artistas norte-americanos representarão a cena de spoken word. A estudante de jornalismo Ursula Rucker se vale de elementos de jazz, soul e triphop, unindo poesia, estilo, música e política em uma performance carregada de protestos: contra a guerra, o aborto e a onipotência da mídia, pela igualdade de direitos e os direitos da mulher. Já Mike Ladd, com um master of poetry de Harvard no currículo, reúne elementos do electro ao punk e ao pop.
Poesia + Dichtung
Mas os 210 milhões de lusófonos no mundo e as outras cerca de 20 línguas crioulas de base portuguesa são o principal destaque desta edição. No workshop de tradução VERSschmuggel (algo como "contrabando de versos"), poetas de Portugal, Brasil, Angola, Guiné-Bissau e Moçambique se reúnem com poetas de língua alemã e trabalham juntos, com a ajuda de um intérprete, na tradução de poemas de sua autoria. Os resultados serão reunidos em uma antologia, a ser lançada na Alemanha, em Portugal e no Brasil, bem como no portal lyrikline.org.
Do Brasil, Ricardo Domeneck, Paulo Henriques Britto, Angélica Freitas e Marco Lucchesi se reunirão, respectivamente, com os alemães Sabine Scho, Hans Raimund, Arne Rautenberg e Nikolai Kobus. Também participarão os portugueses Ana Luísa Amaral, Pedro Sena-Lino e Paulo Teixeira, bem como Tony Tcheka (Guiné-Bissau), Ana Paula Tavares (Angola) e Luís Carlos Patraquim (Moçambique).
Para Ricardo Domeneck, um evento como este possibilita "criar e fortalecer, de forma prática, aquilo que em teoria deveria existir: um intercâmbio entre escritores e poetas que têm a língua portuguesa como campo de atividade artística". O autor de Carta aos anfíbios e A cadela sem logos critica que, por mais que exista uma Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, esta gera muito pouca comunicação entre seus membros.
"Muito se discute sobre certas questões burocráticas, entre as quais eu incluiria até mesmo o acordo ortográfico, enquanto jamais parece ter ocorrido aos envolvidos – especialmente a Portugal e Brasil, que teriam recursos para isso – criar pontes entre os escritores e poetas da língua, cobrindo a grande distância geográfica entre os países. É incrível que seja em solo alemão que um dos primeiros encontros entre poetas do Brasil, de Portugal e dos países africanos lusófonos possa acontecer."
Poesia + imagem
O processo de hibridação artística prossegue em Berlim através de um encontro inédito entre grafiteiros e poetas de Berlim, de Barcelona e do Rio de Janeiro. O objetivo é combinar poesia e street art a partir de uma idéia dos poetas brasileiros Claudia Roquette-Pinto e Renato Rezende, e dos grafiteiros cariocas Ment, Bragga e Machintal.
Segundo a organização, mais de 40 grafiteiros se candidataram a participar do evento, mas houve uma pré-seleção. Textos de poetas como Timo Berger e Bas Böttcher, entre outros, servirão de inspiração para os artistas visuais, que pintarão a fachada de uma loja de departamentos abandonada em Berlim. Por fim, um júri escolherá os melhores trabalhos.
"Estou muito curioso para ver como o trabalho dos artistas de grafiti convidados poderão 'traduzir' poemas em imagens, especialmente por meu trabalho não ser particularmente muito imagético", disse Domeneck, um dos poetas escolhidos.
Lisboesia e uma casa do verso
Que um dia Lisboa já foi a capital de um império mundial, hoje em dia nem parece mais relevante. Mas a organização do festival reconheceu o potencial artístico da capital portuguesa, onde se encontram lusófonos de quatro continentes, e decidiu homenageá-la por sua rica cultura poética.
Os poetas Teresa Balté, Anna Paula Tavares e Paulo Teixeira, o rapeiro Pacman (do grupo Da Weasel) e a fadista Aldina Duarte comandarão uma noite de festa, que ainda será ilustrada com imagens da vida cotidiana em Lisboa, filmadas por Jorge Colombo.
Para encerrar, por mais interessado em culturas estrangeiras que o festival se mostre, um colóquio debaterá a necessidade de se criar um centro de poesia na Alemanha. "É hora de falarmos de uma instituição como esta também na Alemanha, de um centro que exista só para esta arte e que já é realidade em diversos países do mundo", consta do programa do evento.
Editores, literatos e diretores de organizações semelhantes em outros países discutirão como seria possível fundar um centro que reorganize a memória poética alemã, avalie a situação atual da reflexão poética e a torne mais presente na vida cultural do país.
Rodrigo Rimon
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