quarta-feira, 16 de julho de 2008

oh sincrônica est(É)tica

§- Segue pela rua digital o cortejo de madres superioras, sublimes eternitites sem-telhas, trans-histöricas, que talvez nunca tenham lido Benjamin ou Kenner, pois parecem confundir todo e qualquer estudo da poesia como manifestação histórica (imagino que mesmo de grandes críticos como estes), com leituras limitadas de sociologia determinista. Afinal de contas, qualquer um pode abrir um livro de 40 anos atrás e fingir-se de seu eco, naquela espécie de citação que serve apenas para legitimar, de forma bastante vaga, a própria incompreensão das relações entre história e estética, numa atitude pueril que segue opondo as duas como se fossem irreconciliáveis, gaguejando de emoção ao abrir a obra já arreganhada.

§- Engraçado como se convoca o óbvio ululante para nublar o céu limpo do debate. O que eu me pergunto é: se estes poetas não estão interessados no debate das implicações estÉticas e políticas da obra de arte, por que tentam impedir o debate dos que estão interessados? Suponho que por medo do que estas mesmas implicações fariam à recepção de seus trabalhos. E porque, no Brasil, não se discute poesia, discute-se o cânone. É a velha questão de hegemonia: qual grupo ocupará as poucas vagas dos manuais de História da Literatura, este barco furado. No fim das contas (quem paga?), os trans-históricos defensores do sublime incondicionado preocupam-se com os aspectos mais seculares da História da poesia: ser leitura obrigatória no vestibular de 2147. E esta é a última coisa que eu desejo aos poetas que eu respeito.

§- Quem negaria que a sociologia pode distorcer o debate est(É)tico? Ninguém está interessado na ressurreição do determinismo. É muito fácil angariar "aliados" quando se distorce o debate desde o princípio, manipulando a discussão como se esta se tratasse da guerra santa de poetas puros contra poetas que querem "trair a poesia", cerceando sua liberdade criativa em nome de qualquer ideologia política. Já leram o debate entre Lukács e Bloch em torno da obra dos expressionistas na década de 30? O posicionamento de ambos é político e histórico. Mesmo assim, chegam a vereditos muito distintos. Nada é muito simples no terreno da estÉtica. No entanto, tentar fazer com que se confunda historicidade com sociologia rasa é uma tentativa de desviar o debate de seu eixo de importância.

§- Mas quando foi que História virou sinônimo de sociologia? A sociologia há de fazer sociologia. Deixe que diga e faça. Isto nada tem a ver com obras capitais da EstÉtica do século XX, escritas sem oposições simplistas entre estética e história, como os estudos da obra de Charles Baudelaire feitos por Walter Benjamin, ou qualquer um de seus ensaios; livros como The Mechanic Muse ou The Pound Era, de Hugh Kenner; ou Wittgenstein´s Ladder e Poetry On and Off the Page, de Marjorie Perloff... para ficar com 3 exemplos conhecidíssimos. Além do mais, é uma questão de ênfase, e também de ingenuidade dos que crêem que uma mera discussão formal seria realmente mais completa e atingiria algum tipo de "essência". Mas, a esta altura do campeonato, ainda há quem defenda tais essencialismos? Mesmo Jakobson afirmou que reduzir o estudo da poesia ao mero estudo do que ele chamou de "função poética" seria um equívoco.

§- Criar uma oposição dualista entre história e estética é pueril, a invenção de mais uma dicotomia por poetas que delas dependem para justificarem suas obras feitas de mera Literatice, como se a Literatura fosse um sistema hermeticamente fechado em si.

§- Serei mesmo o único que falha em entender como o pobre do Maiakóvski pode ser invocado a defender como revolucionária uma forma baseada em vegetação metafórica, elefantíase semântica e orientalismo exotizante, do mesmo teor do decadentismo (em minha opinião) do fim do século XIX? Esta dita "influência do Oriente", diga-se de passagem, NADA tem a ver com o movimento EASTWARD de alguém como John Cage. De quem eu não me canso de citar o seguinte trecho do livro Silence:

"Why, if everything is possible, do we concern ourselves with history (in other words with a sense of what is necessary to be done at a particular time?) And I would answer, 'In order to thicken the plot'. In this view, then, all those interpenetrations which seem at first glance to be hellish - history, for instance, if we are speaking of experimental music - are to be espoused. One does not then make just any experiment but does what must be done."
John Cage.

§- Isto é sincronia histórica. Sincronia HISTÓRICA. Queridas Madres Superioras, leiam bem, mais uma vez: "Why, if everything is possible, do we concern ourselves with history...?"


§- Não para fazer qualquer experimento, para atingir qualquer novidade, mas para fazer o que precisa ser feito. Fazer, não dizer. Há algo de leviano em traduzir "news that stays news" simplesmente como "novidade que permanece novidade", pois perde-se justamente o caráter também histórico do "news" como "notícia". O que não parece importar aos que crêem que a Literatura (não é o momento de discutir a relação entre poesia e literatura, cada trincheira em seu sulco) é um sistema lacrado, auto-suficiente, sem contato com a saúde do ar de seu século. Coisa mofada.

§- Mas estes poetas, que confundem historicidade com aula de sociologia da USP, justificam-se em sua mítica trans-historicidade saqueando ainda autores como Paul Celan, um dos poetas mais intrinsecamente históricos do século XX, e o fazem para sentirem as cócegas perdidas da autoridade do poeta, de forma parecida com que a Geração de 45 saqueava Rilke. Defendem trans-historicidade, mas recorrem ao contexto de TERROR HISTÓRICO de um poeta como Paul Celan, saqueando justamente a aura de terror histórico do Holocausto para se sentirem como autoridades poéticas em seus apartamentos de SP e do RJ, sonhando que algo desta autoridade sobreviva na importação e resgate seus textos do limbo da desimportância. E ainda se surpreendem que haja quem se enoja.

§- Posso recorrer a Auerbach? Eis uma das citações que eu geralmente uso para justificar os meus atos de vilão historicista, investindo com minha mula sincronicamente contextual contra os cowboys-mocinhos que passam zunindo em pégasos incondicionados, babando ambrosia trans-histórica pela boca:

"A realidade, dentro da qual os homens vivem, modifica-se, torna-se mais ampla, mais rica em possibilidades e ilimitada; assim, ela também se modifica, no mesmo sentido, quando se torna objeto da representação."

§- Saudades dos situacionistas. Mas não é este o caso, e o mundo, já dizia aquele judeu homossexual austríaco, é tudo o que é o caso. Pois bem. Algo ligado ao que chamamos de mundo como construção de um discurso, talvez. Ou discurso de uma construção?

§- A possibilidade de um debate seria saudável, seria até bonita. É difícil no Brasil, mas creio que seja difícil em todos os lugares. Hoje, entendo bem o que Carlos Drummond de Andrade estava almejando, de certa forma, ao escrever “Estes poetas são meus. Não são jornais nem deslizar de lancha entre camélias… É toda a minha vida que joguei.” Cito de memória, memória, a dita-cuja. Arrisca-se tanto quem dedica a própria vida a esta atividade esquisita de « ser, agir, viver como poeta », é normal que se defenda a própria carne com unhas e dentes. Quem há de culpar a mãe-coruja?

§- Encerremos com uma visão um pouco mais complexa da historicidade, que não recorra a dualismos engessados e obsoletos. Que tal Giorgio Agamben? Ele anda na moda entre os poetas com diploma universitário, deve ter uma certa autoridade. Eu também gosto muito do rapaz italiano. Leia bem, madre superiora:

"...the object of history is not diachrony, but the opposition between diachrony and synchrony which characterizes every human society... Every historical event represents a differential margin between diachrony and synchrony, instituting a signifying relation between them."

§- Mas se estes poetas, surgidos em meados da década de 90, precisam fazer de diacronia e sincronia oposições puras, assim como opõem história e estética para servirem de muletas a sua poesia neo-na-verdade-decadentista, sejam muito felizes, é o que desejo. Em breve, nas livrarias, o novo biscoito do forno de uma madre superiora trans-histörica, chamado Besta Difásica. Faz sentido, ó dicotômica senhora. Aposto que sairá por uma ótima editora, apesar de vossa senhoria bancar a vítima, a sofrer nas maos de vilões poeticotidianos. Não se esqueça de fazer uma auto-entrevista por ocasião do lançamento, especialmente para lembrar aos pupilos que vêm pedir a benção que os mocinhos seguem sendo mocinhos e os bandidos seguem sendo bandidos.

§- Apesar do discurso de vitimização de muitos poetas, são publicados por ótimas, excelentes editoras do país, e não parecem ter portas fechadas, até onde sei. Julgo pela minha caixa de correio eletrônico, sempre entupida com convites para eventos muito interessantes no Itaú Cultural, Academia de Cinema, Casa das Rosas (onde fiz minha única leitura no Brasil, e onde fui muito bem recebido e tratado). Em SP, por exemplo, são convidados de honra em palestras, oficinas pagas, leituras, eventos, de várias instituições públicas e privadas, muitas em lugares nobres da capital paulistana, como na Avenida Paulista. Eu vejo o nome dos malvados poetas quotidianos com muito menos freqüência nos convites que se encaixotam pelo espaço virtual.

§- As implicações est(É)ticas do trabalho poético são importantes demais para deixarmos madres superioras, com suas auréolas de Aurélio, nublarem o debate. Porque o resto é picuinha entre poetas ou, como diz Angélica Freitas, briga de macho-alfa em busca da liderança do bando e do direito de comer mais fêmeas.


§- E da História, nenhum escapa.

Para todos, DADADADADADADADA







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