sábado, 5 de dezembro de 2009

Certo paladar para tragédias

Há uma discussão que sempre me interessou muito e que, creio eu, lançaria luz sobre muitos aspectos da nossa vida contemporânea, mesmo sobre o debate poético e est-É-tico de nossos dias: trata-se da discussão sobre as transformações formais e culturais que nos encaminham da tragédia, tal qual a conhecemos em textos como Antígona (Sófocles) ou Medéia (Eurípides), no período clássico, a tragédias como Phèdre (Racine) ou King Lear (Shakespeare) no século XVII, e, por fim, destas às tragédias domésticas dos nossos dias, como Who´s Afraid of Virginia Woolf?, de Edward Albee; Long Day´s Journey Into Night, de Eugene O´Neill; ou A Falecida, de Nelson Rodrigues. Entre estas, onde encaixar Waiting for Godot (Beckett) ou A Ascensão e Queda de Arturo Ui (Brecht)?

Não estou apenas interessado em uma discussão sobre as diferenças formais entre todos estes textos. É claro que isso interessa e deve ser o primeiro aspecto discutido. Mas há muito mais, muito mais a discutir sobre as transformações que nos levam de texto a texto. De qualquer maneira, já não consigo separar forma e função. Trata-se mesmo de uma diferença de proporções, digamos, entre o cósmico e o pessoal? A perda do universal e a obsessão pelo particular? Alguém poderia dizer que estas últimas, de Edward Albee ou Nelson Rodrigues, por exemplo, são tragédias menores, domésticas, burguesas, fruto da perda de uma Weltanschaaung de caráter cósmico. Será realmente isso? Isso já foi discutido por alguns autores. Em Macbeth, os sons ouvidos na noite do assassinato do rei ecoam por todo o cosmos. O som da foghorn, que ecoa pela noite em Long Day´s Journey Into Night, está encerrado no destino de uma única família. Trata-se de uma mudança de ênfase entre o destino cósmico e o destino individual? Antígona ainda é lida, hoje em dia, como uma alegoria das batalhas entre o público e o privado, as diferenças éticas entre obrigações políticas para com o Estado, e obrigações metafísicas de cada um para com a sua consciência.

Digamos: como não saber onde traçar a linha que separa o que pertence a César e o que pertence a Deus.




§

Ilustro essa discussão, abaixo, com cenas de dois dos meus filmes favoritos: "Medea", de Lars Von Trier, e "Who´s Afraid of Virginia Woolf?", de Mike Nichols.


Isso também me interessa em abundância de miocárdio: o que muda entre o amor de Medéia e Jasão e o de Martha e George?




5 comentários:

Gabriel Pardal disse...

ô, teu blogue é um oásis para a poesia moderna. uma descoberta preciosa. um elogio cantado. assim é. mas sério, ficarei muito obsessivo de seguir tudo aqui com afinco. vamoquevamo.

Ricardo Domeneck disse...

Gabriel,

obrigado pelas palavras, cara.

abraço,

Domeneck

maiara gouveia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
maiara gouveia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
gilson figueiredo disse...

numa tal "Weltanschaaung de caráter cósmico" o que se contempla é o partucular do comum em "tragodea" ou se dá no trabalho do observador de estrelas? é como dizer: o eco do drama repouso no som do grito do bode que ecoa "estelarmente" ?

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