sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Viagem ao Brasil: os dias lindos no Rio de Janeiro

Não me lembro ao certo da última vez que viajara ao Rio de Janeiro. Eram 4 anos sem vir ao Brasil, mas, creio, 7 sem visitar os amigos na capital carioca. Caminhar por Copacabana ao sol, numa manhã, ouvindo todos os passantes tagarelando naquela língua que Manuel Bandeira um dia chamou de "carioca federativo", foi tremendo. Percebi como me fazia falta vir ao Brasil com mais frequência.

A primeira vez que visitei o Rio de Janeiro foi na virada do ano de 1995/1996. Fiquei hospedado na casa de meu amigo (o hoje arquiteto) Rafael Segond, que eu conhecera nos Estados Unidos, quando lá estudávamos, os dois com 16 ou 17 anos. Essa viagem foi muito importante para mim, na verdade. Os pais de Rafael, Otávio e Cláudia Segond, tinham uma coleção maravilhosa de música brasileira, haviam vivido muitos anos na França, formam uma família adorável, com quem aprendi muito. Naquele mês, em seu apartamento próximo do Aterro do Flamengo e do Largo do Machado, quando eu tinha apenas 18 anos, pude ouvir e mais ouvir, discutindo com eles, discos de Tom Jobim, João Gilberto e tantos outros.

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Foi nessa viagem que também conheci outro amigo importante em minha vida, o hoje cineasta brasiliense Pablo Gonçalo (diretor dos curtas Vestígios, de 2006, e o recém-lançado Roteiro para minha morte), com quem mais tarde dividiria apartamento em São Paulo. Foi muito bom rever Rafael Segond, poder passar alguns dias com Dimitri Rebello, Marília Garcia e Carlito Azevedo, a quem finalmente pude conhecer um pouco melhor, já que nos encontráramos até então apenas duas vezes. Cada vez mais percebo a beleza do que Ron Silliman chama de "uma comunidade de poetas", algo que, vejo mais e mais, pode suster uma vida.

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O LANÇAMENTO NO RIO DE JANEIRO

A Livraria Berinjela é um dos lugares mais simpáticos em que já li, gostei muito, imensamente, de conhecer seu dono, o nosso parceiro editorial Daniel Chomsky. O lançamento da Modo de Usar & Co. 2, assim como Monodrama (Carlito Azevedo), Ambiente (Walter Gam), Mapoteca (a reunião dos livros de Felipe Nepomuceno) e meu Sons: Arranjo: Garganta foi muito bom. Foi um prazer poder conhecer pessoalmente poetas que respeito, como Lu Menezes e Júlio Castañon Guimarães, assim como finalmente encontrar, pela primeira vez, a poeta carioca Juliana Krapp. Também encontrei pela primeira vez a poeta Masé Lemos, com quem já tive debates interessantes. Revi Laura Erber, a quem eu conhecera quando nós lemos no Festival de Poesia de Buenos Aires, em 2006, conheci poetas com quem me correspondo e mantenho um diálogo, como Franklin Alves Dassie, e alguns colaboradores da Modo de Usar & Co. impressa, como os simpáticos Ismar Tirelli Neto e Nora Fortunato. Várias pessoas queridas e interessantes estiveram na livraria, pessoas com quem gostaria de ter tido mais tempo de conversa. Conheci Walter Gam, que lançava seu livro de estreia; Márcio-André, com quem divido o interesse gigantesco pela pesquisa sonora; revi Guilherme Zarvos, que conhecera em Berlim; conheci Paulo Scott, Isadora Travassos, com quem conversei muito sobre Berlim, e Valeska de Aguirre, que organizou com Marília Garcia a antologia A Poesia Andando: 13 Poetas no Brasil (Lisboa: Cotovia, 2008). Ambas trabalham na editora 7 Letras, escrevem (em 2007, Valeska de Aguirre lançou o bonito Atos de repetição) e traduzem. Os simpáticos editores da revista Bliss estiveram na Berinjela, Lucas Matos e Clarissa Freitas, trouxeram meu exemplar da revista com a qual colaborei com um poema. É difícil mencionar uns e não todos, se não menciono todos, perdoai, é culpa do fluxo de emoções dos acontecimentos dos últimos dias. Conheci também o próprio editor da 7 Letras, o querido Jorge Viveiros de Castro. Não poderia deixar de mencionar meu caro editor, o generoso Augusto Massi, que tornara possível minha vinda ao Brasil para os lançamentos.

Por volta do meio-dia, Carlito Azevedo e eu fizemos uma leitura, acompanhados de Ismar Tirelli Neto. Carlito fez sua já clássica leitura do poema "Sobre uma fotonovela de Felipe Nepomuceno"; Ismar leu dois de seus belos poemas (quando Ismar acerta a mão, os textos são realmente memoráveis) e eu encerrei a leitura, não apenas com poemas meus, abrindo minha leitura com o poema "O cineasta do Leblon", de Hilda Machado (1952 - 2007), texto que abre também o segundo número impresso da Modo de Usar & Co., meu poema "Linear" e encerrei com o poema "Receitas para engolir e curar o fracasso", de Leonardo Martinelli (1971 - 2008). Foi minha homenagem a estes dois poetas, que eu gostaria muito de ter conhecido.

De Hilda Machado conhecemos apenas 6 poemas, dois publicados na Inimigo Rumor e 4 publicados agora na Modo de Usar & Co. 2.

Leonardo Martinelli e eu estávamos em contacto mais constante nos últimos meses de sua vida, por mensagens eletrônicas. Ele foi muito generoso comigo em vários momentos. Foi com muita tristeza que soube de sua morte.

Os próximos dias foram passados na companhia de Marília Garcia, fazendo planos e mais planos de colaboração, com Carlito Azevedo, conversando sobre poesia, poetas, poética.

No dia 13, Dimitri Rebello e Silvia Rebello lançaram os quatro primeiros números de seu novo selo, a Coleção Compacto Simples, que reúne o trabalho literário de escritores mais conhecidos como compositores de música popular. Os primeiros números trazem dois contos (Lado A e Lado B) dos escritores/compositores Dimitri Rebello, Fernando Paiva, Flávia Muniz e Ismar Tirelli Neto.

Escrevo sobre os dias e o lançamento em São Paulo na próxima postagem. Encerro com o poema de Leonardo Martinelli.

POEMA DE LEONARDO MARTINELLI

Receitas para engolir e curar o fracasso

Origem, compra, preparo e sabor

1. Ave sertaneja
de porte médio
fibrosa, rija
de vida noturna

Preços: vinte e
sete contos o quilo
no Mercadão de
Madureira ou

trinta e sete
(ágio de dez paus)
nos açougues febris
da rede Mundial

O jeito é pegar
um 254 na madruga
ou encarar de frente
o trem da Central


2. Embrulhe o fracasso
com jornal de ontem


3. Afogue duas postas numa
panela de barro contendo
dois litros de vinho barato

Salgue e asse
em fogo alto

Enfeite o prato
com uma dúzia de

amóreas secas + 100 g
de fios de óvulos


4. Aí vai ele
numa baixela dourada
ridícula - duas
palavras
em francês fajuto
farão sorrir amarelo

o rapaz de
meia-idade e enrubescer
as bochechas
gentis suburbanas
à mesa

Rende
para uma duas três
mil pessoas


Posologia

Uma vez
hiperdosada
vai-se a bula ao
mar de bile

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