Barro: o abraço / primordial já / previa o anfíbio
“Und dies ist ihre Verbindung mit der Welt”
Ludwig Wittgenstein
mesmo que um pássaro
aponte o centro
ou uma pedra
seja pedra e sinal
a densidade em quaisquer hierofanias
jamais excede
a que meu corpo apresenta
imerso na banheira,
água, carne: praia
e a troca de calor é explícita.
se o concreto evola-se em conceito
e eu vejo
o corpo do mito
feito carne
(de novo)
neste fluxo e refluxo
respira o mundo.
*
de encontro à pele,
a temperatura
aumenta, a febre
acelera-me o pulso,
o rosto incha,
o corpo ilha-se
numa cama
encharcada,
mar que retorna
das origens a um corpo
em júbilo
similar à cicatrização de um corte;
luxações aumentam-me a posse
e presença no mundo,
mas não a brecha entre pele e pouso;
nada é invisível
além do que reside
em minha memória,
e eu sei que não há quem profetize
a sua volta.
*
minha coluna, uma torre de inclinações
contínuas,
a garganta sobrevive ilesa
às inflamações
periódicas.
durmo e sonho o prometido
corpo incorruptível;
acordo com dores nos músculos.
*
estes brincos necessários perfuram e pendem,
servem de prova de consistência; úmidos,
os pés tateiam, ajeitam-se,
calcam mais fortes
no concreto
a sua crença de apoio
(o mundo responde-lhes
com tremores)
o sangue escorrendo
das narinas no momento
do aperto de mão do estranho,
(toda apresentação
deveria consistir numa troca
de secreções)
expondo ambos
à recusa
herdada, esquecida, prenhe.
*
os joelhos falham, dobram-se,
saliva e sangue às vezes unem-se,
desaguam na boca,
cabelos engastam-se nas unhas
do mesmo e próprio dono.
(braços exaustos tremem com um copo)
denso,
denso.
algo mais que mão externa
consterna-me o diafragma.
enquanto alguns
flertam
com pedras
e o
silêncio
Ricardo Domeneck, Carta aos anfíbios (2005).
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