terça-feira, 16 de outubro de 2012

"Barro: o abraço / primordial já / previa o anfíbio"


Barro: o abraço / primordial já / previa o anfíbio


      “Und dies ist ihre Verbindung mit der Welt”
                                 Ludwig Wittgenstein

mesmo que um pássaro
             aponte o centro
ou uma pedra
                      seja pedra e sinal

a densidade em quaisquer hierofanias
                                      jamais excede
a que meu corpo apresenta
imerso na banheira,
água, carne: praia

e a troca de calor é explícita.

se o concreto evola-se em conceito
e eu vejo
o corpo do mito
feito carne
(de novo)

neste fluxo e refluxo
respira o mundo.

*

de encontro à pele,
a temperatura
aumenta, a febre
acelera-me o pulso,

o rosto incha,
o corpo ilha-se

numa cama
encharcada,

mar que retorna
das origens a um corpo

em júbilo
similar à cicatrização de um corte;

luxações aumentam-me a posse
e presença no mundo,

mas não a brecha entre pele e pouso;

nada é invisível
além do que reside
em minha memória,

e eu sei que não há quem profetize
                                      a sua volta.

*

minha coluna, uma torre de inclinações
                                               contínuas,
a garganta sobrevive ilesa
às inflamações
                         periódicas.

durmo e sonho o prometido
corpo incorruptível;

acordo com dores nos músculos.

*

estes brincos necessários perfuram e pendem,
servem de prova de consistência; úmidos,
os pés tateiam, ajeitam-se,

calcam mais fortes
no concreto
a sua crença de apoio

(o mundo responde-lhes
                 com tremores)

o sangue escorrendo
das narinas no momento
do aperto de mão do estranho,
(toda apresentação
deveria consistir numa troca
                          de secreções)
expondo ambos

                            à recusa

herdada, esquecida, prenhe.

*

os joelhos falham, dobram-se,
saliva e sangue às vezes unem-se,
desaguam na boca,

cabelos engastam-se nas unhas
do mesmo e próprio dono.

(braços exaustos tremem com um copo)

          denso,

denso.

algo mais que mão externa
consterna-me o diafragma.

enquanto alguns

                               flertam

com pedras

                    e o

         silêncio



Ricardo Domeneck, Carta aos anfíbios (2005).

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