Hoje, pela manhã, voltando para a minha casa depois de tomar o café-da-manhã na padaria berlinense favorita, vi um conjunto anatômico brilhando ao sol, sobre uma bicicleta, rápido, decidido, com saúde explodindo por cada poro, e meu corpo todo reconheceu aquele corpo, era ele, aquela tragédia de anos e anos atrás, Christopher. Ele não me viu. Mas eu o vi. E lembrei deste poema antigo, escrito para ele e sobre ele e, por que não?, com ele. Vai aqui, mais uma vez. Homenagem às catástrofes passadas. Ao fim, um dos meus vídeo-retratos, feito dele.
Texto
em que o poeta dirige-se a um ex
e
relata a seus leitores sobre Christopher,
his
own private Hurricane Okeechobee
O plantão do Jornal da
Globo
anunciava a morte das
mortes
da Rapunzel das
importâncias
e o bípede predileto
impunha
suas lesões como lições.
Seu bíceps era um
fórceps
na manteiga das minhas
guelras.
É como se seu tubo de
eustáquio
se posicionasse, ainda
por cima,
na
expectativa de um Thank
You
por sua devastação em
meu clima,
e eu temia, ao leme, que
o próprio
meio-dia fosse a praga
que assola
ao meio-dia. Há outros
perigos
para um barco ao mar,
mais terríveis que o
naufrágio.
Talvez o vício
do farol, demasiada
confiança
nos botes, nas bússolas.
De sua testa à sua
glande
e desta às falanges,
aquele cobre solar e
uniforme,
como os pelos em suas
pernas
distribuíam-se
feito um milharal
querendo esconder o
milho.
A proporção entre seu
nariz
e outros membros do
império
em seu mapa de côncavos
e convexos era minha
última
porção de simetria,
Bauhaus
do meu lumpesinato
físico.
Quando nascerá o
comunismo
do proletariado amoroso?,
era o que simulavam
murmurar,
revolucionárias, minhas
mucosas,
estas cavidades
hipócritas
em seus mal-dissimulados
delírios napoleônicos.
Eu
queria ser seu dono e seu dog,
parceiro majoritário
do monopólio
que ele presidia.
Um feudo de fluidos
e de corpos. Suas fotos
até hoje me coçam.
Ele era um conjunto de
carpos
e cilindros, e, se aos
dezenove
fazia-me de vaso, aos
vinte
e cinco era eu dejeto,
despejo.
Ele era uma alegria
difícil,
um improviso
de rês pública.
Queria tudo,
a mim inclusive,
mas sem contrato
exclusivo.
Redigia todas as
cláusulas,
eu as aceitava, do sim
tácito
ao silêncio tático,
qualquer manobra
que mantivesse seu corpo
aberto ao meu tato.
Quem jamais viveu o
momento
que faz de migalhas
um banquete
que atire o primeiro
tomate.
Ele, em minha boca,
foi o nascer-do-sal.
Quem me dera o tivesse
discernido a tempo
como o analgésico exato
para as minhas ilusões
de pertencer a alguma
espécie
em extinção,
quando hoje sei ser eu
praga.
Contudo, não me
arrependo
de permitir aos meus
dedos
aquela orgia típica
de gafanhotos
nos campos férteis
dos seus cabelos,
e, mesmo daninho,
dedico a ele hoje
este honorário
por seus extermínios.
Ricardo Domeneck, in Ciclo do Amante Substituível (Rio de Janeiro: 7Letras, 2012)
§
Ricardo Domeneck, "Retrato de Christopher" (2006)
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2 comentários:
Ricardo, eu te amo, seu lindo, fofo!
Obrigado pela generosidade, querido.
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