Ontem, conversando com Adelaide Ivánova em minha cozinha, falávamos sobre o massacre incessante dos cidadãos negros da República. Tantos meninos. A foto daquele pai negro chorando. O massacre de índios, mulheres, homossexuais. Falamos do número de tiros contra aqueles 5 garotos desarmados. 111. Cento e onze tiros. Quando disse o número em voz alta, percebi o que não havia percebido antes ao ler o número: é o mesmo número de mortos do Carandiru. Postei ontem: a simetria do terror no Brasil.
Quando passavam imagens do Carandiru ou outro presídio na televisão, minha mãe sempre repetia a mesma frase: "Isso aí é lugar onde filho chora e mãe não ouve." A imagem daquele pai negro em pranto, pai negro de um menino negro morto com 111 tiros enquanto celebrava seu primeiro salário. O Brasil é o lugar onde mãe chora e filho não ouve mais. Fui para a cama com este número na cabeça. 111. 1 + 1+ 1. Não. 1 – 1 – 1. Como naquela passagem de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis, na qual Brás Cubas imaginava:
"... um velho diabo, sentado entre dous sacos, o da vida e o da morte, a tirar as moedas da vida para dá-las à morte, e a contá-las assim:
-- Outra de menos...
-- Outra de menos...
-- Outra de menos...
-- Outra de menos..."
Este velho diabo será muito mais nosso Estado, que jamais se descolonizou em suas estruturas e ideologias, apenas trocou o passaporte do gerente da máquina de moer gente. O velho diabo não conta moedas, senta-se entre dous sacos, o da vida e o da morte, a tirar negros, índios, mulheres e homossexuais da vida para dá-los à morte, e a contá-los assim:
-- Outro de menos...
-- Outro de menos...
-- Outro de menos...
-- Outro de menos...
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