terça-feira, 1 de dezembro de 2015

"Uma anônima na lama da Samarco dirige-se aos todavia vivos"


Nunca mais alvo
de cupidos

largada em decúbito
lateral dorsal ventral

o corpo submergido
na lama
da Samarco da Vale

do finado Rio Doce

sem vestido
de organdi azul

Tragédia Brasileira
ó pleonasmo

sem o azul
de água ou céu

sou só
outra

sem voz
anônima

negra
em lama
anônima

como outra
lama abaixo

outra anônima


do povo
Hydromedusa tectifera


na mesma lama

morta com seus ovos
morta com meus ovos

eu, fêmea anônima

do povo
Homo sapiens

ela, cágado e fêmea
sem voz

hidromedusa
que não nos
petrifica

os machos
que se dizem
nascidos do barro

mas somos nós
de Gaia adornada

em água limpa

com que doamos
o lago primordial

no qual nadam
todos

os úteros
as lagoas

com fronteiras
nos ventres

nós todas
bestas de carga

nesta República
de pó e hélices

onde água falta
mas não a lama

nossa falta que lama

caídas
nesta guerra

os humanos
contra todos
os anônimos

do povo
Homo sapiens

do povo
lambari

do povo
cágado

vem, hidromedusa!

até que todos
os povos

encontrem-se

graças
a esta guerra

de todos
contra todos

com o povo
minoico

com o povo
olmeca

com o povo
neandertal

com o povo
mamute

e outros
os outros

extintos


.
.
.


Um comentário:

Unknown disse...

Eis uma poesia contundente, pá lavra que soterra o tempo e o homem em palavras e que na ousadia de suas cobras metafóricas, milimetricamente pensadas, surpreende o humano absorto no espaço e o carcome feito vermes delatores com beleza e harmonia próprias do banquete báquico das profundezas das alma humana. Belo poema! Excelsa poesia!

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