domingo, 18 de março de 2018

O Corpo e o Morse


Doentes.
Nós, todos

doentes. Há
muito doentes

todos. Nós
em forcas.

Pungidos
e impunes.

Não,
não impunes.

Não
se constrói

impune casa
sobre covas

comuns. Não
se ergue

o prédio
em cemitério.

Não sem
velados, lavados

os ossos
e os dentes.

Não ungidos.
Untados.

Não impunes.
Doentes

de cada gota
do líquido

espesso. Derr
-amado.

Por nós, avós.
Parentes

doentes
em cada gota

que circula.
Essa corrente.

A casa abala-se.
O sangue

embebe alicerces.
A mola

mestre afrouxa.
O reboco

despenca. Não
se constrói

impune
nas costas

de gente,
escravos, depois

se mente impune,
finge-se

fraterno, diz
irmão, irmã.

Não sente
na pele,

não cose
as costas,

não pede
a bença.

Da casa
sobre covas,

do prédio
sobre costas,

frangalhos. Nem
carneiro nem cão.

Até os bois,
as balas são

mais sagrados.
Punidos

não fomos,
mas não

impunes.Estamos
doentes.

Nossas costas
em trinchas. Entre

trincheiras
do café-da-manhã

à janta. Nossas
casas escarlates.

E o Omo não lava
os ossos.

E o sangue. Omo
nenhum lava.

SOS SOS tele-
grafam ossos.

Doentes. Cada
mãe

de pele colorada.
De rubro

e de negro. Cada
mãe roubada.

E morta. Omo
não lava.

As manchas,
que a família

merece. Refeição
temperada

a coloral. Não
urucum. Nódoas

que secam
no asfalto. Todos

nós, doentes
de comer

carne, nós
que moemos

carne. Pôncios
Pilatos

nessa Jerusalém
infernal.

Não há
Cristo que baste.

Não há Cristo
que lave

com sangue
o sangue. Basta

de lavar sangue
com sangue. Basta.

Doentes,
pilhamos ossos.

Dormentes,
secamos. Cálcio.

Cauterizados,
nós, calcificados.

SOS SOS telegrafam
os ossos.

A nós, doentes
entre doentes.



*

[in memoriam Marielle Franco]

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