Makely Ka é um trovador contemporâneo brasileiro, nascido em Valença do Piauí, em 1975.
REGRESSO AO AGRESTE
Regresso ao agreste
Esse reverso de floresta
E do pouco que ainda resta
Esse progresso ao revés
Regresso ao agreste
Do eucalipto ao cipreste
Entre a transgênica semente
E a hidrelétrica da vez
E hoje a meta-resposta
É talvez
Um deserto, essa réstia
De través
Hoje tudo que pasta
É a rês
E um trator que arrasta
Tudo ao rés
Nessa terra de xerife
Onde tudo se decide
Na base do cassetete
Não duvide
O sujeito te agride
Um sozinho contra sete
Você pensa no revide
E arremete
DDT e neocide
Com a monsanto quem compete
Com o imposto que incide
Quem resiste
Qual o custo desse bife
Qual o lucro dessa thread
Isso tudo é muito triste
E só regride
Regresso ao agreste
Seguindo por essa reta
Onde aponta uma seta
Leio a placa em português
Regresso ao agreste
Onde a commodity reveste
Todo lucro que se investe
Do que vende-se ao chinês
E hoje a meta-resposta
É talvez
Um deserto, essa réstia
De través
Hoje tudo que pasta
É a rês
E um trator que arrasta
DESTA VEZ, AQUI, AGORA: VOZES DA POESIA CONTEMPORÂNEA.
Terceira edição. Organização de Sergio Maciel, Guilherme Delgado, Renata Mocelin e Luciane Alves. Universidade Federal do Paraná.
DIA 1 (14/09)
Wellington de Mello
Henrique Provinzano Amaral
Anelise Freitas
DIA 2 (21/09)
Paulo Henriques Britto
Diego Alves Amancio
Margarida Vale de Gato
DIA 3 (28/9)
Edimilson de Almeida Pereira
Ronald Augusto
Márcia Brito
POETA HOMENAGEADA: Tereza Tenório (Recife, 1949–2020).
*
POEMAS DE TEREZA TENÓRIO
CORPO DA TERRA
Pela janela o verde
nos revela
o coração da mata acesa
o úmido
veio das aromáticas
resinas
dentre nossas raízes
enlaçadas
a destilar a essência
do teu hálito
em mim
corpo da terra
desvelado
*
A FACA SOBRE A ÁGUA
Existe o duplo silêncio: o da flauta
e do tempo (que há mundos paralelos).
Há o movimento rítmico: o do pêndulo
no silêncio partido do hemisfério.
E foi teu último engano: a ferida
rubra e sangrenta. A branca madrugada
transformou-te de louca suicida em
clara manhã de pássaros e fadas.
Houve também a faca sobre a água
com o brilho mortal das escamas rápidas
e houve o encontro da terra com os astros
na rota dourada do fim de tarde.
*
A CASA NA COLINA
Quem sempre quis uma casa na colina
pra que pudesse namorar as árvores
Tanto sonhou o rosto de uma menina
sua cabeleira a refletir as vagas
Eu que amarguei a solidão da sina
de uma infância sofrida além da margem
de tanto amar o amor como a saudade
transformei-me ao sol dessa menina
Tendo na boca o gosto da menina
do crescer na paisagem do silêncio
degustando a palavra enquanto sina
transformando o silêncio enquanto tempo
em meio ao sonho que a estrela move
em meio à sina que se mofe ao vento
*
CASO
O meu primeiro amor morreu de fome
O meu segundo amor não teve jeito
O meu terceiro amor se fez amante
recebendo-me à tarde radiante
Até hoje vivemos do seu jeito
como meu último amor
fatal
perfeito
*
VIRTUAL
No epicentro das ondas invisíveis
edifiquei mandalas para os celtas
habitantes dos últimos milênios
guelras de peixes e barbatanas retas
Onde o mar arrastara nossas redes
para morder-nos tênues fios de espera
o fluir das espumas retalhou
os tecidos da carne contra as pedras
nos módulos lunares dissolvi
toda a sombra da superfície líquida
seus cardumes de tubarões-martelo
entre indormidos teoremas míticos
arremessei ao lume destes versos
nossa imagem virtual de estranhos ritos
*
TRÍPODES
Queimados os corações
no sacrifício dos remos
sobre a pedra dos oráculos
reedificamos o templo
Marujos noutro avatar
fomos mortos ao relento
entre carvalhos e trípodes
no temor ao deus sangrento
No corolário da lenda
filha dos quatro elementos
fertilizamos a terra
na fenda ao sul do oriente
ao fim do embate mortal
a seiva do sol no zênite
.
Para mim, trata-se de um dos grandes poemas do nosso tempo. Merece um ensaio alentado, mas como o incluí no dossiê de poesia brasileira contemporânea que estou organizando para uma revista do âmbito germânico, terei que enfrentá-lo em breve.
KUZUELA André Capilé
ó pássaro verdadeiro ó pássaro sincero
papagaio ê!
seja bem vindo gostamos de recebê-lo
mas não nos garantimos boas novas
os maridos ainda recusam a voz das esposas os pais renunciam a voz de seus filhos
nossos avós saíram da raiz faz tempo mas o tronco resiste apesar dos inventos
esta é a terra e o que se tornou
veja estamos sempre prontos a nos repetir
viemos a esta terra comemos desse esterco
em um mundo que não devia ser tão espalhado em um mundo que se distrai por trair ser pacífico em um mundo que é apenas um lugar de mercado
uê papagaio uê!
será possível que se instale um vau que se preciso atravessemos juntos?
e o que virá depois do salto, o óbvio?
de um lesa-majestade ouvi a prece nem todos voltarão pra casa um dia
até que dê ciência a concha ao molde é o estéril que engravida o caracol
viemos até aqui agora chamamos de casa
ó há terra para todos
talvez devesse um elogio que te fizesse mais feliz
ó há terra para todos
e me escutasse o que rezava e respondesse cada reza
ó há terra para todos
é de lá meu papagaio
uê que espalha o mundo no lajedo tão grande, tão poderoso
que não pode vencê-lo a calma a violência de teu silêncio
quem ousar eiá eu vos digo enxaguará as mãos pra comer terra
quem ousar eiá eu vos digo entrará pelo duto ó cu dos céus
e quem ousar eiá que aproxime mil e um passos contados pra trás
hoje não vou ousar ser tão rude com ele são mais de mil passos à frente do rei
ó colorido com a tintura do açafrão patrono dos tapetes sem tamanho
esta terra deve ser pacífica esta terra deve ser prolífica
a terra deve ser boa pra nós a terra deve nos favorecer
não botamos nossos ovos pra guerra nós que somos testemunhas do luto
não merecemos castigo não devemos ser roubados
papagaio ê! venha ouvir nossas súplicas
papagaio ê! prestamos homenagens ao senhor
ó pássaro verdadeiro ó pássaro sincero
seja bem vindo gostamos de recebê-lo
não ouça amanhã nossos gritos não nos garantimos boas novas