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sexta-feira, 30 de abril de 2021

Frederico Klumb - "Mapas"


Nos últimos anos, Frederico Klumb tem sido um colaborador em textos e imagens, um correspondente com quem discuto os meandros da prosa, um interlocutor, um amigo. Vocês conhecem o vídeo dele para minha colaboração com Francisco Bley? 




Fico sempre feliz de poder ler em primeira mão alguns dos seus textos. Este, abaixo, li há pouco tempo, e pedi permissão a ele para publicar aqui, por ter gostado tanto dos ditos-e-feitos. Klumb terá um conto inédito no primeiro número impresso da revista Peixe-boi. Por ora, deixo vocês com este "Mapa". Num poema inédito que se quer um retrato de Klumb, falo sobre seu "coração de cantor de feira". Está aí, creio, também nesse poema. O poeta e prosador nasceu no Rio de Janeiro em 1990.


Mapa
Frederico Klumb

                   (p/ M.)

No meu país há essas costas 
pedregosas banhadas pela luz 
da lua de vitiligo no seu rosto.
No meu país cabelos crescem
livres de coroas (não de espinhos), 
e as estrelas são letras 
do segredo que chamamos Noite.
No meu país há animais e mentiras 
sublimes, o que os gregos 
queriam dizer com Destino: 
o choro, o cloro, o sal, os temperos, 
os gatos e uma amendoeira ordinária 
e torta. E há os xaxins, capins, cajás, 
caquis, muxoxos e ai meu Deus 
dos nossos amigos. Lá, onde o vento 
é o terceiro animal invisível, porque 
antes veio a luz, e primeiro foi o Verbo. 
País doce e terrível, onde a antiga 
estrela do Norte é um hipopótamo 
e um dragão – dois ilustres cidadãos 
da República das Manchas De Pele - 
onde se mistura Pelé com 
Kamikaze sem medo do desastre. 
Onde há brumas, brujas, livros 
velhos, senhoras argentinas
bebendo cerveja de canudinho, 
canários engaiolados, canalhas 
arrependidos e pássaros anônimos 
em todas as matas. Um país que canta 
cujo Deus maior é o Movimento. Um país 
de manhã, pronto a se perder de vista.

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sexta-feira, 31 de julho de 2020

Frederico Klumb lê um de seus poemas

Gravei esse vídeo com o amigo Frederico Klumb em minha última passagem pelo Rio de Janeiro, no qual ele lê um de seus poemas inéditos. Klumb é poeta, prosador e cineasta, nascido carioca [não é culpa dele] em 1990.

 

[Dos marinheiros]
Frederico Klumb

Dos marinheiros 
costuma-se dizer 
entre a terra e os navios 
que por amarem demais o mar 
precisam dos portos 
do chão mínimo 
o metal os contêineres pesando o rijo 
a única noite capaz de cessar o balanço 
do casco quando é seu trabalho perder-se de vista 
 
Dos marinheiros 
costuma-se dizer que é nos portos 
que encontram suas pernas seu peso 
o que sentir além de azul azul azul  
e amanhã azul 
dos marinheiros  
há muitas fotos espalhadas 
não são tão belas quanto as antigas 
são fotos de metal são fotos gigantescas 
são fotos do homem na proa 
no limite do que ainda pode ser visto 
antes do céu do mar navio 
cinza 

Ao olhar agora a fotografia de um marinheiro 
pensei comigo 
é ele e não a terra 
é ele, o continente 


Arena (2016), é um exemplo do seu trabalho visual. Nossa colaboração num vídeo também pode ser vista na revista Escamandro, para a peça sonora de Francisco Bley baseada em um poema meu.



Abaixo, um retrato que roubei do homem na Vila Isabel em 2018.

Ricardo Domeneck - "Frederico Klumb na Vila Isabel", 2018

Num poema-carta em forma de retrato, dedicado a ele e ainda inédito, encerro com os versos:

                  "ninguém apaga o incêndio 
                   que floresce 
                   na fiação capenga dos nossos sótãos."

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quarta-feira, 3 de julho de 2019

Francisco Bley & Ricardo Domeneck - "Os afazeres" (vídeo de Frederico Klumb)

Com Francisco Bley no estúdio Mylo em Curitiba, janeiro de 2019

‘Os afazeres’ é uma colaboração que nasceu em 2018 quando conheci o compositor curitibano Francisco Bley em minha passagem pela capital paranaense. Bley, que já trabalhou em peças sonoras de poesia falada com poetas como Elisa Lucinda, compôs e propôs essa bela peça eletroacústica ao piano com sons processados, à qual decidi unir com minha voz o poema “Os afazeres domésticos”. Retornei a Curitiba em janeiro de 2019 e gravamos o texto no estúdio Mylo. Com a peça pronta, convidamos o carioca Frederico Klumb para a composição visual que acompanharia a colaboração, e estamos muito felizes de poder mostrar agora essa tríade entre música, texto e imagens. No entanto, trata-se de uma colaboração ainda maior: montada a partir de imagens de arquivos familiares, precisamos agradecer a todos os amigos e colegas que atenderam ao chamado e nos enviaram fotografias de suas infâncias em vários cantos do país. A estas imagens, Frederico uniu outras do arquivo histórico do país. E assim, aqui estão os afazeres. 


 –– Ricardo Domeneck, junho de 2019





Os afazeres domésticos
Ricardo Domeneck


           “Há-de nascer de novo o micondó —
            belo, imperfeito, no centro do quintal.”
                         –– Conceição Lima


É o nosso trabalho dizer agora que hão-de
renascer o capim-cidreira, o boldo e a hortelã
para os rins, os fígados, os intestinos da família
morta já pela metade, ainda que se espargira sal
sobre a terra dos quintais tomados pelo agiota,
e o dizer em ritmo propício à canção de ninar.

E que as mãos da vó quebrarão o pescoço
dos frangos caseiros para o pirão, que há-de
alimentar por dias as mulheres de resguardo
que ao dar à luz indenizaram a família por velórios,
mesmo que daquelas rugas restem só carpos
e metacarpos brancos de cálcio no jazigo do clã.

E que o vô morto voltará em sonho para ralhar
até a bandeira nacional mudar de cor
com estes desnaturados que não se cansam
de dar desgosto a seus antepassados
que cruzaram oceano não só para a desgraça
trocar de passaporte e vegetação ao fundo.

E é nosso trabalho dizer que os avós sequestrados
d’além mar hão-de alforriar-se em nossos corpos
e que os antepassados deste lado do Atlântico
hão-de reaver seus quinhões de terra preta,
e juntos, entre a hortelã, o boldo e o capim-cidreira,
de mão em mão as xícaras da saúde que nos elide.

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