sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Punk Tropical ou Dada-Banana



§ A indeterminação das estações. A sensação (e subseqüente medo) de pertencer à periferia gerando a sede por inovação. Os debates internos exigindo o entrincheiramento de partidos opostos, divididos entre o positivismo das instituições políticas, controladas por uma elite que ainda anseia pelo Norte, e o misticismo das misturas de contextos lingüísticos e religiosos de partes distintas do globo. Porém, as investigações de uma identidade nacional sempre espelhadas em conceitos de homogeneidade cozidos na Europa, onde tais noções de nacionalidade unitária e monolítica são igualmente fictícias, ainda sofrendo e impondo a tentação do homogêneo.



§ As tendências em experimentação artística no território conhecido como Brasil têm se mostrado, freqüentemente, à direção de borrar fronteiras e aterrar trincheiras, onde artistas sempre tiveram que se manter atentos às separações: entre classes, entre sexos, entre raças. Borrar fronteiras, aterro de trincheiras. Se a denúncia da falsidade do mito de Gilberto Freyre para uma democracia racial tornou-se claramente necessária, nunca foi mais inexeqüível a urgência da luta por sua conquista. Assim, em um país onde o conceito de miscigenação foi eleito pelo modernismo como mito fundador, e onde a única trilha possível para artistas em uma sociedade dividida tornou-se a guerrilha pelo colapso de dicotomias como cultura erudita e popular, o conceito de Pop jamais mostrou-se essencial: esta já era a inclinação natural, muito antes dos anos 60.



§
Por instinto ou não, a escolha de resistência vinda da arte no Brasil foi o caminho de resistência interna. Se Adorno via a recusa da realidade e fuga ao sublime lírico como forma de revolta política, que expulsaria do trabalho artístico tudo o que o artista considera detestável na realidade em redor, podemos contemplar também, nos últimos cem anos, a escolha proposta, entre outros, pelos dadaístas: a estratégia de guerrilha cultural, sabotagem de sistemas, arte como vírus, que somente mostra-se eficiente dentro do organismo. Como a banda Secos e Molhados cantou nos anos 70: "E no centro da própria engrenagem / Inventa a contra-mole que resiste". Para artistas vindos de áreas como a América Latina, onde são constantemente obrigados a enfrentar a questão de identidade (ilusão de centro vendida por ideologias políticas européias, onde já causaram tanto derramamento de sangue, e mesmo assim comprada por nosso modernismo), isto apenas traz novas responsabilidades. Mas, enquanto na Europa a consciência política exige o expurgar de nacionalismos, na América Latina este mesmo nacionalismo é decretado obrigação política para os conscientes da posição econômica e social do continente no mundo, e a opressão que se sente vir do Norte.


§ Estes, os dilemas. Do manifesto modernista de Oswald de Andrade (Tupy or not tupy that is the question), declarando a morte de um padre português por indígenas e sua assimilação pelo ritual antropofágico como o ritual de nascimento da nação, apesar do anti-épico de Euclides da Cunha, à releitura de Pablo León de la Barra e sua proposta (Make your enemy eat you), temos décadas de diálogo artístico em que luso-brasileiros e hispano-americanos enfrentaram os mesmos questionamentos e dilemas de quaisquer artistas de outras nacionalidades, mas com a responsabilidade de respondê-los a partir de suas próprias perspectivas. E muitos uniram-se às filas de antiinstitucionalistas e, mais importante, interventores culturais que se tornaram ativos desde que o Cabaret Voltaire foi instalado em Zurique e primeiro urrou-se DADÁ em 1916. É em tal contexto de resistência política que se torna necessário analisar interventores como Oswald de Andrade, Hélio Oiticica, Lygia Clark, Tom Zé, Glauber Rocha, enfrentando os mesmos dilemas culturais e necessidades de resistência de Dadá, Pop, Fluxus ou Punk, aos quais adicionaram várias responsabilidades políticas. É neste contexto e histórico que podemos entender as atividades de interventores, por exemplo, como Bruno Verner e Eliete Mejorado do Tetine ou Eli Sudbrack como assume vivid astro focus, em um clima cultural em que brasileiros não apenas enfrentam questionamentos de identidade, mas também expectativas que o resto do mundo desenvolveu em relação a esta identidade, abrindo espaço para o artista brasileiro desde que ele esteja disposto a seguir o papel já designado para ele por esta expectativa internacional.


§ O trabalho de um punk tropical permanece o de borrar fronteiras, aterrar trincheiras.


[Publicado originalmente em inglês, em Londres, por ocasião da exposição Tropical Punk, com curadoria de Bruno Verner e Eliete Mejorado, na Whitechapel Gallery em junho de 2007]

Um comentário:

Marcus Fabiano disse...

suponhamos por um desses paradoxos do barroco que Glauber tenha escrito a resposta/continuação ao seu texto antes dele:

A REVOLUÇÃO É UMA ESTÉTYKA

Glauber Rocha


A única opção do intelectual do mundo subdesenvolvido entre ser um " Esteta do Absurdo" ou um "nacionalista romântico" é a cultura revolucionaria. Como poderá o intelectual do mundo subdesenvolvido superar suas alienações e contradições e atingir uma lucidez revolucionária? Através do exame crítico de uma produção reflexiva sobre dois temas justapostos:

- O subdesenvolvimento e sua cultura primitiva
- O desenvolvimento e a influência colonial de uma cultura sobre o mundo subdesenvolvido.

Os valores da cultura monárquica e burguesa do mundo desenvolvido devem ser criticados em seu próprio contexto e em seguida transportar em instrumentos de aplicação úteis à compreensão do subdesenvolvimento.
A cultura colonial informa o colonizado sobre sua própria condição.

O auto-conhecimento total deve provocar em seguida uma atitude ante-colonial, isto é, negação da cultura colonial e do elemento inconsciente da cultura nacional, erradamente considerados valores pela tradição nacionalista. Deste violento processo dialético da informação, analise e negação, surgirão duas formas concretas de uma cultura revolucionária:

A Didática / Épica
A Épica / Didática

A Didática e a Épica devem funcionar simultaneamente no processo
revolucionário:

A Didática: alfabetizar, informar,educar,conscientizar as massas ignorantes,
as classes médias alienadas

A Épica : provocar o estimulo revolucionário

A Didática será científica. A Épica será pratica poética, que terá de ser revolucionaria do ponto de vista estético para que projete revolucionariamente seu objetivo ético. Demonstrará a realidade subdesenvolvida, dominada pelo Complexo de impotência
intelectual, pela admiração inconsciente da cultura colonial, a sua própria possibilidade de superar , pela pratica revolucionaria , a esterilidade criativa.

A Épica, precedendo e se processando revolucionariamente, estabelece a
revolução como cultura natural. A arte passa a ser, pois, revolução.
Neste instante,a cultura passa a ser norma, no instante em que a revolução é
uma nova prática no mundo intelectualizado.
A Didática sem a Épica gera a informação estéril e degenera em consciência
passiva nas massas e em boa consciência nos intelectuais.
É inofensiva.
A épica sem didática gera o romantismo moralista e degenera em demagogia
histérica..
É totalitária.
A nova cultura revolucionaria, revolução em si no momento em que criar é revolucionar, em que criar é agir tanto no campo da arte quanto no campo político e militar é o resultado de uma revolução cultural-histórica concretizando-se, no mesmo complexo, Historia e Cultura.
O objetivo infinito da liberação revolucionaria é proporcionar ao homem uma capacidade cada vez maior de produzir seus materiais e utilizá-los segundo um mundo desenvolvimento mental.
A revolução elevara a sociedade subdesenvolvida a categoria desenvolvida e ai surgira uma nova necessidade: a ação desmitificadora dos nacionalismos culturais, a ação civilizadora contra mitos e tradições conservadoras; a ação substituta de valores integrais da colaboração humana, a que se limita pelas remanescências do falho significado burguês da individualidade.
O sentimento de colaboração humana renova e revela uma nova categoria de individuo, mas é necessário para isto que a velha cultura seja revolucionaria. Neste estagio, a épica didática necessita do instrumental cientifico psico-analítico a fim de fazer de cada homem um criador que, de posse consciente e informada de todos seus instrumentos mentais, possa fazer a revolução das massas criadoras.

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